2011 a 2017
Embora se considere usualmente que o desenvolvimento de um Zelda tridimensional se inicia logo que sua versão mais recente é lançada (no caso, Skyward Sword), a produção de Breath of the Wild, na verdade, foi indicada antes mesmo da aventura de Link pelos céus chegar ao Wii. Na E3 2011, há alguns meses do lançamento de Skyward Sword, Shigeru Miyamoto confirmou a existência de planos para um Zelda em alta definição para Wii U.
As palavras de Miyamoto não necessariamente se referiam a Breath of the Wild, já que, se levarmos ao pé da letra, The Wind Waker HD (Wii U) foi o primeiro Zelda em alta definição. Talvez a existência, naquela mesma E3, de Zelda HD Experience (um vídeo conceitual de um Zelda realista no Wii U) tenha contribuído com essa interpretação. Foi, no entanto, um pouco menos de dois anos depois que a Nintendo confirmou a produção de uma aventura de Link inédita para o primeiro console HD da empresa.
Ainda sem título oficial, o projeto de “Zelda U” foi apresentado pela Big N em um Nintendo Direct de janeiro de 2013, como uma tentativa de repensar os fundamentos da franquia. Dentre eles, a necessidade de enfrentar calabouços numa ordem específica e seu aspecto predominantemente single player. Apesar de não trazer nenhuma imagem ou vídeo do tal jogo, esse mesmo Nintendo Direct anunciou também The Wind Waker HD, uma maneira de acalmar as expectativas dos fãs até uma revelação mais apropriada de Zelda U.
E, de fato, pouca coisa do novo Zelda poderia ter sido mostrada naquela época, uma vez que, recentemente, o diretor Hidemaro Fujibayashi confirmou que foi apenas no início de 2013 que o desenvolvimento começou efetivamente. Nas primeiras etapas desse desenvolvimento, Fujibayashi revelou que a equipe revisitou todas as mecânicas consagradas da franquia, procurando o que deveria ser mantido e o que poderia ser retirado ou aperfeiçoado para o novo projeto. Nem tudo, no entanto, foi decidido logo no início. Algumas dessas reinterpretações da série vieram no meio do processo.
A E3 2014 foi, assim, o nosso primeiro grande contato com o dito cujo, ocasião em que presenciamos o aspecto de mundo aberto do jogo, seus visuais e uma versão de Hyrule que até hoje levanta dúvidas e anuncia mistérios. Link foi outro ponto forte daquela primeira grande apresentação de “Zelda U”, uma vez que trajava roupas azuis e não verdes, além de seu rosto ter feito muitos crerem que tratava-se de uma versão feminina do herói. De 2014 a 2016, a Nintendo revelou a conta gotas informações do título de Wii U, atendo-se muito mais a outros games como Super Smash Bros. for Wii U e Super Mario Maker.
Um dos destaques deste período foram os dois adiamentos de seu ano de lançamento original, 2015. Inicialmente empurrado para 2016 por demanda da equipe de desenvolvimento, que queria aplicar mais ideias ao jogo, Zelda U foi posteriormente adiado para 2017, junto ao anúncio de que também sairia para NX, hoje conhecido como Nintendo Switch. Eis que, na E3 2016, fomos formalmente apresentados a The Legend of Zelda: Breath of the Wild, que não só foi o único título da Nintendo jogável no evento, mas também o responsável por roubar os holofotes da E3.
Desde então, a Nintendo vem surfando numa onda de alta expectativa por Breath of the Wild, que, ao contrário de outros jogos recentes da franquia, tem conseguido inclusive despertar o interesse de jogadores afastados da franquia. A Big N começou, então, a publicar diariamente imagens do game, revelando alguns detalhes e curiosidades sobre o seu desenvolvimento. E, no evento de apresentação do Switch em janeiro deste ano, o trailer de Breath of the Wild arrancou lágrimas de alegria de inúmeros jogadores.
De Zelda HD para Wii U a carro-chefe do Switch, Breath of the Wild percorreu um longo caminho, não? Agora, vamos adentrar nos detalhes do ciclo de desenvolvimento. Que inspirações deram vida a cada aspecto do jogo? Quais dificuldades os desenvolvedores enfrentaram nesta jornada? Que lições Breath of the Wild deixará para a criação de futuros Zeldas? Vamos às respostas!
Lendas e mistérios
Um dos aspectos que mais chama atenção em Breath of the Wild é o seu enigmático universo. Como Hyrule foi devastada dessa forma? Como e por quem Link foi colocado para dormir por cem anos? Em qual ponto da cronologia da série Breath of the Wild se encaixa? Muitas são as dúvidas, e nem a Nintendo parece interessada em respondê-las por hora.
Em entrevista ao site Eurogamer, Eiji Aonuma preferiu não detalhar o enredo, a identidade de Link ou aspectos relacionados à linha do tempo da série. Mesmo já tendo uma indicação de que flashbacks ajudarão a sanar essas dúvidas, o produtor não detalhou como ficaremos a par de tudo. Ele ressaltou, no entanto, o valor do recurso narrativo de apresentar um Link que aparentemente já viveu aventuras antes do início do jogo, algo incomum na franquia.
Aquele momento em que você acorda após cem anos de sono |
A mesma posição de Aonuma pode ser vista em depoimentos de Miyamoto e outros membros da equipe de produção. A respeito do papel das cidades, participação personagens específicos e posição de Breath of the Wild na cronologia da série, a equipe sempre prefere não mencionar spoilers. De fato, Breath of the Wild parece estar fundamentado no mistério e curiosidade, algo que não tínhamos visto nos últimos títulos da série. Skyward Sword, por exemplo, foi usado para deixar clara a continuidade da franquia, o que lhe conferiu um tom muito mais óbvio de sua relação com o restante da série.
Do Wii U ao Switch
Uma pergunta que não quer calar sobre o desenvolvimento de Breath of the Wild: como foi a transição do Wii U para um lançamento conjunto com o Switch? Segundo Eiji Aonuma, em entrevista ao Eurogamer, o Switch soava com uma plataforma interessante para Breath of the Wild por seu aspecto híbrido, permitindo a jogatina em qualquer contexto.
O produtor também lembrou do desafio que foi adaptar um título planejado para um console de duas telas para uma plataforma de um único ecrã. Note, por exemplo, que a versão de Breath of the Wild mostrada no Video Game Awards de 2014 trazia ênfase no GamePad, que exibia o mapa do jogo e trazia outras funcionalidades não reveladas. Já na versão de Wii U jogada na E3 2016, a segunda tela não tinha função alguma. A Sheikah Slate é outra evidência do foco inicial no GamePad, dada sua semelhança como o controle do Wii U. Aonuma confirmou essa ideia, porém também lembrou que o item Sheikah também lembra o Switch, o que livrou a equipe de redesenhar a Sheikah Slate. Esse foi um custo compreensível da migração para o Switch, mas nos faz pensar no quão diferente teria sido Breath of the Wild se saísse apenas para Wii U.
Quais seriam os usos que a equipe originalmente planejava para o GamePad? |
Embora esse tenha sido um grande desafio em meio a uma processo de transição por si só trabalhoso, Aonuma revelou que foi mais fácil e rápido do que o esperado. A transição foi liderada, aliás, pelo próprio Aonuma, e aconteceu por volta de março de 2016, quando o anúncio oficial da mudança também foi feito. Assim, podemos considerar que toda a transição do Wii U para Switch durou cerca de um ano. É possível, entretanto, imaginar que a ideia de lançar Breath of the Wild para Switch veio muito antes do anúncio oficial, visto que até as mais bravas tentativas da Nintendo de alavancar as vendas do Wii U não funcionaram.
Eh um GamePad! Um Switch! Na verdade, um tablet Sheikah. |
Outro detalhe interessante é que, segundo Aonuma, a equipe de desenvolvimento nunca teve a intenção de desenvolver o título exclusivamente para Switch. Ele lamenta, por outro lado, o lançamento duplo não permitir explorar as características únicas do Switch.
Shrine é o antigo templo
A não linearidade é um elemento norteador de toda a concepção de Breath of the Wild, apontada pela Nintendo desde 2013. Ela é, na verdade, um retorno aos primeiros títulos da franquia, especialmente o primeiríssimo Zelda. Ainda assim, a Big N parece ter “testado” esse conceito durante o desenvolvimento de Breath of the Wild com A Link Between Worlds, título em que os templos não precisam ser superados numa ordem pré-determinada. A recepção positiva a esse aspecto da sequência de A Link to the Past parece ter estimulado a liberdade em Breath of the Wild.
Além do mundo, os puzzles de Breath of the Wild também enaltecem a liberdade de raciocínio. Segundo Aonuma, a complexa física do jogo dará margem a múltiplas maneiras de resolver um mesmo enigma. O uso das Runes, através da Sheikah Slate, será o principal mecanismo desse tipo de interação. Isso casa perfeitamente com a proposta de permitir ao jogador completar quantas Shrines quiser e na ordem em que preferir.
Uma grande quantidade de curtos puzzles é a proposta de Breath of the Wild |
Falando em Shrines, é importante também lembrar do quanto elas mudaram o tradicional esquema de enfrentar grandes calabouços. Em Breath of the Wild, a equipe preferiu focar em Shrines, cujo tamanho é consideravelmente menor, porém estão presentes em uma quantidade muito maior (espera-se que centenas deles). Aonuma ressaltou que os Shrines não têm aquelas tematizações próprias, como um Forest Temple em meio a um bosque. Trata-se de uma grande mudança na organização do jogo e na forma como nós acessaremos os enigmas. Será que a equipe equilibrou bem quantidade e qualidade?
Vou aonde quiser!
Em entrevista ao site IGN, Miyamoto revelou que não considera Breath of the Wild um jogo em “mundo aberto”, preferindo não se ater a essa tendência da indústria de rotular tudo. Para ele, trata-se de um game ao “ar livre”. Bill Triten, gerente sênior de marketing de produtos da Nintendo of America, explicou que o termo se refere a toda a composição artística e à proposta do jogo.
Esse já era um conceito que a Nintendo pretendeu aplicar em Ocarina of Time e em The Wind Waker, porém, segundo o que Aonuma e Fujibayashi revelaram nos recentes vídeos de making-off publicados pela Nintendo, a vasta equipe de produção e o hardware do Wii U foram os elementos que permitiram a concretização desse sonho. Nesses mesmos vídeos, Fujibayashi explicou que usou o mapa de Quioto, onde está sediada a própria Nintendo, para ter uma noção da escala do mundo do jogo e do tempo para percorrê-lo a pé ou a cavalo.
Fragmentando o mundo em ilhas, Aonuma não pôde concretizar o sonho de um grande universo integrado |
Essa nova abordagem de Breath of the Wild, segundo Aonuma, foi uma resposta a algumas críticas negativas a Skyward Sword. Em entrevista à Eurogamer, ele revelou que a dissociação entre as três áreas principais da aventura de Link no Wii não foram tão bem recebida pelos fãs, preferindo, em Breath of the Wild, focar num mundo vasto e conectado. Aonuma e Fujibayashi revelaram que o design de Zelda até então era orientado por grandes áreas conectadas por pequenos corredores, mas que, agora, optou por deixar tudo integrado. Para ele, essa é uma mudança radical para a franquia e que só no atual estágio da tecnologia pôde ser concretizada.
Skyward Sword foi o àpice da linearidade e limitação do mundo do jogo |
Conversando com o IGN durante a E3 2016, Aonuma contou do desafio que foi se desvencilhar da concepção de que, em Zeldas tridimensionais, se perder nos ambientes e não conseguir progredir era algo frustrante. Testando Breath of the Wild, ele percebeu que vagar pelo mundo poderia ser algo divertido. Assim, pôde criar cenários não lineares e estimular as tentativas do jogador, mesmo que frustradas, de alcançar determinadas áreas.
E finalmente chegamos ao mundo sem limites de Breath of the Wild |
Aonuma também revelou que a equipe se acostumou com a existência de áreas vazias, percebendo que elas não faziam tanta diferença (dado o tamanho do jogo) e que as mecânicas de movimentação era suficientemente divertidas. Esperamos, porém, que o mundo não seja tão vazio quanto o de Twilight Princess (Wii/GC), mas, sim, recheado de segredos como o de A Link to the Past (SNES). Nos vídeos de making-off, a Nintendo também revelou que planejava um cidade em miniatura para Breath of the Wild ao estilo da Minish Village, de Minish Cap (GBA). Por que será que desistiram de uma ideia tão legal?
Haja fôlego!
Breath of the Wild é certamente tão incrível quanto seu processo de desenvolvimento foi. Desvendá-lo foi uma experiência igualmente emocionante, ainda mais depois de ter feito, há cinco anos, o mesmo com Ocarina of Time! Porém, essa ainda é a primeira metade de tudo o que desvendei vasculhando como esse novo Zelda ganhou vida. O restante dessa matéria você confere na segunda e terceira partes!
Revisão: Ana Krishna
Capa: Rafael Neves