Sempre que uma organização inicia o processo de desenvolvimento da estratégia, o primeiro passo é coletar informações para ajudar na formulação das estratégias. Essas informações permitem que se possa fazer uma análise da situação, que descreve problemas atuais e futuros e tendências que afetam o macroambiente. Por macroambiente nesta coluna, entenda-se a junção de três ambientes principais: o ambiente interno, o ambiente externo e o ambiente do cliente.
Na coluna passada, vimos um pouco do ambiente externo à Nintendo, ou seja, o ambiente do setor de videogames. Muita coisa do ambiente externo será vista hoje também, mas a abordagem será muito maior: entenderemos como funciona a estrutura PESTEL, quais são os principais condutores de mudança em se tratando de videogames, como acontece a competição e a importância da análise SWOT.
Imaginemos que o ambiente de videogames possui camadas. A camada mais geral é chamada de macroambiente, cujos fatores que podem impactar as organizações são mais amplos. Por isso, é importante entender como as mudanças no macroambiente podem atingir a Nintendo. Veremos que fatores são esses mais adiante. Dentro dessa camada geral, encontra-se o segmento, ou setor, que consiste num grupo de empresas que oferecem os mesmos produtos e serviços. Podemos associar essas empresas ao ambiente de tarefas visto na coluna anterior. Por fim, a camada mais imediata do ambiente é formada por concorrentes e mercados. Por concorrentes, entenda-se: Sony e Microsoft. Na maioria dos segmentos existem empresas com características próprias, concorrendo em bases diferentes. Vemos por exemplo que a proposta da Sony é bem diferente daquilo que a Nintendo apresenta. Ainda assim, ambas são atingidas pelas mesmas forças.
A estrutura PESTEL
A estrutura PESTEL é um pouco mais completa que a análise PEST, bastante usada para estudar o mercado. Essa estrutura categoriza as influências ambientais em seis grupos principais: potical (políticas), economic (econômicas), social (sociais), technological (tecnológicas), environmental (ambientais) e legal (legais).
Fatores políticos incluem a estabilidade do governo, impostos, regulamentações do comércio exterior e a política de bem-estar social. A influência dos impostos é algo que os consumidores conseguem sentir diretamente. Sabemos que eles impactam nos preços dos consumidos – nós brasileiros conhecemos muito bem essa realidade. A carga tributária em jogos eletrônicos se dá pelo efeito cascata, e é por esse motivo que os jogos e consoles são tão caros no Brasil. Mas e o que dizer das outras influências? A Nintendo possui uma abordagem internacional. Ela está presente em todos os continentes, quer como subdivisão da empresa, ou representada por outra organização. O que faz a Nintendo decidir pela primeira ou segunda opção? A segurança do retorno de seus investimentos. Naturalmente que as condições econômicas e o poder de compra são pesos fortíssimos, mas você concorda que esses fatores estão relacionados à estabilidade política? Quando um país é dominado por um governo instável, ou quando há quebras no poder a todo momento, tudo é afetado: desde leis a relações com empresas e fornecedores. Condições econômicas englobam taxas de juros, inflação e desemprego. Vemos que quanto maior o poder de compra do mercado consumidor, mais jogos e consoles poderão ser vendidos -- essa é uma dedução bastante lógica, mas o poder de compra não depende somente de condições econômicas. Fatores sociais como a demografia da população, distribuição de renda e escolaridade também influenciam no potencial de um mercado. Dessa forma, a Nintendo pode criar mercados prioritários: países em que a sua participação será mais agressiva.
Quando se pensa nas influências tecnológicas, há a questão do investimento em pesquisas e novas descobertas. A inovação é algo que move o mercado de videogames. Todas as organizações do segmento de videogames devem investir em pesquisas. Naturalmente, as grandes novidades apresentadas em conferências de eventos como a E3 não surgiram na semana passada. Repare que toda semana há alguma novidade: seja o lançamento de algum jogo de grande relevância que poderá culminar no desenvolvimento de games que sigam o mesmo estilo, a atualização de algum aplicativo, ou a distribuição de uma nova engine.
Com relação às influências ambientais, destaca-se a lei de proteção ambiental. Na coluna anterior, discutimos um pouco disso. Vimos que o Wii é o melhor amigo do ambiente, visto que o consumo de energia é o menor. Consoles “esquecidos” na natureza precisam gerar o menor impacto ambiental possível, ao passo que a produção passa por uma gestão que vise à redução de liberação de toxinas. Finalmente, há os aspectos legais como leis trabalhistas que também podem afetar o relacionamento dentro de qualquer organização.
O que conduz a mudança?
O segmento de videogames possui influências ambientais, descritas acima. Mas além disso, há forças que podem afetar a estrutura de todo o setor. As principais condutoras de mudança estão diretamente ligadas à globalização. Algumas empresas, por exemplo, realizam economias de escala e nesses casos, pode exisir a globalização de custo. A produção do PlayStation 2 no Brasil é um exemplo de globalização de custo. Com a intenção de se reduzir custos de produção, a Sony procurou locais onde a mão-de-obra fosse mais barata e existissem incentivos por parte do governo e indústria. Atraída pelas condições brasileiras, as instalações foram feitas no Polo Industrial de Manaus.
A lógica da economia de escala é a de que quanto mais se produz, menor o custo médio do produto no final. Nesse caso, como se explica a falta de consoles Wii nos estoques norte-americanos no ano passado? Se a demanda era tão grande, a Nintendo não poderia simplesmente aumentar a produção?
O problema estava na capacidade de produção, cujo aumento só veio mais tarde, mas com certeza isso custou caro para a Nintendo. Demanda não atendida significa vendas que não são realizadas, as quais são traduzidas em dinheiro perdido para a empresa. Esse problema do aumento tardio da capacidade de produção pode ter sido decorrende de um erro de gestão, ou de erros nas previsões.
Há muito tempo, a Nintendo já percebeu que clientes de várias partes do mundo podem ter preferências similares, mesmo com as diferenças culturais, no que diz respeito aos jogos. Isso permite que ela desenvolva canais e redes globais, o que significa que ela possui parceiros no mundo todo, seja para a produção de consoles (fornecimento de peças e insumos) e jogos (profissionais do mercado, engines, parcerias com thirdies), logística (distribuição em lojas), marketing ou pesquisa.
As cinco forças da concorrência
A concorrência é moldada por cinco forças principais, ilustradas por um modelo sugerido em 1980 por Michael Porter. Através desse modelo, é possível identificar as chaves para a competitividade num setor específico, e é o que faremos agora para o segmento de videogames.
1. Rivalidade entre as empresas existentes.
A principal fonte de concorrência ocorre entre os atuais participantes. Sony, Microsoft e Nintendo operam num segmento que está mais ou menos equilibrado. O VGChartz, site que acompanha as vendas de videogames no mundo, aponta que a participação atual da Nintendo nas vendas dos consoles de mesa é de 48,4%. Em seguida, vem a Microsoft com 29% e Sony com 22,6%. Essa diferença não é tão grande assim – até o final desta geração, ainda existem possibilidades de Sony e Microsoft alavancarem as suas vendas e ganhar mais espaço. Além disso, vemos que a barreira de saída é muito alta. Pensemos: a Microsoft entrou no segmento em 2001 (aqui nos referimos aos consoles e não a jogos para PCs). Se amanhã ela quisesse abandonar o setor, será que seria tão fácil assim? Obviamente que não. Por saída do setor de videogames entenda que a Microsoft não somente deixaria de produzir consoles como também fecharia ou venderia todos os seus estúdios de produção de jogos. Acontece que a empresa possui muitas parceiras e contratos, além de outras organizações do segmento que dependem dela. A saída do segmento resultaria, por exemplo, na perda de seu altíssimo investimento – tanto para o Xbox quanto para o Xbox 360 – e em altos custos de demissões. Uma vez que é difícil sair do mercado uma vez que tenha entrado nele, é natural que a Microsoft concorra com mais empenho para obter sucesso.
2. Ameaça de novos entrantes
Para os consoles de mesa, o surgimento de novos entrantes tem um potencial muito pequeno. Vamos conspirar: a Apple poderia nos surpreender e anunciar no final desse ano o lançamento de um console para competir com Wii, Xbox 360 e PlayStation 3. Mas será que há espaço para mais um console no mercado? A incerteza em torno disso é muito grande, e por isso a barreira é tão alta. Para começar, os custos de entrada não são pequenos: produzir um novo console, e torná-lo atrativo para o mercado consumidor requer capital e investimentos substanciais. Além disso, é difícil pensar que existam lacunas no mercado. Mas para os portáteis, a coisa é um pouco diferente. Vemos que há dois participantes: DS (68,3%) e PSP (31,7%). Um portátil da Apple poderia roubar um pouco do espaço do DS, que tem vendas superiores a de qualquer console de mesa.
3. Ameaça de substitutos
Esse é um fator fortíssimo no setor de videogames. A substituição tecnológica é algo que costumava acontecer num período de 4 a 5 anos. A geração atual, porém, é uma incógnita. Wii e PlayStation 3 começaram a ser vendidos em 2006. O Xbox 360 em 2005. Pela lógica, no ano que vem já deveriam ser anunciados os sucessores dos atuais consoles, mas você deve concordar comigo que isso ainda longe de acontecer. Tanto PS3 e Xbox 360 terão novos controles, o que certamente alonga o ciclo de vida do console. O Wii com o MotionPlus passa pela mesma situação. Os analistas do mercado não acreditam que novos consoles devam figurar antes de 2012, considerando que o retorno dos investimentos nos atuais consoles ainda foi muito pequeno. No entanto, melhorias incrementais dos produtos ao decorrer da geração podem representar uma grande força competitiva. Para consoles de mesa, temos o exemplo do PS3 Slim. Para portáteis, DS Lite, DSi e PSP Go.
4. Poder de barganha dos fornecedores
Escolher os melhores fornecedores impacta diretamente na qualidade dos consoles. No entanto, não é em qualquer esquina em que se encontra fabricantes que permitam uma melhor capacidade de processamento aos consoles. Quando há poucas organizações capazes de atender àquilo que as organizações desejam, eles têm mais poder do que as empresas do seor, e assim a concorrência por fornecedores escassos tende a ser mais intensa.
5. Poder de barganha dos compradores
Há um certo limite para o preço que os clientes estão dispostos a pagar por jogos e consoles. Mesmo a Nintendo, que é líder de mercado, passa por episódios em que seus consoles vendem menos que a concorrência. Recentemente, o Wii sofreu uma queda de preço. O DS Lite foi substituído pelo DSi. No mercado de videogames, nós sabemos que a relevância dos jogos é muito maior. Deve-se tomar o cuidado, porém, para não sair deduzindo de que a melhor biblioteca pode ser traduzida nas melhores vendas. Tudo é relativo aos interesses do mercado.
Somadas juntas, essas cinco forças oferecem uma estrutura útil para se avaliar os fatores que provavelmente vão direcionar a concorrência. Para o futuro, podemos esperar que a barreira de entrada continue forte para os consoles de mesa, mas a rivalidade entre as empresas tende a aumentar, especialmente agora que Microsoft e Sony estão tentando atrair o “público casual” abordado primeiramente pela Nintendo.
A Análise SWOT
Uma boa metodologia de análise do ambiente é a abordagem da análise SWOT. Ela é extremamente simples, e permite à organização se posicionar no ambiente. Por que caminhos a Nintendo deve seguir? Que novos jogos de franquias aprovar e que projetos reprovar? Que estratégia tomar para rebater a abordagem da Sony e Microsoft aos consumidores da Nintendo?
A análise SWOT faz uma abordagem do ambiente interno e externo do cenário, observando pontos fortes e fracos. Para o ambiente interno, observamos as forças (strenghts) e fraquezas (weaknesses), ao passo que para o ambiente externo, observaremos as oportunidades (opportunities) e fraquezas (threats).
Ambiente interno | FORÇAS: - A Nintendo tem a equipe de desenvolvimento interna mais forte do mercado. São raros os estúdios aos mesmos níveis de excelência da Nintendo EAD e Retro Studios, por exemplo. - As franquias da Nintendo estão entre as mais clássicas e lembradas dentre os consumidores. A força desses títulos é uma grande vantagem competitiva. - A Nintendo é uma organização tradicionalíssima no mercado de videogames, já tendo passado por cinco gerações. - Os setores de pesquisa e desenvolvimento dentro da Nintendo são muito fortes atualmente, fazendo da organização uma empresa inovadora. | FRAQUEZAS: - O hardware dos consoles Nintendo é mais fraco que os dos concorrentes. No caso do Wii, um hardware mais forte permitiria ao console receber jogos como Street Fighter IV, GTA IV, Resident Evil 5, Final Fantasy XIII, entre outros. Daqui a alguns anos, a diferença de hardware pode se tornar um ponto crítico para a empresa. |
Ambiente externo | OPORTUNIDADES: - A Nintendo tem contratos de exclusividade com mais de 12 grandes estúdios de produção de jogos, dentre eles Genius Sonority, HAL Laboratory e Game Freak. Esses estúdios podem produzir jogos de grande qualidade que não seriam vistos em outras plataformas. - O grande crescimento mercado pode aproximar novos consumidores às franquias mais fortes da Nintendo e torná-las mais populares. | AMEAÇAS: - A estratégia da Microsoft e Sony em atrair o consumidor da Nintendo para os seus consoles pode dar certo e, com isso, a participação da Nintendo no mercado vai diminuir. |
Já o crescimento de Sony e Microsoft pode ser amortecido com adições de grande valor à biblioteca de jogos do Wii. O DS é um bom exemplo: atualmente, há 87 million sellers para o console.
Na próxima coluna…
Finalmente começaremos a falar sobre a estratégia Nintendo! Na introdução, veremos quais são os níveis de estratégia existentes e as tendências globais no segmento de videogames a serem seguidas. Até lá!