Nintendismo: o que é, como surge

Fãs da Nintendo: uní-vos! O que torna a Nintendo tão especial e amada, e como que ela consegue fazer isso?

em 17/11/2014

Há algumas semanas atrás abri uma discussão sobre como o hype afeta nossos desejos e expectativas. Citei exemplos como New Super Mario Bros. 2 e Super Smash Bros. for 3DS, e lendo as discussões nos comentários, surgiu a ideia de mais uma troca de opiniões.


Como é possível que uma só empresa possua uma legião enorme de seguidores fiéis, que consomem quase tudo de suas franquias e estão prontos para defendê-la assim que surge uma oportunidade?

Please, understand

A Nintendo possui uma história que remonta ao final do século XIX e está no mercado de games há mais de quarenta anos. Se aproveitando da "ressaca" causada pela crise dos consoles dos anos 1980, a Nintendo invadiu o mercado ocidental com títulos de qualidade e que até hoje são procurados pela garotada (esta excelente série explica muito bem seu surgimento). É desta época que surgiu boa parte dos personagens nintendísticos que são febre no mundo todo.


Além de ser uma das pioneiras da indústria a surgir no Japão, o que contribuiu para criar uma legião fiel de fãs desde os anos 1980, a Nintendo também desbancou a Atari em seu próprio território e segurou a chegada da SEGA na guerra dos consoles dos anos 1990. Hoje vemos Pac-Man, Sonic e Mario lutando num mesmo jogo, mas nos consoles da Nintendo.

Para nos ajudar a entender melhor a base de fãs nintendista dos anos 1980, gostaria da ajuda de algum leitor com mais de trinta anos. Como os jogos da primeira geração da Nintendo marcaram a sua infância? Imagino como deve ser empolgante acompanhar a evolução de seus personagens favoritos de 8-bit para verdadeiras obras de arte digitais com milhões de cores e pixels que temos atualmente.

Culto aos heróis nintendísticos

O que seria da Nintendo sem a mente brilhante de Shigeru Miyamoto? O japonês nascido em 1952 foi não somente parte fundamental da criação do que hoje é a base para a maior parte dos desenvolvedores, mas também um criador de conceitos e estilos de jogabilidade que inspiram desde a chegada de Mario e cia.

Sem ele, provavelmente não teríamos boa parte da paixão pela Big N. Esbanjando criatividade a cada geração desde Donkey Kong — que, surpresa, também foi um dos títulos mais marcantes do Atari — Miyamoto ainda hoje contribui com suas ideias, apesar de sempre dizer que logo mais irá se aposentar (que na verdade é apenas uma tática para incentivar seus sucessores).


Após sucessivas obras criadas sob o selo da Nintendo, Miyamoto não só ajudou a ditar as regras da indústria por décadas, como também faz parte da paixão do séquito mais apaixonado de fãs que a indústria de games já viu.

Além do culto à mente criadora de Mario, Link, Pikmin e tantos outros personagens icônicos, os fãs também dedicam boa parte de seus ritos de adoração a outros dois grandes ícones da empresa criada em Quioto: Reggie Fils-Aime, presidente da Nintendo of America, e Satoru Iwata, atual chefão da Nintendo. Ambos fazem questão de participar da maioria dos eventos da Nintendo, como os Nintendo Direct e a E3.

Todos já pegaram em um Nintendo

Que atire a primeira pedra se isso não for verdadeiro. Vocês podem ser fãs incontestáveis deste ou daquele console ou franquia, mas em algum momento da sua vida já se viu horas tentando detonar Mario ou atirando em alienígenas em Metroid.

Sempre fui fascinado pelos consoles da SEGA, mas eventualmente ia jogar Super Mario World ou Donkey Kong Country no SNES dos amigos. Sempre fui um daqueles chatos da SEGA que prefere ouriços a encanadores, mas não negava quando me desafiavam para um pega no Top Gear 2 ou numa luta em Killer Instict.


O grande diferencial da Nintendo, ao menos até recentemente, foi sua estratégia comercial. Para ter um jogo lançado no console mais popular da época, os desenvolvedores muitas vezes assinavam um contrato que lhes proibia de lançar seus jogos em outras plataformas, criando assim um empecilho para os concorrentes e uma base cada vez maior de consumidores. Antes do surgimento da SEGA na indústria de consoles, a Big N dominava 90% do mercado nos EUA.

Supremacia comercial

A concorrência e os anti-nintendistas ficarão irritados, mas devem reconhecer: a Nintendo derrotou duas enormes ameaças. A Atari era líder isolada no precioso mercado ocidental e desbancou as levas de rivais ao longo de seu império até a chegada do NES, que trouxe gráficos superiores e títulos de qualidade num mercado infestado opções de baixa qualidade após a crise dos consoles.

O final dos anos 1980 e começo dos 1990 viu grandes mudanças no mundo: enquanto os adultos lentamente se desfaziam da divisão capitalismo x socialismo, a garotada adotou sua própria guerra ideológica. De um lado, os leais Nintendistas, jogando seus Tetris e Pokémon. Do outro, os Seguistas, aquela meninada descolada que preferia correr loucamente ou descer a porrada e ver sangue nos fatalities.


Com a SEGA na jogada, a Nintendo viu seu império estremecer pela primeira vez desde as suas origens. Com gráficos tremendamente superiores, títulos fielmente reproduzidos dos fliperamas e com um ano de folga para dominar as vendas antes do Super Nintendo, o Mega Drive deslanchou o já ultrapassado Nintendinho. Com o tempo se esgotando e a equipe de desenvolvimento trabalhando sem parar, surge um dos consoles mais amados de todos os tempos.

Com o SNES, e logo depois com o Nintendo 64, a Big N consegue derrubar sua maior concorrente em anos. Mas não sozinha: a chegada da Sony e da Microsoft no mercado de consoles também deram sua pontinha de ajuda.

A concorrência: valvistas, sonistas, caixistas e (risos) seguistas

Com a “tríade” das grandes empresas formada, a guerra de consoles esfriou e hoje cada empresa investe em seu nicho. A Sony possui um leque de exclusivos de respeito, além da sua enorme diversificação de mercado (de celulares a televisores) e a Microsoft tem como alicerce a bilionária indústria de PCs vindas do império de Bill Gates.

A SEGA, correndo por fora, não possui mais o fôlego depois da saída da indústria de consoles, mas ninguém consegue argumentar com eles. Eu entendo, o Sonic deixou marcas espinhosas por aí, sem falar dos títulos que nunca mais vimos (Streets of Rage, Altered Beast e Alex Kidd deixam lembranças).


A Valve e sua legião de fãs tão xiitas quanto um nintendista roxo são os mais novos criadores de conceitos e representantes da "supremacia dos PCs", como costumam se autointitular. Com jogos que são certeza de vendas para computadores, Gabe Newell domina em seu território.

E a Nintendo? A empresa de Iwata, Regie e Miyamoto não possui produtos em outras áreas senão a dos videogames, e ainda hoje tropeça quando o assunto é online. Atualmente sua empreitada na conectividade promete um fôlego a mais nos lucros, oferecendo DLCs para seus jogos, e logo mais teremos os amiibo enfeitando as prateleiras dos fãs.

A arma de hoje: você aos dez anos

Nos últimos tempos a Nintendo pode ter seu império ameaçado mais uma vez, com o Wii U já ultrapassado na questão hardware. Mas para a agonia dos antis, as vendas estão cada vez maiores, e, com a chegada de jogos de peso (Super Smash Bros. for Wii U chega ainda em novembro, além dos novos Zelda e Star Fox), aumentarão cada vez mais. Como um console defasado tecnologicamente está dando um pau nas opções mais avançadas?

A resposta está, justamente, nos fãs. Podemos negar, bater o pé e mandar e-mails ameaçadores aos jornalistas, mas não tem como negar: a Nintendo domina por tradição.

Apostando na base de fãs e na nostalgia dos gloriosos tempos passados, a Nintendo vive hoje não somente de novos títulos de velhas franquias, mas graças também aos novos remakes de velhos sucessos. Smash Bros. está aí desde os idos do Nintendo 64, e os remakes/releituras de Zelda, Pokémon e Mario lançados nos últimos anos são garantia de vendas tanto para o Wii U quanto para o 3DS.


E falando em portátil, esta é outra área que a Nintendo consegue dominar com uma mão no bolso. Desde o Game Boy, podemos entrar pelo cano, salvar princesas e capturar todos, e a tradição é mantida com quatro gerações de sucesso. Das duas ameaças mais próximas de desbancar o 3DS, uma está estagnada nas prateleiras e outra faz ligações.

Dizem que os smartphones são competidores diretos da Nintendo, mas acho que não é bem assim. A não ser que a Nintendo coloque um chip de celular no 3DS, não vejo uma concorrência direta entre dois nichos tão diversificados. Desde quando dá para comparar Candy Crush com Mario?

Enfim, convido vocês para o papo: a Nintendo é tudo isso mesmo?

Revisão: José Carlos Alves
Capa: Felipe Araújo

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