Dragonlord, o primeiro grande vilão de Dragon Quest

Conheça mais sobre o déspota dracônico e sua história ao longo de toda a série.

em 27/05/2018

O primeiro Dragon Quest (NES/SNES/GBC) introduziu os jogadores ao mundo de Alefgard. O cenário criado pelo trio Yuji Horii, Akira Toriyama e Koichi Sugiyama emprestou muita inspiração da fantasia medieval ocidental para colocar os jogadores no controle de um solitário herói encarregado de libertar o continente de Alefgard, ameaçado pelo avanço crescente das sombras.

O autor de tal situação calamitosa é o personagem que carregaria a responsabilidade de ser o grande vilão por trás da primeira aventura da franquia, o que faz dele nada menos que o titular dragão de Dragon Quest. O Dragonlord se tornaria assim, quase que por definição, um dos vilões mais icônicos da série, com sua mitologia marcando presença (de uma forma ou de outra) em toda a Trilogia Erdrick, com aparições e referências ao personagem dando as caras em diversos dos jogos principais e spin-offs da franquia desde então.


O ladrão da luz

O visual concebido por Akira Toriyama para o personagem é bastante simples, se destacando pelo caráter único dentre os designs do mangaká. De aparência ao mesmo tempo humanóide e monstruosa, Dragonlord guarda também traços leves e um tanto infantis que ornam com a simpática idiossincrasia dos monstros que povoam os games da série, os quais constituem o exército do tirano em sua aparição original.

As duas faces do vilão.

Sendo um dos primeiros exemplos notórios da tradição do último chefe que se transforma em uma segunda forma mais ameaçadora ao longo da luta final, o vilão conta também com um visual propriamente dracônico que, à época do lançamento do jogo, provavelmente vinha como surpresa ao jogador. Isso porque seu nome, embora sugestivo, não necessariamente indicaria que ele próprio fosse um dragão, já que a descrição do personagem no manual do game atribui parte de seu imenso poder à capacidade única de controlar os Dragões, família de monstros que se destaca dentre as outras como sendo a mais mortífera.
Malévola: a gêmea perdida do Dragonlord?
É interessante pensar o quanto o visual de Toriyama faz referência — intencionalmente ou não — ao visual da vilã Malévola da animação A Bela Adormecida, da Disney. Sendo que o mangaká é um fã confesso das animações do estúdio (ele já declarou em entrevista que foi o filme 101 Dálmatas que o inspirou a começar a desenhar), isso explicaria o porquê das semelhanças tanto do vestuário de sua forma humana com o icônico design da bruxa, quanto da transformação em um imenso dragão arroxeado, característica compartilhada por ambas as figuras vilanescas.

Habitando o Castelo de Charlock, o feiticeiro passa a governar o mundo através de seus emissários monstruosos, espalhando o caos e seu poderio sombrio através da destruição e intimidação da civilização humana, a qual ele despreza profundamente. Parte das motivações do vilão estão ligadas à crença de que humanos e monstros não são tão diferentes assim, sendo que o déspota parece acreditar que os monstros devem se unir e ganhar o espaço que lhes foi roubado pelos humanos.
O Castelo de Charlock em arte de Dragon Quest Builders (Switch).
O vilão consegue solidificar tal posição através de três feitos que precedem os eventos do primeiro Dragon Quest: o roubo da Sphere of Light, que se encontrava protegida em Tantegel; o sequestro da princesa de Tantegel, Gwaelin, como forma de obter, através da chantagem, a vantagem sobre o Rei e, por fim, a destruição da cidade de Damdara, como demonstrativo de seu poder e de sua falta de piedade.
O roubo da Sphere of Light, conforme retratado na versão do primeiro Dragon Quest para GBC.
Embora a destruição de Damdara seja obviamente irreversível, é para remediar as duas primeiras situações que o descendente de Erdrick sai em sua épica jornada — reaver a Sphere of Light e resgatar Gwaelin das garras do Green Dragon significam, assim, a possibilidade de fazer a luz vencer a sombra por todo o continente de Alefgard.

O mestre da manipulação

Embora nenhum material oficial disponível no ocidente pareça trazer muito que seja esclarecedor a respeito da personalidade e motivos do vilão, o modus operandi do déspota parece dever tanto ao seu imenso poderio mágico quanto a uma grande capacidade manipulativa.

Assim como ele aparentemente conseguiu reunir todas as famílias de monstros sob seu comando único (provavelmente se utilizando de chantagens e estratégias de convencimento variadas), ele também identifica o ponto fraco do reino de Tantegel na figura da princesa, raptando-a, o que demonstra sua habilidade em descobrir pontos fracos e se utilizar deles. 

Essa característica é reafirmada na linha do tempo alternativa mostrada em Dragon Quest Builders (Switch), na qual ele consegue até mesmo manipular o Golem guardião de Cantlin para se voltar contra os próprios cidadãos os quais fora criado para proteger, se aproveitando de um detalhe em sua programação: tecnicamente, o monstro foi criado para proteger a cidade, e não seus habitantes.

Seu caráter manipulativo chega ao extremo na icônica sequência final de Dragon Quest onde, antes da batalha final, o vilão tenta corromper o herói oferecendo-lhe metade do mundo. Caso o jogador aceite a proposta, ele obviamente se delicia em rir da cara do ingênuo herói e presenteia-o com um game over de bad ending

Em algumas versões, ele pede a arma do herói como garantia e confirmação, enquanto que em outras ele apenas pergunta se o herói tem mesmo certeza — oportunidades valiosas para o jogador mais desatento se tocar de que está prestes a se tornar mais uma vítima da lábia sem limites do tirano.
A clássica cena em Dragon Quest (NES).
Com isso, ele acaba protagonizando um momento que é pioneiro na história dos JRPGs, sendo um dos exemplos mais antigos dos conhecidos sistemas de finais alternativos. O momento é tão associado ao personagem que a tentadora oferta volta a ser referenciada em suas aparições em Dragon Quest Monsters (GBC), Dragon Quest Heroes II (Multi) e Dragon Quest Builders (Switch) — nas duas primeiras apenas como referência em meio ao diálogo, enquanto que na terceira temos efeitos observáveis para o desenvolvimento da história.
A cena icônica recriada em Dragon Quest Heroes II (Multi).

A origem trágica e o outro lado da história


Dentro da abordagem minimalista de Dragon Quest, muito pouco se sabe a respeito do Dragonlord para além daquilo que é mostrado no primeiro jogo da franquia. Porém, algumas peças do diálogo e cenas de outros games indicam fortemente a possibilidade de que seu passado e sua linhagem estejam intimamente ligados ao mundo de Alefgard, possuindo um papel central ao longo de toda a Trilogia Erdrick.

Embora os manuais da localização ocidental Dragon Warrior descrevam-no como um humano corrompido pelo uso de magias obscuras e pelo elo aprofundado com os Dragões, as origens do personagem são mantidas envoltas em mistério e mais abertas à interpretação no lore original — e agora provavelmente mais “canônico” — da série. Uma teoria relativamente popular entre os fãs é a que vai buscar as origens do vilão nos acontecimentos finais de Dragon Quest III (NES)

Em uma das sequências finais da história do game (que é uma prequel do primeiro jogo), o herói lendário Erdrick viaja até um castelo oculto onde se encontra com a enfraquecida Dragon Queen. Seus súditos humanos revelam-se preocupados com a saúde da misteriosa rainha dracônica, que encontra-se definhando por motivos não esclarecidos. 

Quando Erdrick se encontra com ela, ela revela estar grávida e, preocupada com o bem-estar de seu descendente, empresta ao herói um tesouro capaz de derrotar o terrível Zoma, déspota do Mundo Escuro e verdadeira ameaça por trás dos ataques do vilão Baramos. Logo após entregar seu presente, ela acaba morrendo ao mesmo tempo em que coloca seu ovo (algo semelhante ao que ocorre na Saga do Rei Piccolo, em Dragon Ball — tem dedo do Toriyama nessa história!).

E qual seria esse misterioso item com o qual o herói é presenteado? Justamente a Sphere of Light! Abrindo o portal que leva até o Mundo Escuro de Zoma, o jogador descobre que se trata na verdade do continente de Alefgard, sendo que a batalha contra o vilão acontece no castelo que futuramente seria chamado de Castelo de Charlock.
Sphere of Light — herança de família do Dragonlord!?
No local onde o portal se abre, um dos soldados que fica próximo à passagem diz que “algo” acabou caindo na brecha que se abriu, cruzando para o outro lado. Ao mesmo tempo, caso o herói volte ao Castelo da Dragon Queen antes de derrotar Zoma, constata que o ovo já não está lá! Ligando os pontos, essa série de acontecimentos sugere que o dragão que nascera do ovo seria ninguém menos que o futuro Dragonlord, que se instalou no vácuo de poder deixado por Zoma e aguardou muitos e muitos anos para realizar o seu avanço, no momento em que julgou propício.
Algo avistado passando pelo enorme buraco que leva à Alefgard — um bebê dragão, talvez?
Sob essa visão dos fatos, a origem do personagem está ligada à própria jornada mítica de Erdrick. Mais interessante ainda é que isso abre a possibilidade de que o roubo da Sphere of Light dos humanos talvez seja apenas um ato do déspota em recuperar o que é seu por direito, já que o item fora passado aos humanos por sua suposta mãe para proteger e garantir o futuro do filho. A teoria é corroborada por pistas no mangá Emblem of Roto, infelizmente ainda inédito no Brasil.
Por essa linha de pensamento, a aparição de um personagem idêntico ao Dragonlord, referido apenas como seu neto, na revisitação ao Castelo de Charlock em Dragon Quest II (NES) nos dá pistas de que a natureza da linhagem em planejar e aguardar com astúcia o momento certo de atacar se manteve após a derrota do vilão. 
Dragonlord Neto — mudança de coração ou segundas intenções?
O descendente dracônico ajuda os príncipes dos três reinos com informações cruciais a respeito dos Crests, símbolos de poder que devem ser coletados para derrotar o mal que assola Alefgard no futuro: o clérigo corrupto Hargon e o demônio Baramos. Mudança de coração e arrependimento, ou oportunismo em ajudar os humanos a derrotarem o déspota atual, apenas para futuramente assumir o poder?

Um vilão marcante

Com o status de primeiro final boss da série, Dragonlord marcou presença nos principais spin-offs da franquia, recentemente sendo inclusive o antagonista principal do primeiro título da saga para o Switch, Dragon Quest Builders. Confira a lista completa de aparições do tirano:

  • Dragon Quest (NES/SNES/GBC) — Primeira aparição, último chefe do game.
  • Dragon Quest IX (DS) — Aparece como um Legacy Boss, a partir de um mapa raro dropado do monstro Greygnarl
  • Dragon Quest Monsters (GBC) — Chefe do Gate of Ambition na história e monstro obtível através de breed em ambas formas, humana e dragão.
  • Dragon Quest Monsters 2 (GBC) — Monstro obtível através de breed em ambas formas, humana e dragão.
  • Dragon Quest Monsters: Joker (DS) — Monstro obtível através de breed em ambas formas, humana e dragão.
  • Dragon Quest Monsters: Joker 2 (DS) — Monstro obtível através de breed em ambas formas, humana e dragão.
  • Dragon Quest Heroes II (Switch, apenas Japão) — Chefe extra desbloqueado via DLC gratuito.
  • Dragon Quest Builders (Switch) — Principal antagonista do jogo, último chefe do game.


Revisão: Pedro Franco

é gamer pra todo jogo, mas tem predileção por títulos retrô e um bom e velho JRPG. Sonic, Donkey Kong Country, Ratchet & Clank, Final Fantasy e Disgaea são algumas das séries que formaram a paixão pelos games, desde que ganhou seu Mega Drive, muitos (nem tantos!) anos atrás. Além de escrever para o Nintendo Blast e Game Blast, pode ser encontrado tagarelando no Plano Crítico.
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