Iniciando a coluna “A História dos Vídeo Games”, hoje falaremos um pouco da parte mais empoeirada e confusa da história dos vídeo games, o seu começo. Cheia de inconsistências, o começo de nossa jornada é marcada por inúmeros projetos acadêmicos sem fins lucrativos, ideias brilhantes e vários tiros no escuro. Ponham suas máscaras, tragam seus anti-alérgicos e Sorine e vamos conhecer o OXO, Tennis for Two e Spacewar!.
O ano era 1918 e o calendário marcava o dia 11 de novembro. Finalmente a Primeira Guerra Mundial acabara e enquanto o mundo respirava aliviado, engenheiros e militares procuravam uma maneira de substituir as tabelinhas de cálculos balísticos que existiam à época para cada uma das armas usadas em combate. Eis que surgiu a gloriosa calculadora eletrônica, principal responsável pela aposentadoria das tabelinhas e dos pobres coitados que trabalhavam fazendo cálculos com lápis grafite.
Num processo natural, as calculadoras eletrônicas evoluiram e se tornaram grandes e potentes computadores – grandes o suficiente para ocupar vários andares de um prédio e potentes a ponto de calcular raizes quadradas e solucionar algumas equações por minuto. Eram revolucionários! Nos anos 1940 eles eram suficientemente populares entre os militares, que os utilizaram na II Guerra Mundial e nos anos 1950 começaram a invadir as principais universidades norte-americanas e foram nelas que eles passaram a ser usados para as coisas mais estranhas que se possa imaginar – inclusive para desenvolver e jogar vídeo games.
OXO, Noughts and Crosses – O Jogo da Velha
Já dentro dos quartéis, alguns militares aproveitavam o tempo ocioso para se divertir e fazer alguma coisa nos computadores que só eles tinham. Surgiram alguns jogos, é verdade, mas eles eram analógicos e não podiam ser caracterizados como vídeo games porque ou não tinham gráficos, ou os que tinham não eram exibidos em um monitor, mas em um display vetorial.
Somente em 1952 foi que surgiu o primeiro vídeo game, do jeito que deve ser – gráficos digitais exibidos em um monitor de tubo de raios catódicos. OXO, Noughts and Crosses foi desenvolvido por Alexander S. Douglas como parte da sua tese de doutorado “Interação Homem-Computador”. O jogo na realidade trata-se nada mais nada menos do que o famoso “Jogo da Velha”, só que jogado em um computador com um controle de telefone analógico (é, eu não sei como isso funcionava).
O esquema da jogatina é o mesmo desde sempre: posicione o “X” ou a “O” no lugar que você quer e feche uma linha com eles. Apesar da simplicidade e da aparente falta de emoção, o jogo chamava atenção justamente por representar muitíssimo bem a “Interação Homem-Computador”, coisa que pouca gente conhecia fora das universidades e recantos militares.
Apesar de brilhante, OXO não se popularizou porque só funcionava no computador em que foi desenvolvido – o EDSAC – e, pasmem, ele era o único no mundo! Mesmo não tendo ganhado nem um centavo com o jogo, A.S Douglas ganhou seu título de doutor e OXO foi, e é, considerado o primeiro vídeo game do mundo!
Tennis for Two
O que antes era restrito a militares e a universitários, começou a ganhar popularidade entre nós, meros mortais, em 1958 com a apresentação de Tennis for Two no laboratório Brookhaven National. À época (tempos de Guerra Fria), era comum os laboratórios abrirem suas portas em eventos conhecidos por “Dia Anual dos Visitantes” para visitação às suas instalações. A ideia era mostrar ao público tudo o que se estava pesquisando e desenvolvendo nuclearmente… mas raios, quem se interessaria por isso?! Percebendo que esses ‘passeios’ ao laboratório poderiam ser muito mais interessantes, o físico William Higinbotham pensou como gente normal e decidiu que bolaria algo para entreter o público de verdade.
Assim nasceu Tennis for Two que acabou se tornando a principal atração do laboratório – ora, quem lá quer saber de fissura de átomos, bombas de hidrogênio ou enfim… vídeo games são melhores e a população percebeu isso. Filas enormes com centenas de pessoas se formaram naquele feliz 18 de outubro de 1958.
Na tela do ociloscópio uma bolinha (que na verdade era uma luz verde) ia de um lado para o outro passando por cima de uma rede (que era uma luz verde fixa) simulando uma partida de tênis vista de lado. Para rebater a bolinha, os jogadores tinham que apertar um botão e girar um outro para definir o ângulo em que a bolinha seria rebatida.
O público gostou tanto do jogo que o laboratório lançou uma versão atualizada do jogo na festividade do ano seguinte e, novamente, uma fila enorme se formou às portas do laboratório – o público começava a se familiarizar e a gostar dos vídeo games.
Mesmo com todo o sucesso do seu joguinho, o jovem Willy não patenteou sua ideia por acreditar que ela não valia nada – era apenas mais uma dessas brincadeiras de laboratório que qualquer um poderia fazer, assim ele pensava. No fim das contas PONG copiou a idéia de Tennis for Two e Willy morreu em 1995 sem nunca sequer ter embolsado um centavo por sua ideia pioneira.
Spacewar!
OXO e Tennis for Two foram muito importantes para a história dos vídeo games – OXO foi o primeiro com interface gráfica e Tennis for Two o primeiro a apresentar animação. Contudo nenhum dos dois conseguiu se libertar dos locais aonde foram criados, o que impediu sua popularização.
Em 1962, após 200 horas de trabalho, Steve Russell, Martin Graetz e Wayne Witaenem, três estudantes do MIT, finalizaram o primeiro jogo do recém-adquirido minicomputador DEC PDP-1 – Spacewar!. O mais interessante é que os três não tinham acesso ao computador e desenvolveram o jogo apenas com a documentação das funções de rotina da máquina em mãos.
Spacewar! era bem simples. Na tela, um breu danado que era quebrado pela cor branca das duas naves que atiravam uma na outra e de uma estrelinha que ficava no meio da tela. Cada uma das naves era controlada por um jogador e sofriam com a força gravitacional da estrelinha. Cada uma tinha uma quantidade limitada de tiros e de combustível para tentar detonar a outra. O detalhe é que os tiros não eram influenciados pela gravidade por causa da baixíssima capacidade de processamento do DEC PDP-1.
Assim como Tennis for Two, Spacewar! foi desenvolvido apenas para demonstrar as capacidades do computador, mas acabou se tornando um “pop-star” das redondezas e logo os pesquisadores do MIT, entre um cafezinho e outro, estavam lá no laboratório do fictício “Hingham Institute” (como os 3 nerds, ops… estudantes chamaram seu cafofo) jogando uma partidinha de Spacewar!
Spacewar! fez tanto sucesso que a DEC começou a distribuir seus computadores com o jogo instalado de fábrica – daí a importância de Spacewar! para a indústria dos vídeo games: ele foi o primeiro vídeo game a sair das masmorras e ganhar o mundo, ainda que discretamente.
Spacewar! fez um tremendo sucesso, a DEC usou o joguinho pra ganhar uma “graninha” e os pobres estudantes, coitados, continuaram lisos como todo estudante é. Felizes foram Ralph Baer e Nollan Bushnell que viram que a sorte fora lançada e os ventos sopravam a favor deles. Mas isso é história para o nosso próximo artigo na coluna “A História dos Vídeo Games”! Até lá!