Breath of the Wild (Wii U/Switch) e seu mundo aberto

O novo The Legend of Zelda cria uma Hyrule na qual o central é explorar e viver diferentes aventuras.

em 30/03/2017
Uma das ideias mais fortes (e desejadas) no imaginário dos jogadores talvez seja aquela que nos aparece na simples pergunta retórica: “Tá vendo aquele lugar ali? Você pode ir lá!” O conceito de que exista um mundo de fantasia aberto para vivermos nele as mais diversas situações tem sido algo essencial na criação de parte das grandes produções e, consequentemente, de suas campanhas publicitárias. Cada novo jogo de mundo aberto possui um mapa n vezes maior que o do grande sucesso anterior. E nessa exaltação do quilômetros de mapa e das centenas de horas de conteúdo, as perguntas principais acabam ficando de lado.

Mas o que há ‘lá’? Por que eu iria querer ir ‘lá’? O que há no(s) caminho(s) daqui até ‘lá’? O que eu posso fazer nesses caminhos e lugares? Que histórias e aventuras esse mundo pode propiciar?
The Legend of Zelda: Breath of the Wild dá suas respostas a essas, e a outras, perguntas, e se coloca, sobretudo, como um importante ponto na história dos jogos com mundo aberto. A equipe de desenvolvimento olhou para o outro lado do mundo e para a história da mídia e da franquia, aplicando conceitos, modificando alguns e ignorando tantos outros, para criar sua aventura em mundo aberto.

Mas para compreender exatamente o que BotW usou, digeriu, ressignificou ou ignorou, é interessante entender o que é uma experiência de mundo aberto, suas origens e raízes.

Mundo aberto: uma breve história

Grand Theft Auto III, Assassin’s Creed, The Witcher 3 e The Legend of Zelda possuem muitas diferenças, mas há algo que os une. A ideia de que existe um mundo que pode ser livremente explorado pelo jogador, com o mínimo de restrições possíveis, e que as atividades e interações aconteçam na ordem e no tempo de escolha de quem está controlando. Claro que essa definição é bastante pura, e é possível usar métodos para guiar o jogador mesmo em títulos de mundo aberto e “livre” progressão.

A busca por dar mais liberdade ao jogador possui fundamentos dentro e fora da própria atividade de desenvolvimento de jogos. Do ponto de vista filosófico, a liberdade é uma das questões essenciais da vida social, e sua representação em obras artísticas e de entretenimento é natural. Já nos videogames, uma atividade interativa por excelência, é também compreensível que exista uma preocupação em direção a dar mais liberdade e controle para aquele que interage com a obra: o jogador.


A isso se soma a ideia de construção de mundos, tão íntima ao desenvolvimento de um videogame. A equipe de desenvolvimento cria ambientes, além de equipar o jogador com as ferramentas que ele poderá usar para interagir com seu mundo. Do lado do jogador, ambientes que lhe dão certa liberdade de explorar e realizar interações costumam ser bastante chamativos. Mas essa ideia de mundo aberto, germinal ou não, não começou nos videogames com GTA 3, ou mesmo com o Zeldinha.

Buscar as origens do mundo aberto é algo que empolga. Há um interessante vídeo no canal Ahoy que procura as origens do mundo aberto em diferentes gêneros, dando uma interessante ênfase ao RPG. Por entre títulos pioneiros como Elite e Hunter (que chegou a construir um mundo poligonal), o carimbo de “primeiro mundo aberto” geralmente é dado à Ultima I: The First Age of Darkness, ainda que títulos anteriores como o antecessor Akalabeth ou DND também sejam lembrados.

Existe uma anedota que diz que você, invariavelmente, está jogando Ultima. Mundo aberto? MMO? Jogos com sistema de moral? A franquia é pioneira em uma série de conceitos que iriam se tornar bastante aplicados alguns anos para frente. No caso de seu mundo aberto, o jogador controlava um personagem que podia andar livremente em um mapa, realizando interações a atividades conforme as encontrava ou optando por realizá-las tão logo estivesse preparado o suficiente.

Ultima VI já deixa para trás a mudança de visão do mundo para as dungeons, e você viaja de forma conectada entre esses ambientes, que compõem, de forma mais efetiva na aparência para o jogador, o mesmo mundo. Parece muito o que esse tipo de experiência, em diferentes gêneros, ainda busca, apesar das substanciais diferenças que carrega em relação a outros jogos tão distintos dele.

Já The Legend of Zelda, antecedido por títulos como Ultima, Wizardry e Hydlide, retirou uma série de aspectos de RPG para entregar uma experiência de aventura e ação que buscava essa liberdade com ainda menos restrições. A ideia principal do jogo era criar uma experiência de aventura, exploração e descoberta. Essa liberdade na ação e na exploração foi aparecendo com maior ou menor peso ao longo da série, e é o foco central do mais novo título.

Mas, mesmo com o Zeldinha tendo uma conexão razoável com os pioneiros e dialogando diretamente com eles, não é com Ultima I que Breath of the Wild conversa, mas sim com títulos mais recentes.

O ponto em que estamos

Expor que existia um design pensando um mundo aberto já nos anos 1980 é importante para que não acreditemos que a realidade mais atual do sandbox foi a que iniciou a ideia. Ainda assim, é possível elencar alguns títulos como sendo os mais importantes do cenário dos jogos AAA.

Com exceção dos FPS que possuem grande foco no multiplayer, não é absurdo afirmar que os principais e mais vendidos jogos são aqueles que possuem um mundo aberto. Essa tendência já vem se desenhando há alguns anos, e é esse sucesso próprio que, inclusive, explica grande parte dos problemas de design que costumam vir no pacote.


Grand Theft Auto III foi um marco nesse processo, fazendo com que parte da indústria caminhasse no sentido de criar experiências sandbox. Levando a já livre proposta dos títulos anteriores a ambientes 3D, o título, e principalmente seus sucessores, se tornaram grandes sucessos de venda.

Já no início da sétima geração de consoles, Assassin’s Creed chegou, também com muito sucesso, com seu design de mundo aberto. Talvez o ponto mais interessante seja a movimentação pela cidade e como a inclusão do parkour possibilita uma interação mais orgânica com os caminhos diferentes que podemos tomar. Mas ao lado da liberdade de exploração do mapa e da possibilidade do jogador fazer as coisas no seu tempo, chegavam as infames torres da Ubisoft e a quantidade colossal de “pontos de interesse” no mapa.


The Elder Scrolls V: Skyrim conseguiu levar a franquia a um novo patamar de popularidade, unindo ideias e aspectos consagrados da série com uma interface mais amigável aos jogadores modernos (algo que já havia sido iniciado em Oblivion). Waypoints guiavam o jogador por um mundo no qual o que havia de mais interessante era justamente se perder, explorar e descobrir. São, talvez, os jogos mais abertos dentro do espectro de jogos de mundo aberto. Todd Howard, diretor da Bethesda, aponta que a curiosidade é um ponto chave em títulos openworld:
Temos que construir um mundo que capture a curiosidade do jogador. Que recompense essa curiosidade e exploração de qualquer maneira que puder.
Minecraft trouxe à mesa a ideia de interagir de forma mais contundente com o mundo. Explorando, modificando e construindo. É, talvez, o principal exemplo de como uma narrativa emergente ajuda a criar uma comunidade de espectadores. Por ter uma história que se desdobra a partir das ações e criações de cada um, há um grande interesse de muita gente em assistir essas partidas. Pensem na popularidade dos Youtubers que se dedicam apenas à Minecraft e em como jogos que não seguem uma campanha fechadinha e com forte narrativa embutida têm tendência de terem mais visualizações em seus gameplays.


Falando em narrativa emergente (essa que se dá a partir das ações e interações do jogador, com influência direta dele), é importante destacar Shadow of Mordor. Com seu sistema nêmesis, o mundo aberto pode propiciar diferentes interações e histórias. Seu grande inimigo pode estar neste ou naquele lugar, ele pode enfrentar um outro chefe de clã; enfim, diferentes situações podem ocorrer.

The Witcher 3: Wild Hunt, por sua vez, se preocupou mais em rechear os lugares com personagens e missões interessantes, ainda que mecanicamente repetitivas, dando uma solução narrativa ao seu grande mapa. Mas, para cada um desses jogos influentes, tantos outros ruins ou medianos vão recheando as fileiras do jogo “open-world com árvores de habilidade e centenas de horas de conteúdo”.


Mark Brown, em seu canal Game Maker's Toolkit, faz um elogio à jogos como Deus Ex: Mankind Divided, por criarem espaços menores e mais concisos. Em um mundo aberto menor (uma espécie de "hub world"), é possível centralizar e enaltecer o que há de essencial para a experiência. Mas Breath of the Wild não funcionaria com um espaço menor, e ele tem que enfrentar de frente as dificuldades e problemas que surgem com um grande mundo aberto.
Aliás, o vídeo sobre o mundo-aberto de BotW é uma clara referência nesse texto, já que acompanho o canal e me deparei com o vídeo enquanto pesquisava para esse artigo. Cabe indicar a série de vídeos que ele está fazendo sobre o design de dungeons da série The Legend of Zelda. O inglês pode ser uma barreira, mas há a possibilidade de ativar legenda, o que pode ajudar a acompanhar a discussão.
A ideia do open world permanece com grande popularidade. O potencial de trazer uma experiência que encaixe no ritmo do jogador, abrindo um interessante mundo e histórias, ainda é imenso. Entretanto, existem problemas recorrentes, difíceis de contornar. O principal deles é a absoluta repetição mecânica, que caminha ao lado de muitos espaços desinteressantes ao longo dos grandes mapas.

Foi nesse contexto de tensão entre a popularidade e as possibilidades do mundo aberto e uma certa fadiga, repetição e conteudismo, que The Legend of Zelda: Breath of the Wild foi publicado.

Breath of the Wild e seu mundo aberto

Do que adianta um vasto mundo na tela, se seus olhos estão a maior parte do tempo grudados em um mini-mapa? O primeiro ponto que se impõe para o jogador em Breath of the Wild é justamente que o que está na tela é infinitamente superior ao que se dá em outros tipos de interface. É o que se apresenta para o Link que deve fisgar a atenção do jogador e fazê-lo querer ir em algum lugar. Link, open your eyes... and shut down de HUD.

Vamos pegar as “Ubitorres” como exemplo de um aspecto bastante presente nos jogos com mundo aberto. Ao subir nelas em um título como Assassin’s Creed: Syndicate ou Far Cry 4, todo o mapa é recheado de pontos de interação. Além disso não poder se aplicar a um jogo pautado essencialmente na descoberta, explicita o caráter conteudista desses títulos, no qual o número de coisas para se fazer parece ser mais importante do que garantir que elas não vão ser repetitivas e desinteressantes.


No caso de BotW apenas o mapa se desenha. A torre continua funcionando como um ponto de vantagem, como qualquer outro lugar alto do jogo, para podermos procurar os locais que queremos ir ou que nos chamem atenção. Olhar o próprio mapa pode ser uma experiência interessante, pois o desenho aéreo ou o nome do lugar pode te instigar a ir já naquele local. Foi justamente assim que me interessei em ir em um certo lago e em uma ilha com forma de animal.

O mais importante, entretanto, é que o mapa de BotW não é recheado quando escalamos e ativamos uma das torres. Breath of the Wild tem sim muito conteúdo em termos de número (120 shrines, 900 koroks), mas não os joga na sua cara.

É central, portanto, atingir lugares altos, ou pelo menos é algo bastante indicado para quem quer explorar. Assim, a mecânica de escalada se torna também algo central. O jogador vai precisar observar sua rota de escalada para conseguir atingir o local desejado sem cair. Isso cria a possibilidade de planejamento e observação do que está ao redor, e faz com que uma atividade corriqueira seja suficientemente “gamificada”. Escalar é, também, um jogo, e um que te faz prestar atenção no ambiente.


E se o ambiente te mostra algo muito menos sutil, como uma chuva torrencial, é melhor esperar ou contornar o problema de outra forma. Um ponto interessante de como BotW constrói seu mundo é na relação com a natureza. Se chove, fica bem difícil de escalar, mas dá para aproveitar para ser mais furtivo. Também dá para tentar pegar algum inimigo despercebido durante uma tempestade de areia, ainda que nossa própria visibilidade diminua.

Frio e calor impactam diretamente a saúde de Link, fazendo com que o jogador contorne a questão ingerindo algum alimento ou poção ou até mesmo usando roupas adequadas. Qualquer uma das soluções, e isso é o mais importante, pressupõe que estamos explorando, observando e coletando. Que estamos tendo uma relação orgânica com esse mundo e suas mecânicas.


As duas situações mais interessantes, porém, são a chuva com raios e o extremo calor da região da Death Mountain. Naturalmente, é perigoso carregar algo de metal durante uma tempestade, mas esse perigo se estende aos teus inimigos bem como à qualquer objeto. É possível, a partir daí, criar estratégias como arremessar um equipamento de metal perto dos inimigos e esperar o raio descer na área em que estão.

No caso do fogo, é interessante não equipar itens de madeira, ao passo que nossas flechas se transformam rapidamente em flechas de fogo, sem nenhum custo adicional. Toda essa relação com a variação da natureza e de seus diferentes ambientes é acompanhada pelas formas de se viajar por Hyrule.

Seja andar a cavalo, usar o paraglider, uma foca da areia, um pequeno barco impulsionado por uma folha ou deslizar com o escudo, as formas de locomoção em Breath of the Wild são usuais e, sobretudo, divertidas. Essa variedade de formas de locomoção, ao lado do uso dos poderes do Sheikah Slate, e de outros que conseguimos com roupas ou vencendo as Divine Beasts, faz com que haja mais liberdade em como o jogador vai realizar o caminho.


É essencial, em jogos de mundo aberto, que haja diversas possibilidades do jogador abordar seu objetivo. Em um título como Watch Dogs 2 ou Metal Gear Solid V: The Phantom Pain isso se dá pela importância que existe em propiciar diferentes abordagens de furtividade e de combate. Em BotW isso também existe, mas ao lado caminho a centralidade de que cada caminho constitua uma aventura, e uma na qual outros pontos de interesse vão disputar sua atenção.

Digamos que você queira ir para uma ilha no meio de uma lagoa. Dá para usar um barco e criar vento com a folha Korok (caso você tenha uma), dá para ir nadando (caso você tenha stamina), dá para usar o Gale do Rito e vir descendo com o paraglider (caso você tenha o Gale do Rito), dá para cortar uma árvore perto e usar o poder do Stasis para ser arremessado (se houver alguma por perto), dá para ir criando plataformas com o Cryonis e chegar sem gastar stamina.

E aí no meio dessa lagoa vai existir alguma coisa, provavelmente um korok, mas com sorte algum equipamento interessante ou mesmo uma Shrine. Pode-se argumentar que BotW também é conteudista e repetitivo, já que o que há “lá” é sempre um korok ou uma Shrine. Essa reclamação é bastante lógica e tem sua boa dose de verdade (esperamos que uma iteração acabe propondo mais lugares e situações), mas Breath of the Wild tenta contornar esse problema da repetição e do conteudismo.


O primeiro aspecto é que os locais são realmente diferentes, em uma quantidade assustadora. É difícil ver espaços que sejam muito parecidos com outros, evitando a impressão de mais do mesmo. Além disso, mesmo lugares potencialmente mais semelhantes, como grandes montes, são recompensados pela visão do que está abaixo, dando dicas de onde podemos ir e fisgando nossa atenção com os olhos.

O segundo aspecto é que cada um dos koroks, com exceção daqueles que ficam embaixo de uma pedra solitária, requerem que realizemos alguma interação com o mundo. Seja arremessar uma pedra no meio de um círculo na água, seja entender a lógica de uma estrutura e completá-la usando o Magnesis, seja acertar um balão flutuante, correr atrás da criaturinha, enfim, mesmo na interação com os koroks (a mais repetitiva do jogo), há um esforço em criar novos momentos.


Cada Shrine também recompensa o jogador com uma puzzle nova, sendo as mais chatas e repetitivas os testes de força. As mais interessantes, porém, são aquelas que há apenas uma escada e o fim do teste. São nessas que nós já realizamos o Trial no próprio mundo.

Sem dúvida, esses testes que se dão no próprio mundo trazem os momentos mais memoráveis, além de responder de forma efetiva a muitas daquelas perguntas que levantei no começo. Aqui, BotW nos faz ter relação direta com seu mundo aberto. A resolução da Shrine pode ser achá-la. Ou fazemos isso por nós mesmos, ou ganhamos dicas de pessoas em cidades ou estábulos. Essas dicas não geram pontos de interesse no mapa, fazendo com que tenhamos que encontrar o local apenas com o que nos falam.

Outras fazem com que tenhamos que resolver algum puzzle que está posto no próprio ambiente externo. Seja atravessar uma península em forma espiral, seja abrir caminho para o vento e depois voar nele, seja usar relâmpagos para subir orbes para uma região mais elevada, etc. Esses lugares propõem algo muito interessante: que o próprio mundo tenha que ser explorado, observado, entendido. Casa com a ideia do Aonuma de ir em direção à um mundo que seja o próprio puzzle.


Em termos gerais, sobreviver nesse mundo também não é uma tarefa trivial. Breath of the Wild não é um passeio no parque, e qualquer coração a mais, qualquer equipamento melhor (ou melhorado), qualquer alimento (cozinhado ou não), pode significar a diferença entre uma derrota e uma vitória, entre uma aventura exploratória de fracasso e uma de sucesso.

O jogo possui obstáculos difíceis, e as recompensas que a exploração e as missões te oferecem costumam ajudar bastante. Nesse sentido, a dificuldade mais elevada é tanto importante para que acumular itens e dinheiro seja essencial, quanto para que o jogador sinta a progressão em cada uma de suas aventuras. Você pode, efetivamente, ir enfrentar Ganon logo de cara, mas é só depois de um bom tempo que Guardiões e o próprio Calamity poderão ser enfrentados em um pé de igualdade.


Encontrar koroks possibilita aumentar seu inventário, e assim ficar mais bem equipado. Encontrar Shrines possibilita aumentar os corações, bem como a importante barra de stamina. Encontrar itens e ganhar loot dos inimigos possibilita a criação de receitas, poções, ter mais dinheiro, melhorar e criar equipamentos, além de conseguir pontuação com a loja dos monstros. O jogo recompensa pela própria jornada, mas também pela preparação para as próximas. Nesse sentido há uma progressão bem balanceada pensando esse mundo aberto de BotW.

O mundo é, sobretudo, vivo e reativo. As influências que vem de Minecraft e outros títulos do gênero se fazem sentir. O mundo aberto reage com si próprio através da influência do jogador. Podemos usar itens no próprio mundo, como usar jellys para algum efeito específico ou atear fogo na grama para conseguir uma rajada de vento. O jogador modifica o ambiente, que por sua vez reage com alguma coisa útil em determinado contexto.


Mas esse mundo também traz histórias, e, para além das memórias e das missões que encontramos, Breath of the Wild dá bastante importância para a narrativa emergente. É a partir das ações do jogador na sua interação com o mundo que a história vai se desdobrando. É na forma que o jogador realiza uma atividade que está o aspecto da narração dessa aventura.

Suas ações na Ilha Eventide é que vão contar sua história de sobrevivência. Sua incrível batalha contra aquele Lynel vai ficar na sua memória como um grande feito sem o jogo ter que te contar isso. Aquele dia que você encontrou um templo esquecido no fim de um cânion também será lembrado. Ou quando você encontrou uma pessoa perdida antes mesmo de encontrar quem te daria essa missão. Um mundo diverso e rico de interações é capaz de criar histórias memoráveis.


Claro que essa narração fica ainda melhor quando há algo sustentando esse mundo. No caso de Breath of the Wild temos as marcas dos últimos 100 anos. Um rancho destruído, a ossada do Goro, um campo com dezenas de guardiões quebrados. São detalhes visuais que vão ambientando e criando a história desse mundo. Claro que isso não é feito em um nível de detalhes e de informação de um Dark Souls da vida, mas é legal que BotW tenta contar história também através do seu ambiente.

Ainda assim, o jogo se valeria de um melhor roteiro e design de missões. Interações que contassem melhores histórias, que evidenciassem costumes e a cultura de uma cidade, povo ou região. Que, enfim, fossem recheando essa Hyrule de mais contos e pessoas interessantes. O jogo flerta com isso, mas não vai a fundo, trazendo missões paralelas bem desinteressantes (claro que com algumas exceções como a missão de Tarrey Town e a da Fang and Bone), e perdendo até a oportunidade de construir melhor os personagens principais, como os quatro guerreiros, através das missões paralelas.


Jogos de mundo aberto dão a chance de criar pequenos episódios. Pequenos ciclos narrativos, ligados ao maior, que podem contar mais sobre alguma coisa importante, como personagens e o próprio mundo. The Witcher 3: Wild Hunt, talvez seja a obra recente mais seminal desse ponto de vista. Uma forma de rechear o mundo de BotW de pequenas histórias e eventos, além de uma mitologia, só ajudaria e potencializaria a narrativa emergente que tenho comentado.

O central da experiência de Breath of the Wild, no entanto, foi executado com maestria. Há um mundo aberto vivo, interessante, e distinto em suas interações. Há diferenças de locomoção, e nos sentimos dominando o ambiente através de uma comida, de uma habilidade ou de uma roupa. Há a preocupação em fazer com que o jogador explore, observe e descubra. E há uma preocupação com que esses lugares não sejam mais do mesmo, em repetições e ciclos infinitos que estamos acostumados em jogos do tipo.


Breath of the Wild consegue fugir tanto do conteudismo repetitivo e desinteressante, quanto de seu contraponto, também repetitivo e desinteressante. Ele possui sistemas bem definidos que conversam entre si, e é mecanicamente vasto. Suas mecânicas, sobretudo, casam com a temática e a centralidade da aventura, da exploração.

Um mundo aberto deve ser um espaço de interação com o jogador. Um lugar no qual ele vai descobrir e viver aventuras, e que cada novo passo seja, o máximo possível, novo de fato. E ele precisa ser acessado e explorado de diferentes formas, ser visualmente distinto, propiciar interações diferentes e múltiplas, dar suporte para que uma narrativa surja em diálogo com as ações do jogador e recompensar com algo que faça o personagem progredir e dominar ainda mais o ambiente.


The Legend of Zelda: Breath of the Wild tenta ser, à sua maneira, um jogo assim. E ele é mais que competente em diversos desses aspectos. Perfeito? Não. O que nos deixa animados para uma possível iteração dessas ideias e de tudo que apareceu aqui. Mas é, sobretudo, um ponto importante na história de jogos de mundo aberto e em como esses mundos podem ser (melhor) construídos daqui em diante, inclusive na própria série.

Revisão: Bruno Alves
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