Eu preciso confessar que por mais que a história de Fire Emblem Warriors (New 3DS/Switch) não seja das melhores e a jogabilidade seja repetida, mesmo com o vasto rol de personagens ainda acho que o jogo conseguiu ser bastante competente ao transpor elementos da franquia da Intelligent Systems para a série Warriors da Koei Tecmo. Não me envergonho de dizer que somei quase 400 horas no jogo para completar todas as conquistas, incluindo as dos DLCs.
Desde então, fiquei me perguntando se teríamos um Fire Emblem Warriors 2, porque eu queria saber o que aconteceu com Artoria e os irmãos Lianna e Rowan. Eis que, em fevereiro deste ano, a Nintendo anunciou Fire Emblem Warriors: Three Hopes para o Switch e fui totalmente pega de surpresa; não apenas Three Houses foi considerado uma das melhores entradas da série, como também o spin-off estilo musou prometeu contar uma nova história no continente de Fódlan.
Como mencionei no Blast Test da demo de Three Hopes, a minha impressão inicial era de que teríamos um repeteco da experiência do primeiro FE Warriors, porém em Fódlan, e confesso que fiquei positivamente surpreendida pela qualidade — e quantidade — do conteúdo dos primeiros quatro capítulos deste incrível spin-off. Assim como em diversas outras matérias que já escrevi para o Nintendo Blast, evitarei ao máximo os spoilers nesta análise; no entanto, arrisco dizer que este é um dos melhores musous que joguei até hoje.
O conflito das três casas revisitado
Um dos pontos positivos que quero abordar logo de cara é a possibilidade de Three Hopes ser jogado até mesmo por quem não teve contato com Three Houses. Aqueles que já conhecem a história do 16º título da franquia não terão problema algum para perceber as diversas conexões entre as duas tramas, mas isso não implica em falta de contexto para jogadores que estão desbravando Fódlan pela primeira vez.
Embora o início da nova aventura lembre muito a do jogo em que se baseia, o avatar da vez é Shez, enquanto Byleth assume um papel de antagonista. Além disso, em Garreg Mach, o protagonista é um mero estudante em uma das casas, supervisionada pelo Instrutor Jeritza, em vez de um professor. De resto, após a primeira missão, seguimos a rota da classe escolhida, cada uma com seus próprios conflitos.
Dados os acontecimentos e a história como um todo, eu chuto que Three Hopes se passa três anos antes do período de guerra no jogo principal, salvo algumas leves diferenças na linha do tempo. Ou seja, a narrativa aborda, concomitantemente, eventos inéditos, mas que já foram introduzidos anteriormente em Three Houses.
Uma base militar com cara de Garreg Mach
Obviamente, se Fire Emblem Warriors: Three Hopes é baseado em Three Houses, a administração de recursos e a interação com os companheiros de guerra estarão presentes no spin-off. No entanto, em vez de ganharmos bônus de acordo com nosso nível de professor, agora eles são desbloqueados à medida que melhoramos nossa base militar.
Ao todo, são sete grandes estruturas em no acampamento:
- Training Grounds: treinamento dos personagens no geral, com mudanças de classe;
- Tactics Academy: melhorias no potencial combativo das unidades, como limite de habilidades que podem ser equipadas e quantidade de poções que podem ser usadas por missão;
- Blacksmith: aprimoramento de equipamentos, como forja e restauração de armas;
- Recreation Quarter: atividades diversas para aumentar o suporte entre os personagens, bem como cozinhar refeições com efeitos ativos para as batalhas;
- Marketplace: compra e venda de armamentos, itens, ingredientes e presentes para os personagens;
- Battalion Guild: contratação de batalhões para auxílio em combates;
- Supply Depot: obtenção de recursos para melhorias das estruturas.
Algumas dessas estruturas estão disponíveis logo de início, enquanto outras são adicionadas gradualmente com a progressão na história. Ampliá-las acarreta não apenas novas funcionalidades ao acampamento, como também a possibilidade de aumentar nosso ranque no gerenciamento da base; quanto maior ele for, mais treinamentos e atividades podemos realizar por capítulo, tal qual o nível de professor em Three Houses.
No entanto, é necessário certo planejamento em relação a quais estruturas priorizar. Por exemplo: uma das melhorias do Training Grounds possibilita que os personagens desbloqueiem classes master, que os permitem utilizar armamentos de nível A ou superior; porém, se o desenvolvimento do ferreiro não estiver tão avançado, as unidades só poderão utilizar armas referentes ao nível atual da forjaria.
Ou seja, muitas das funções presentes no acampamento estão direta ou indiretamente interligadas entre si. Embora não exista uma prioridade na ordem de melhorias, é importante ter isso em mente durante a progressão na campanha, sobretudo levando em consideração o nível de dificuldade e o modo de jogo escolhidos.
Vamos ser amigos?
Uma das características da série Fire Emblem é a interação entre personagens. Aumentar o nível de suporte entre os membros do seu exército traz benefícios durante as missões, além de habilitar conversas exclusivas entre eles.
Em Three Houses, esse estreitamento de laços acontecia naturalmente ao usar os personagens em batalha e interagir com eles durante o tempo livre, presenteando-os com mimos, devolvendo-lhes itens perdidos e convidando-os para um chá da tarde, entre outras atividades. Em Three Hopes, muitas dessas características foram mantidas, mesmo que com algumas modificações.
Talvez a mudança mais radical neste novo Warriors tenha sido a troca da hora do chá por expedições. Em essência, o funcionamento é o mesmo, mas agora também podemos fazer perguntas aos personagens, algo que, na minha opinião, fez com que o jogador, no papel de Shez, tenha muito mais participação e protagonismo do que em Three Houses.
Por falar em protagonismo, Shez e Byleth contam com dublagem integral tanto nas cenas da história principal quanto nos diálogos de suporte com outros personagens. Finalmente temos mais um jogo da franquia com protagonistas que pronunciam seus pensamentos, sendo o primeiro — e único até então — Shadows of Valentia (3DS).
WAR - Edição especial: Fódlan
Algo que chamou minha atenção em Three Hopes é a disposição das missões no mapa, que dá a impressão de estarmos movendo peças dentro de um mapa-múndi de Fódlan. Inclusive, em diversos capítulos podemos completar missões paralelas e, uma vez concluídas, temos acesso aos chamados pontos de pesquisa (survey spots) adjacentes, dos quais recebemos materiais para melhorar as estruturas do acampamento, equipamentos, entre outras recompensas
Raramente, alguns desses locais também contêm missões extras que garantem materiais e equipamentos melhores ao serem completadas, enquanto outros mapas paralelos possuem limitações, como utilizar apenas personagens femininos ou não realizar certas ações (curar-se, ativar habilidades etc.). Ainda, as histórias paralelas (paralogues) estão presentes em Three Hopes quando atingimos os requisitos necessários e, quando finalizadas, nos garantem batalhões exclusivos daquela rota.
Com exceção das missões extras, todas as outras, inclusive a principal dos capítulos, podem ser refeitas à vontade e a qualquer momento por meio do NPC Record Keeper, seja por questões de grinding, seja para tentar obter as recompensas de ranque S.
Outra adição interessante é a adição de estratégias, que podem ser usadas durante os estágios principais de cada capítulo. Dependendo do tipo de desafio a ser enfrentado, elas variam de persuasão de personagens inimigos a começar a batalha com os capitães dos fortes adversários enfraquecidos; contudo, há um limite de quantas estratégias podem ser colocadas em prática, um número que varia de capítulo para capítulo, e elas só podem ser acionadas em momentos específicos nos combates.
O funcionamento dos batalhões também sofreu ligeiras diferenças em relação à sua funcionalidade em Three Houses. Os soldados contratados, em vez de oferecer uma técnica especial, garantem resistência contra os tipos de armas dos inimigos. Cada personagem pode controlar apenas um batalhão, mas dependendo da proficiência em Autoridade, a porcentagem de resistência àquele tipo específico de inimigo aumenta.
Diferentemente de Three Houses, aqui não existem pré-requisitos complexos para que um personagem passe no exame de determinada classe. Um Sniper (classe avançada), por exemplo, não precisa de proficiência C em lanças, B em montaria e A em arcos para ser promovido a Bow Knight (classe master), basta ter masterizado a classe em questão.
Ainda em relação às proficiências dos personagens, elas aumentam proporcionalmente à medida que acontecem as mudanças de classe. Por padrão, temos a seguinte relação:
- Classes iniciais: proficiências D;
- Classes intermediárias: proficiências C;
- Classes avançadas: proficiências B;
- Classes master: proficiências A.
Um dos maiores receios que eu tinha a respeito do vasto rol de personagens e classes estava relacionado a um típico problema existente em musous: mais do mesmo. Enquanto jogava Fire Emblem Warriors no meu 3DS, me lembro de os espadachins terem sempre os mesmos padrões de ataque, sendo as únicas diferenças entre eles as classes e habilidades equipadas.
Contudo, Three Hopes conseguiu contornar essa questão com as habilidades únicas de cada personagem, como Snowslip, de Marianne, que conjura orbes de gelo que causam dano aos inimigos proporcionalmente à quantidade de ataques que a personagem realizou. Além disso, mesmo que dois personagens sejam da mesma classe, as técnicas e habilidades aprendidas por cada um não são as mesmas.
Bernadetta, como Bow Knight, tem acesso às habilidades de classe Gauntlet Breaker, Waning Shot, Bow Prowess, Deadeye e Battle Instincts; já Shez, também como Bow Knight, aprende Ward Arrow, Bow Prowess, Precision Volley e Defiant Spd. Contudo, isso não quer dizer que técnicas não possam ser compartilhadas entre as unidades.
Ainda usando Bernadetta e Shez como exemplo, a arqueira da Black Eagles pode “ensinar” Drill Arrow ao avatar protagonista. Existem alguns pré-requisitos para que a mercenária aprenda a habilidade, como ambas terem, no mínimo, suporte C entre elas e Shez ter proficiência A em arcos, mas todos os pormenores são didaticamente explicados nos tutoriais do jogo.
A diferença crucial entre Three Hopes e Three Houses no uso de skills em combate é que essas técnicas estão atreladas às classes e às armas empunhadas pelos personagens, além de serem ativadas em batalha e possuírem cooldown. Esses ataques especiais também reduzem a durabilidade do equipamento em questão, não podendo mais ser usados se a arma não "aguentar mais o tranco”.
O musou também parece ter se inspirado em Pokémon ao introduzir elementos em sua fórmula, sendo eles vento, fogo, eletricidade, gelo, luz e trevas. Além de remeter aos jogos mais antigos da franquia, nos quais os personagens têm afinidade elemental, em Three Hopes eles causam os mais variados efeitos (autoexplicativos, por sinal) durante a batalha.
Experimentação é a chave
Fire Emblem Warriors: Three Hopes é um musou que peca pelo excesso, mas também incentiva a experimentação. Apesar de os personagens terem suas classes preferíveis, como Bow Knight para Bernadetta ou War Master para Raphael, diferentes classes desbloqueiam diferentes habilidades e permitem outros tipos de jogabilidade, especialmente sem os pré-requisitos existentes em Three Houses.
Por mais que as habilidades de classe fiquem restritas a elas e as técnicas estejam atreladas aos tipos de armas, às vezes é a ativação de Pavise na Dorothea que pode salvá-la de um golpe mortal. Mesmo que um personagem não tenha um bom desempenho com sua classe preferível, ele pode se tornar o MVP de várias partidas ao seguir o caminho totalmente oposto.
Cito novamente o caso de Marianne: ao masterizar a classe Warlock, ela ganha a habilidade Essence of Ice, que potencializa golpes e efeitos do elemento gelo, algo que aumenta o dano causado por Snowslip. Outros personagens, ao seguir a linha de Priest e Bishop, têm acesso à habilidade Renewal, muito útil para aqueles mais frágeis ou que costumam lidar com vários oponentes simultaneamente.
Como todo musou, essa experimentação vai depender, sobretudo, da paciência do jogador para o grinding. De toda forma, para fãs de Fire Emblem, não deixa de ser uma excelente pedida, ainda mais com a presença de um New Game+ com personagens extras desbloqueáveis.
Quase impecável
Three Hopes apresenta algumas inconveniências que, apesar de não atrapalhar a jogabilidade como um todo, não passam despercebidas. Percebi uma diferença na taxa de quadros durante as cutscenes, causando atraso em algumas animações; felizmente, essa queda de fps não acontece durante os mapas, pelo menos não de maneira perceptível. No geral, a performance do jogo é satisfatória nos modos TV e portátil do Switch, sem deixar a desejar em nenhum deles.
A principal — e mais alarmante — mancada é o infame problema de câmera que existe em diversos jogos do gênero. Isso ocorre especialmente quando há muitos inimigos que podem ser selecionados (lock-on) na tela, às vezes ocasionando estranhas angulações, mas não chegou a ser um problema crítico durante a jogatina, diferentemente do que vivenciei em Samurai Warriors 5.
De resto, eu só tenho elogios a fazer. Além da dublagem integral — exceto durante a exploração do acampamento —, Three Hopes traz uma apresentação audiovisual incrível, especialmente os novos arranjos das ótimas músicas de Three Houses; ainda, a ação é rápida e fluida e as animações, sobretudo as dos especiais dos personagens, chamam a atenção. Temos ainda um modo multiplayer local para dois jogadores, deixando muitas missões mais fáceis e divertidas.
Fire Emblem: Three Houses de ação
Fire Emblem Warriors: Three Hopes consegue transportar todos os pontos positivos de Three Houses para o mundo dos musous, especialmente a ambientação. Apesar de contar com as inconveniências do gênero, ele quebra com o tradicionalismo presente no primeiro Fire Emblem Warriors e entrega um resultado competente e satisfatório, mantendo toda a tensão presente no 16º Fire Emblem e agradando tanto àqueles que nunca jogaram Three Houses quanto aos fãs que não conseguem largá-lo.
Prós
- Excelente transcrição das mecânicas de Three Houses para o universo dos musous;
- Grande variedade de conteúdo para experimentar, com direito a um New Game+;
- História que complementa os acontecimentos do 16º Fire Emblem, mas que também faz sentido para aqueles que nunca o jogaram;
- Multiplayer local para dois jogadores em algumas missões;
- Qualidade audiovisual incrível, com direito a dublagem integral durante a história;
- Ótimo desempenho tanto no modo TV quanto no portátil do Switch.
Contras
- O grinding pode não agradar a todos;
- Quedas de fps durante as cutscenes, atrasando algumas animações;
- Problemas de câmera típicos do gênero.
Fire Emblem Warriors: Three Hopes — Switch — Nota 9.0
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Nintendo