Navegando em águas tranquilas

em 18/02/2010

Michael Pachter começou o ano mantendo sua previsão de que um Wii HD será anunciado em 2010. Ele refere-se ao mesmo Wii de hoje mas com a c... (por Pedro Pellicano em 18/02/2010, via Nintendo Blast)

Michael Pachter começou o ano mantendo sua previsão de que um Wii HD será anunciado em 2010. Ele refere-se ao mesmo Wii de hoje mas com a capacidade de reproduzir games em alta-definição, compatível com jogos antigos e ao mesmo tempo apto a rodar games feitos para a resolução maior.

Discutimos esse assunto nos comentários do WiiClube mas senti que seria muito importante e proveitoso para todos nós a exposição mais clara dos argumentos a favor e contra essa possibilidade.

Abaixo estão duas partes desse artigo: uma que mostra porque um Wii HD faria sentido e outra que mostra porque não.

A primeira é totalmente imparcial e espero ter reunido os pontos mais relevantes sobre o assunto.

Na segunda parte colocarei minha opinião pessoal e falarei MUITO sobre a Estratégia do Oceano Azul – não para convencê-los e sim trazer um pouco mais dessa linha de pensamento que sempre quis abordar e nunca houve um espaço adequado para tal.

É só uma discussão aberta sobre visão de estratégia, galera, não uma briga para ver quem está certo, ok? Até porque posso muito bem quebrar a cara e não tenho receio algum disso, hehe.

Vamos nessa então! Sei que pode ser muito texto mas, oras, isso tudo foi feito justamente para vocês, caros leitores. :)

Wii HD – Essa é a hora

As vendas de títulos de terceiros no Wii nunca foram muito expressivas especialmente quando consideramos os jogos chamados de ‘tradicionais’. A imagem familiar do console parece ter atraído uma enorme quantidade de novos consumidores que não têm muito interesse nesse tipo de game.

A própria Nintendo não obteve o mesmo sucesso com jogos avançados – Mario Galaxy e Metroid Corruption - que com suas ofertas para o mercado expandido, notadamente Mario Kart Wii, Wii Sports e Wii Fit.

A força das franquias da Nintendo obviamente atraiu muitos jogadores tradicionais, mas esses parecem ter abandonado o console quando perceberam que não haveria o mesmo volume de novidades tecnológicas que a concorrência oferecia – oras, ele abandonaram o Wii na hora que o plugaram em uma HDTV.

Esse problema veio sendo cozinhado ao longo dos anos e em 2009 atingiu um ponto interessante, em que produtoras vieram a público para reclamar explicitamente sobre as dificuldade de se vender jogos no Wii.

A adoção de TVs de alta definição é muito maior hoje do que em 2006, graças à queda de preço dos aparelhos e à maior oferta de conteúdo nesse formato. Os consumidores do Wii provavelmente estão mais familiarizados com o conceito hoje do que estavam há três anos.

Existem muitos jogos que se encaixariam bem nos controles do Wii e que muitas produtoras desenvolveriam para uma versão ‘melhorada’ do console. A parcela de donos de Wii mais ligada em games também adoraria poder jogar seus jogos em uma resolução maior.

Um Wii HD poderia ser algo semelhante ao DSi. Enquanto muita gente ficou feliz com o DS Lite, outras preferiram evoluir para o novo modelo e ambos são um sucesso – a família DS quebrou o recorde histórico de sistemas vendidos em um ano nos EUA (2009).

Como o Wii HD teria apenas uma vantagem estética valorizada por parte dos consumidores, ele não afastaria os atuais e serviria como uma opção, uma extensão da linha de produto – algo certamente considerado como ruptura dentro do modelo tradicional de consoles.

Apoio maior das produtoras, um agrado aos fãs mais antigos e tradicionais de videogames e a possibilidade de atrair uma parcela do público hardcore que ainda nem tem o Wii justamente pela falta de gráficos em HD.

Certamente há muitos motivos para se defender um possível Wii HD e adiciono ainda uma possibilidade: o Wii foi lançado com um novo Zelda, que também rodava no Gamecube. Estaria a Nintendo planejando algo semelhante para o Wii HD?

Wii HD – Essa NÃO é a hora

Um papo de marketing

A introdução do Wii no mercado de games não foi uma simples aposta cega da Nintendo. O controle já existia como acessório do Gamecube mas a empresa (leia-se Reggie Fils-Aime) percebeu que tinha em mãos a chance de estremecer novamente a indústria.

A proposta do Nintendo DS, na verdade, representou o primeiro passo na estratégia de oceano azul que a Big N resolveu adotar como lema central para essa (e futuras) geração. Estratégia essa que passou anos sendo discutida e mesmo hoje encontra-se em pleno estágio intermediário de desenvolvimento.

Dentro da visão da Nintendo, videogames são uma forma de entretenimento assim como damas, bicicleta, piquiniques no parque, um bom filme, etc – a competição ocorre a todo momento do dia.

Ao abraçar a estratégia do oceano azul, a Big N retornou às suas raízes, que tanto contribuíram para fixar seu nome como símbolo de videogames nos anos 80.

O mais importante a se conhecer sobre essa estratégia, e talvez sobre qualquer estratégia, é o que ela realmente representa.

Não, ela não busca o lucro; o lucro é a essência do sistema capitalista, no qual TODAS as empresas estão inseridas, e o lucro é uma simples decorrência da estratégia adotada pelas corporações (seja de oceano azul, de up-market, de pull-push, etc).

A estratégia do oceano azul, apesar de ser um crime limitá-la a uma forma resumida, diz que para se obter sucesso em segmentos ultra competitivos é preciso buscar novos mercados, criar nova demanda que antes não existia e, assim, tornar a concorrência irrelevante.

O avanço tecnológico por si só não é capaz de avançar mercados, não representa benefícios para uma indústria que pretende crescer. Tecnologia atrai uma pequena – mas importante, claro – parcela do público, e empresas como Ferrari, Montblanc, hotéis de luxo e por aí vai obviamente se beneficiam das altas margens de lucros obtidas com seus preços premium.

O problema em se valorizar apenas aspectos técnicos é que primeiro, você se obriga a fazer um enorme investimento inicial e, segundo, torna-se obrigatória a conquista de uma ‘massa crítcia’ de consumidores que justifique tantos gastos no escuro.

A Nintendo percebeu que os consumidores estavam abanadonando os games. Não o fanático por pixels, mas aquele cara do dia a dia, que gostava de brincar com o NES e SNES e hoje sente-se intimidado pelo excesso de especificações e detalhes que os consoles poderosos oferecem.

Por isso a Big N apostou na estratégia do oceano azul. Diferente de Sony e Microsoft, a Nintendo depende apenas de games; ela não tem outras divisões lucrativas que podem despejar rios de dinheiro na divisão de games enquanto essa não atingite seu ponto de equilíbrio.

Além disso, desde a era do SNES a busca por tecnologia excessiva vem tirando cada vez mais e mais pessoas do mercado – o sucesso do PS2 deve-se muito mais ao investimento da Sony em mercados antes irrelevantes, especialmente Europa e Ásia (ótima estratégia, aliás).

O DS e o Wii vieram com o objetivo de trazer de volta os milhões de consumidores que se interessam por games mas que não têm o tempo nem o interesse de se dedicar 24 horas por dia a notícias, aos dados técnicos e às comparações que mostram qual console tem o melhor anti-aliasing.

Mais importante ainda é perceber que eles não foram um sucesso apenas por causa de uma tela sensível ou um controle de movimento. A filosofia de venda, preço, promoção, oferta de produtos, marketing e atitude da Nintendo está presente em todos os aspectos desses sistemas e se baseia em tudo que eu disse acima.

O Wii não tem uma tecnologia completamente nova; muito menos o DS. Na estratégia do oceano azul você não busca as tecnologias mais recentes para impressionar; você usa tecnologias estabelecidas de uma forma inovadora, acessível e de ruptura.

Nada contra fãs de tecnologia (eu sou um maluco por essa área). Porém, de nada adianta vender seu peixe caro (a preço baixo) para poucas pessoas. Uma hora o bicho pega – e está pegando muito pesado no lado da Sony.

É melhor seguir a corrente do que nadar contra ela

Voltando ao Wii HD, então, posso elaborar porque acho improvável que ele apareça. A adição da simples capacidade de vídeo em resolução maior é justamente tudo que a estratégia da Nintendo abomina.

Quando o DSi foi anunciado, qual era o argumento de venda? Mais memória? Mais processamento? Não, era a adição de câmeras, o acesso à internet, telas mais claras e um pouco maiores – todos aspectos nada avançados para quem acompanha tecnologia, mas fundamentais para oferecer uma nova EXPERIÊNCIA aos jogadores.

Eu inclusive acho que a Big N adorou vender DSi e DS Lite a rodo em 2009, mas tanto a empresa como outras produtoras reconhecem em off que essa divisão do mercado consumidor pode representar um atraso para o desenvolvimento de novos títulos.

Com milhões de DS Lite pelo mundo, quem vai se arriscar a criar um jogo que exija o DSi? Nem a Nintendo fez isso ainda e o portátil já está no mercado há quase um ano. A câmera tornou-se um acessório e o acesso à loja DSiWare é algo que ainda não decolou justamente porque existe o receio sobre quantas pessoas de fato conhecem o sistema.

Multipliquem isso para o mercado de consoles. O Wii teve seu melhor mês em Dezembro de 2009 – bom, na verdade o melhor mês de vendas de um console na HISTÓRIA dos EUA. A base instalada mundial passa de 60 milhões.

Em 2010, tudo indica que haverá um novo Galaxy, um novo Metroid, um novo Zelda, ofertas menos numerosas de terceiras mas todas mais bem produzidas. Para que, exatamente, introduzir um console que não oferce nada a mais a não ser resolução maior?

Aliás, isso pode se tornar um grande problema em relação à compatibilidade. Mesmo vídeos em emuladores na internet mostram como o upscale de jogos em SD não é perfeito – se as texturas não foram feitas em HD não adianta estourá-las. E se quiser um up-scale incrível que esconda isso, será necessário investir em muito mais do que uma saída HD para a TV.

O investimento para lançar um console, mesmo que seja um ‘upgrade’, gira na casa dos bilhões de dólares. E para que? Para agradar 20% dos usuários do Wii? Para queimar uma etapa, dividir o público?

E nem entrei no assunto dos jogos ainda. Como é que você lança um console de resolução muito maior do que o anterior sem títulos para suportá-lo? Mesmo que a Nintendo esteja fazendo Pikmin 3, Zelda Wii, Galaxy 2, etc, todos prontos para telas HD, isso não venderá um novo console.

A Nintendo aprendeu a duras penas como a falta de suporte de terceiros pode destruir uma geração (N64 e Cubo, que pegou o vácuo dos cartuchos).

Capcom, Ubisoft e afins, que tanto reclamam do Wii, já teriam jogos prontinhos para serem lançados em breve, em glorious High Definition? Isso leva anos! E até onde sei elas andam cautelosas e investindo na aposta de oceano vermelho de Microsoft e Sony – que, como seus perfis indicam, sempre buscam superar a concorrência em vez de ir atrás de novos mercados.

Os motivos que apontei na sessão anterior são bem sólidos e fazem total sentido dentro do panorama normal do mercado. Mas jogue tudo pela janela pois a Nintendo não seguirá um caminho previsível.

Mais ainda, não seria melhor usar 2010 para atingir 80, 90 milhões de vendas de consoles no mundo para, aí sim, em 2011 oferecer a próxima evolução do sistema (com câmera, sensores melhores, e sabe-se lá mais o que)?

Em vez de rachar os consumidores com um console intermediário, massifique ainda mais o Wii com um preço de US$ 149 no segundo semestre e crie o maior mercado potencial, desde o PS2, para a próxima geração.*

*só não seja prepotente ao achar que o consumidor arranjará dois empregos para comprar seu console.

Queria citar apenas uma última coisa nesse artigo: o Vitality Sensor. Não possuo a menor capacidade de fazer previsões concretas pois nem sabemos direito o que ele faz. Mas se a Nintendo continua apostando nele e citando-o em diversas entrevisas, a chegada de um Wii HD causaria um ruído muito profundo na percepção do mercado consumidor.

Depois do impacto, inesperado até para a Nintendo, do Wii, Wii Sports e Wii Fit, a empresa não iria apresentar dois produtos tão importantes em um mesmo período.

Eu também amo tecnologia

Não acho que um Wii HD seria um desastre para a Nintendo, algo que matará o Wii. Claro que eu, Pellican, compraria o console no primeiro dia.

Mas a Nintendo está seguindo um caminho que há 20 anos não seguia. Ela não olha para os lados; ela não liga para reclamações pontuais; mais do que todas as outras empresas do setor, a Nintendo é a única que deseja expandir a população de jogadores – e curiosamente isso também beneficia a concorrência.

Dividir o mercado por causa de uma simples contagem de pixels na tela não combina, EM NADA, com a brilhante atitude que a Big N demonstra a cada ano.

Quando o N64 era um desejo, o SNES era dado como morto. E então, uma tal de Rare lançou um ‘joguinho’ chamado Donkey Kong Country. Irônico como essa indústria não tem a menor capacidade de aprender consigo mesma…

ADICIONAL - Fica o convite para vocês assistirem a uma apresentação de Reggie sobre a estratégia da Nintendo e alguns dos motivos para o lançamento do Wii e DS. Sigam este link.

Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
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