Pokémon Go (iOS/Android), afinal, controla a mente das pessoas?

Será que o novo jogo mobile da Nintendo e Niantic realmente controla as pessoas como estão retratando?

em 05/08/2016
Amanhã (dia 06/08) completa exato um mês desde o lançamento do primeiro servidor de Pokémon Go (iOS/Android) no mundo. A febre dos monstrinhos de bolso desta vez é generalizada e finalmente o Brasil recebeu o jogo oficialmente na última quarta-feira. Parte dessa febre, sem dúvidas, deve-se ao uso da primeira geração de Pokémon como foco (a mais aceita e conhecida por uma parcela maior de pessoas de todas as idades) e também pelo fato do jogo ser mobile, o que garante que uma quantidade gigantesca de pessoas ao redor do globo tenham condições de jogá-lo em qualquer hora e em qualquer lugar (ou quase).

Entretanto, não demorou muito para a nova febre ser alvo de críticas por toda a internet a respeito da alienação que, segundo alguns, o jogo causa. Comportamentos e acontecimentos comprometedores por parte de jogadores são utilizados como justificativa para tal afirmação. Mas em uma cultura global que possui como um dos pontos chave a tecnologia móvel interativa, será mesmo que o jogo da Nintendo em parceria com a Niantic é um algoz controlador de mentes como vários afirmam? É o que vamos discutir aqui.


Conhecendo a inovação do game

Se você estava em cativeiro durante o útimo mês, preso em uma caverna ou então só não dá a mínima para o tema, talvez (e só talvez) não saiba o fenômeno que Pokémon Go se tornou. O aplicativo é um dos primeiros projetos desenvolvidos pela Nintendo para o mercado mobile e pretendeu trazer os famosos monstrinhos de bolso para o mundo real. Isso foi possível por conta da tecnologia inovadora presente no jogo, que faz uso da câmera dos smartphones como lente que possibilita a visão dos Pokémon em nosso mundo.

Essa tecnologia (que já havia sido utilizada — de modo menos interessante, no entanto — no 3DS) é chamada de Realidade Aumentada, e funciona exatamente integrando informações virtuais, que no caso são geradas através do jogo, com informações captadas pela lente da câmera do aparelho. Entre os usos dessa nova tecnologia encontram-se: apoio a cirurgias inserindo informações adicionais na visão do médico, manutenção de plantas industriais, visitação aprimorada a museus e galerias com legendas ou textos referentes a objetos e locais vistos, simulação de voos e mergulhos, conferências com participantes reais e outros projetados virtualmente, trabalho conjunto em modelos 3D simulados e, claro, o bom e velho entretenimento.
Pokémon sendo vistos pela câmera do celular no mundo real, incrível, não?


Esta tecnologia, como a maioria das tecnologias desenvolvidas em nossa época, servem tanto para aplicações altamente especializadas como para a diversão simples de milhões. Ambas as aplicações possuem poder de financiar e incentivar maiores pesquisas no tema e também um boom de desenvolvimento tecnológico para a grande área. Exemplos disso não faltam, como a tecnologia dos jogos que influencia o cinema, aplicativos de celular que servem tanto para diversão como para assuntos sérios e até as próprias mídias sociais (Facebook, Twitter e outras), que são utilizados tanto para trabalho como também para entreter. Bem-vindos ao século XXI, quando tudo isso é entregue a você num único pacote com os dizeres: “use como achar melhor”.

A maior repercussão desde o SNES

Antes de mais nada, uma coisa precisa ser levada em conta quando algo é alvo de discussões do tipo que estamos tratando aqui: sua repercussão na sociedade. Não é errado dizer que boa parte das críticas voltadas ao Pokémon Go se devem à imensa popularidade que o aplicativo alcançaou em menos de um mês ao redor do mundo todo. Exemplos não faltam, com a candidata à presidência dos EUA, Hillary Clinton, utilizando o app como forma de levar os jovens às urnas; vídeos de centenas de pessoas correndo pelas ruas atrás de um mísero monstrinho e até o prefeito do Rio de Janeiro, que praticamente implorou para o Pokémon Go vir para terras tupiniquins antes das Olimpíadas começarem (conseguiu, heim?).

O problema é que, como todo elemento alvo de grande repercussão, notícias positivas e negativas acabam surgindo. E não demorou para acidentes de carro, furtos e agressões serem noticiados envolvendo o jogo. O problema mesmo começou quando as mídias começaram a notar o efeito viral das palavras mágicas “Pokémon Go” e começaram a noticiar absolutamente qualquer coisa que acontecesse envolvendo alguém que estivesse usando o aplicativo. Dessa forma, notícias cada vez mais esdrúxulas e fakes bombaram na internet.
Jogadores são bombardeado por água em Sidney por incomodarem a vizinhança



Tudo isso somado ao real efeito viral do jogo entrou em ebulição e levou várias pessoas a estranharem a atividade, chegando a criticá-la e até repudiá-la. Porém, a intenção do aplicativo, de acordo com seus desenvolvedores, passa longe de ser algo no sentido alienante. Pelo contrário! O objetivo é fazer com que as pessoas olhem mais para o mundo, encontrem mais pessoas e façam algo divertido enquanto andam por aí entre seus compromissos diários. Compare isso ao uso cotidiano do Facebook na rua, por exemplo. Não vai ser difícil notar a diferença das possibilidades.

A nova cultura convergente: estamos no controle

Não é novidade para ninguém que o mundo mudou bastante nos últimos vinte anos. Parte considerável dessas mudanças estão relacionadas ao desenvolvimento tecnológico e os novos meios de comunicação. A internet e tudo que dela surgiu fez do mundo um lugar muito menor para nós do que para os nossos pais e avós. E com esse potente instrumento ao alcance praticamente de todos, não demorou muito para a sociedade como um todo começar a se modificar.

Henry Jenkins, renomado estudioso de comunicação, apresentou em seu livro de 2009 que a cultura mundial mudou. Hoje vivemos a, chamada por ele, Cultura da Convergência, na qual consumidores são mais ativos, buscam conteúdos que os satisfaçam de modo também ativo, pesquisam, interagem e participam de trocas culturais e sociais de forma muito mais horizontal.
Jogadores correm atrás de Vaporeon que surgiu no Central Park, em Nova York


Nessa análise, percebe-se que os consumidores estão na vanguarda agora. O mercado não funciona mais simplesmente “mostrando o que nós queremos e devemos consumir”. Pois se o mercado não mostrar o que eu quero consumir, eu vou procurar em outro mercado. Nas mídias sociais, outras pessoas de outros lugares que eu nunca conheci vão me indicar os locais para que eu consiga exatamente o que eu quero consumir. Desta forma, ou o mercado tem o que eu quero, ou eu vou atrás de algum jeito.

Este poder nos dá direito à ação. Então não pensem que um aplicativo de celular foi criado com o intuito de controlar sua vida, investigar sua casa ou espionar alguém ao seu redor. Pokémon Go foi desenvolvido como fruto de uma demanda sociocultural que estava borbulhando faz tempo. Caso contrário, ele não teria a repercussão que está tendo atualmente.


Os diversos usos que damos às coisas

Além da cultura nos dar agora o poder de escolha do que consumir, nós temos uma capacidade aprimorada que muitas vezes nem fazemos ideia que utilizamos. Um psicólogo ambientalista chamado James J. Gibson percebeu esta capacidade. No século passado, ele estudou o comportamento de animais e analisou como diversos deles (incluindo aí o ser humano) possuem a capacidade de perceber utilidades específicas para determinados objetos e ambientes. 

Essa percepção de funções, no caso dos humanos, seria influenciada pela nossa vida pessoal, experiências passadas, contexto social, cultura e várias outras coisas que não convêm serem citadas aqui. O psicólogo estudou tudo isso para provar para o mundo que, tecnicamente, um objeto possui infinitos usos próprios para ele, independente da função para a qual foi contruído originalmente. Só depende de nós percebermos essas funções e as utilizarmos.


Isto acontece à nossa volta o tempo todo. O próprio Facebook, falando de novas tecnologias, é utilizado para fins muito maiores do que simplesmente a interação social despretensiosa a qual foi o objetivo original de Zuckerberg ao desenvolvê-lo. A cada nova atualização das redes sociais, aplicativos e programas de computador, a criatividade humana fala mais alto e novos usos são encontrados para elas. Vejam a variedade de conteúdos produzidos no Snapchat e vão entender o que estou falando. 

Mas é importante lembrar que nem toda função encontrada para um objeto é exatamente produtiva ou até benéfica. Os mesmos itens citados acima, Facebook e Snapchat, também já foram utilizados para cyberbullying, difamação, abuso e outras coisas. O que eu quero dizer com isso tudo? Não cabe ao Facebook ou ao Snapchat a culpa do que fazem com eles. Esses aplicativos são instrumentos, culpá-los de algo é como culpar uma faca por um assassinato. E é aí que voltamos ao Pokémon Go…


A culpa não é do Pikachu

É verdade que muitas pessoas estão cometendo atos ridículos, esdrúxulos e até criminosos através do uso do aplicativo de capturar monstrinhos. Mas não se enganem, não é “o Pikachu” que controla a mente da pessoa, é a pessoa que dá “ao Pikachu” as rédeas da sua vida cotidiana, sabe lá Freud por qual motivo. E fugindo de discursos de julgamento, cada um possui suas características e seus motivos pessoais. Então se uma pessoa escolhe utilizar um aplicativo inovador como Pokémon Go de modo alienante, acredite, algo na vida dessa pessoa a fez escolher, consciente ou inconscientemente, esta fuga da realidade.


Tal fuga pode ser feita com o Pokémon Go, com o Facebook, com o smartphone sem internet, com um console de videogame em casa… Mas antes que você comece a tacar pedras nas novas tecnologias, as fugas também podem ser feitas através de comida, álcool, drogas ilícitas, cigarro, violência, prática de esportes, arte, tudo. Então, se uma pessoa se aliena em algo, não questione se esse algo força a pessoa a se alienar, essa época passou. Questione o porquê da pessoa querer se alienar, considerando que ela tenha os devidos acessos a informação.

Por fim, cuidado ao julgarem instrumentos por atos que são de pessoas. Tudo que vemos atualmente nas mídias sociais e que muitos chamam de narcisismo, falsidade, inveja, superficialidade e tantas outras coisas, não são elementos originais das novas tecnologias e nem características sociais inéditas. Tudo isso (e muito mais) são coisas que já estavam na nossa sociedade muito antes do boom da internet. O Facebook, Instagram, Twitter e também o Pokémon Go só servem de vitrine para elas. Agora cabe a você refletir, caro leitor, sobre o tipo de uso você pode fazer de cada uma dessas ferramentas.



Revisão: Vitor Tibério

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Gilson Peres é Psicólogo e Mestre em Comunicação pela UFJF. Está no Blast desde 2014 e começou sua vida gamer bem cedo no NES. Atualmente divide seu tempo entre games de sobrevivência e a realidade virtual.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Você pode compartilhar este conteúdo creditando o autor e veículo original (BY-SA 3.0).