É impossível se perder em Mother 3 – a seqüencia de EarthBound que nunca saiu no ocidente. E eu não estou falando de alguma frase de efeito que você encontra na caixa de um jogo de videogame, nem quero dizer que “é um game tão bom que nunca acaba!”. Eu só quero dizer que o único jeito de você se perder nesse jogo é parar de jogá-lo.
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Clássico Instantâneo
Quantos jogadores em 1994 não aumentaram o nível de todos os personagens da equipe para o nível 99 antes da lendária, marcante, traumatizante batalha final de EarthBound (Mother 2, no Japão)? Isso não acontece em Mother 3. Você pode vencer as lutas com verdadeira habilidade e reflexos. As batalhas são baseadas em ritmo. Aperte o botão de ataque no momento certo pra fazer uma série de golpes. Você pode fazer uma série de até dezesseis golpes sucessivos.
Temos aqui um “RPG com sistema de batalha baseado em ritmo”. Mas isso por si só não é o suficiente pra descrever porque, em termos de videogame, Mother 3 é brilhante. É como o sistema de batalha baseado em ritmo é usado que o faz tão brilhante. Durante o tempo que você estiver jogando, ouvirá baterias tocando, guitarras indo ao máximo da pressão, tudo elegantemente comprimido por sintetizadores caóticos, sem dúvida alguma o melhor trabalho com som da história do Game Boy Advance. Ao contrário do que você pode imaginar, as músicas que ouvirá durante as batalhas são as menos ambiciosas, em termos de composição, de todo o jogo. Porém, em sua funcionalidade, ao passo que você estará tentando atacar de acordo com o ritmo, elas são excelentes. Existem diversos temas para as batalhas, mais que uma dúzia, todos com ritmos diferentes pra você aprender, e todos com toques diferentes que registram como “corretos” para qualquer seqüência de combo, de qualquer personagem. Embora cada ritmo seja fácil de aprender, às vezes, sem aviso, a música vai mudar ligeiramente, você tendo que de imediato se adequar as novas “notas” pra fazer seus ataques em seqüência. Às vezes as baterias vão parar. Às vezes a música simplesmente vai parar por certo tempo. Às vezes, os inimigos vão desferir um ataque que vai mudar o ritmo. E com o tempo, você vai perceber que as músicas possuem partes mais proeminentes e fáceis de acompanhar com o botão. Muito complexo para você? Então ignore esse detalhe e siga com o jogo.
O “medidor de HP rolante” de EarthBound está de volta, e está extremamente estratégico dessa vez. O medidor de HP da série "Mother" foi sua grande inovação enquanto um RPG, e obviamente era a idéia de um homem cuja vocação não estava nos videogames – e sim de um homem que já tinha escrito livros anteriormente. Funciona assim: tome dano por um ataque inimigo, e seu HP começa a diminuir, como um medidor de quilômetros de um carro funcionando ao contrário. Digamos que você tenha um máximo de 100HP, e o dano que seu inimigo provocou foi de 200. Você não vai morrer naquele exato momento – ao invés disso, seu HP vai entrar em contagem regressiva. Então, comece a apertar "A" rapidamente, e escolha uma habilidade para recuperar HP e – rápido! – use no seu companheiro que está prestes a morrer. Quando a próxima rodada da batalha começar, use todos os seus ataques rapidamente, rezando para que sua magia ajude seu companheiro á tempo. Em EarthBound (Mother 2), o medidor ia um pouco rápido demais. Em Mother 3, sua velocidade foi diminuída para um nível mais agradável ao jogador.
Mas o que eu pude confirmar tendo jogado Mother 3 meia dúzia de vezes de ponta a ponta, é que qualquer jeito que você jogar esse jogo é o jeito certo. Se você ficar atento nas batalhas e não perder o ritmo, você sempre vai ter dinheiro o suficiente para comprar novas armas e equipamentos para seu party, e nem vai precisar subir muitos níveis durante o jogo, e provavelmente vai terminá-lo com seus personagens bem distantes do level 99. Se você não conseguir, ou escolher não seguir o ritmo, você está em um RPG tradicional: vai atacar seus inimigos com um ataque por vez, e pode ser surpreendido a qualquer momento por um chefe ou um sub-chefe. Você pode morrer. E se acontecer, terá que escolher: continuar o jogo, ou parar de jogar. Se você escolher continuar, você volta ao um save point que você encontrou (“encontrou”, e não “usou”) com sua vida completa e todos os membros do party revividos. Você vai possuir todos os pontos de experiência que pegou antes de morrer e vai ter suas finanças virtuais reduzidas a precisa metade do dinheiro que você tinha anteriormente. E já que os save points também servem como ATMs (que servem pra depositar e sacar dinheiro), é impressionantemente simples guardar seu dinheiro no banco todas as vezes e evitar perdê-lo ocasionalmente. Dessa forma, o jogo sempre vai estar possibilitando seu curso de uma maneira ou outra – da mesma forma que o jogo pode prender você dentro de uma dungeon, sem nenhuma loja ou hotel por perto, só é necessária lógica básica pra descobrir que nunca é impossível.
Os seus personagens vão ocasionalmente – e aparentemente randomicamente – ficar “febris” enquanto andam. A “febre” vai continuar por um pouco de tempo, e durante esse espaço de tempo, você vai ficar incapacitado de usar a habilidade de correr. Em Mother 3, correr tem mais utilidades do que simplesmente aumentar sua velocidade: se um inimigo for mais fraco que todo o party, você pode correr em direção dele e destruí-lo instantaneamente (não ganhando pontos de experiência). Você provavelmente vai ficar frustrado nas freqüentes vezes que alguém personagem ficar “febril” – mas é bom lembrar que quando a febre passa, personagem que estava febril vai ganhar uma nova habilidade psíquica. É assim que a maioria das habilidades novas vão sendo adquiridas no jogo.
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Um enredo de respeito
O que Mother 3 têm, no entanto, é contexto: a narrativa foi escrita, e não concebida, então os personagens sempre sabem onde estão indo. As dungeons não são dungeons – são segmentos pré-definidos, cheios de batalhas, que são jogadas dentro de um sistema tão bom que é um jogo por si só. O sistema de batalha pode ser severo ou não; você pode morrer muito ou não. Se morrer, volta em um pulo, sem quaisquer itens que você tenha usado anteriormente – a opção “end game” de fato só existe no caso de você não querer perder um item que usou e então prefira começar da última vez que tenha salvado o jogo. Você pode continuar evoluindo em Mother 3 andando nas dungeons e lutando com monstros, sem itens ou dinheiro no seu inventário, até morrer. Então você revive em qualquer um dos chocantemente abundantes save points e pode continuar lutando e evoluindo com os pontos de experiência. Então, basicamente, Mother 3 pode ser jogado como Dragon Quest – lutando, andando, evoluindo, morrendo – mas você sempre vai conseguir continuar indo pra frente no jogo, mesmo que tenha que morrer várias vezes.
Shigesato Itoi aparentemente escreveu todo o enredo de Mother 3 em duas semanas. Ele o tinha escrito originalmente nove anos antes, e decidiu reescrevê-lo pra garantir a vivacidade e o frescor. O jogo foi originalmente planejado para o Nintendo 64, onde estava em um nível de produção um tanto avançado, até que simplesmente foi cancelado; o próprio Itoi disse que não estava satisfeito quanto aos aspectos técnicos do jogo. Gráficos e derivados. O jeito que a música saia. E então, os anos passaram. Durante uma carona de taxi para os quartéis generais da Nintendo para a estação de Kyoto, com o lendário desenvolvedor de jogos Shigeru Miyamoto e o presidente da Nintendo Satoru Iwata, Itoi foi perguntado se poderia considerar mover o desenvolvimento do jogo para o Gameboy Advance. Itoi tinha ido aos quartéis generais da Nintendo para alguma importante reunião ou algo tipo; o que foi discutido na reunião, Itoi nunca mencionou, nem mesmo em seu blog.
Não importa o que aconteceu exatamente na reunião ou na carona de taxi. O fato é que o interesse de Itoi em videogames estava de volta. (embora muito provavelmente ele não tenha jogado nenhum videogame – o “interesse” de Itoi em videogames sempre foi muito mais científico e menos como uma forma de lazer) Ele começou a postar em seu blog diversos artigos sobre o Nintendo DS e como ele considerava o aparato brilhante. Ele lançou Mother 1+2 para o Gameboy Advance no Japão, depois de convidar os leitores de seu blog a mandar mensagens com suas lembranças sobre os dois jogos. Até que finalmente Itoi anunciou que Mother 3 estava sendo desenvolvido para o Gameboy Advance. Ele começou a dizer que sua aproximação ao escrever e estruturar o enredo para Mother 3 era como se ele estivesse escrevendo uma peça de teatro.
Estereotipicamente, peças de teatro são escritas durante uma reclusão da parte do autor, que teve eventos emocionais drásticos (ou não tão) em sua vida, e Itoi acabara de passar por um longo e lento divórcio quando ele se trancou em sua casa por duas semanas pra escrever o script pro jogo. E produto final até se desenrola como uma peça – está divido em atos que progridem cronologicamente, variando de personagem central e obtendo em mostrar diversos ângulos de uma mesma pequena estória enquanto progride. O Mother original (conhecido por aqui como "EarthBound Zero") era baseado em um romance e fluía como um romance; EarthBound era uma estória original, talhada pra funcionar em um RPG eletrônico; Já Mother 3 obtêm sucesso como uma estória original porque, por um lado, seu principio é drasticamente diferente de EarthBound ao que diz respeito a cenário e estado de espírito, e por outro, porque realmente e estranhamente parece uma longa noite no teatro. O pequeno, íntimo e envolvente cenário da estória – totalmente oposto ao desejo de EarthBound de ter um ar “internacional” e urbano na medida do possível – é semelhante a uma peça moderna, com cenários mudando a todo momento. Em muitos pontos do jogo, uma “dungeon” vai consistir em menos que um punhado de telas; “fetch quests” que são passagens normalmente extensas e tediosas de RPGs que envolvem pegar um item e entregá-lo a alguém mudam de figura por aqui, podendo durar menos de cem passos de seu protagonista. Existem partes em que você precisa ir de um cenário a outro, mas também existem partes que você usa veículos e não existe uma única batalha. É chocante o quão mínimo é o desperdício de tempo e chafurde – como eu disse, o jogo tem uma agenda e não perde um segundo.
E no núcleo dessa festa barulhenta de ritmos, desse Jazz Blues com pastiche literário, nós temos um Drag-Queen com poderes psíquicos versus um exercito de soldados atrapalhados com mascara de porco cuja origem é desconhecida. Por trás disso, existe um tema da chegada do capitalismo e progresso a uma ilha onde ninguém conhece o conceito de “dinheiro”. Existem ações sinistras, um bandido, monstros e heróis. O jogo começa em uma ilha, com Lucas e seu irmão Klaus na casa de seu avô e também na companhia de sua mãe. Quando os porcos espaciais chegam, começam as confusões, e logo que você tomar o controle de Flint, o pai de Lucas e Klaus, vai começar a ter uma noção de que tipo de "enredo" estamos falando. Também gostaria de lembrar que Mother 3 não tem nenhuma relação direta para com os jogos Mother anteriores, no que diz respeito ao enredo. Mas tudo isso é descaradamente inteligente. A estória vira pseudo-literatura graças a, como em EarthBound, princípios de produtor não-gamer, que permitem e marcam seus propósitos de story-writting por causa da mídia que está trabalhando. Mas a ambição de Itoi dessa vez foi muito mais freada que em EarthBound em alguns aspectos. A agenda do jogo dessa vez é muito mais clara do que simplesmente “brincar com o jogador” como em EarthBound – dessa vez ele está tentando contar um conto profundamente pessoal. A maioria do cenário do jogo, o ambiente, o charme místico, e a fluidez feita sob medida são apenas fillers feitos pra abastecer o motor emocional do enredo. Notavelmente, Itoi escreveu um videogame que, se não é necessariamente literatura ou arte, certamente é excelente ficção.
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Considerações finais
Os desenvolvedores da Brownie Brown merecem uma medalha por fazer que tudo parecesse precisamente com como Itoi deve ter imaginado enquanto escrevia o roteiro para o jogo. E não existem arrependimentos por esse jogo ser portátil. O game tem um visual perfeito, assim como Mother 2 tinha o visual perfeito em sua época e hoje em dia só parece ainda mais perfeito. Reviews na época de Mother 2 compararam o jogo de modo completamente injusto com o aspirante de realismo Final Fantasy VI, que já naquela época ansiava por cut-scenes geradas por computador. Mas estou totalmente seguro ao dizer que Mother 2 e Mother 3 estão entre os poucos videogames com a honra de terem seus visuais exatamente como seus criadores gostariam que fosse.
Imagens com diálogos em inglês foram capturadas usando a excelente tradução feita por fãs da franquia.