Já pensou como seria se as principais criações da Nintendo levassem seus poderes para as suas situações do dia-a-dia? Kirby adquirindo poderes com qualquer coisa que ingerisse — incluindo tônico capilar —, Captain Jebeddiah Falcon gritando “Falcon” antes de qualquer ação que fizesse e Bowser tentando dar um jeito em sua privada sem contactar os únicos encanadores do Reino do Cogumelo… Essas são algumas das várias e inusitadas situações que você encontra em Brawl in the Family: Volume I.
De um simples começo a um estrondoso fenômeno cheio de personalidade
Um das histórias em quadrinho online (ou webcomic, para simplificar) mais famosa dos últimos tempos leva a arte de Matthew Taranto e começou como nada mais nada menos que alguns rascunhos durante uma aula de história da arte. Certa noite, sem nada pra fazer, decidiu compilar as melhores ideias em seis simples histórias e postá-las no fórum do site gringo IGN. A boa repercussão fez ele continuar produzindo conteúdo constantemente e postá-las em outros sites, até que encontrou Chris, o webdesigner que ajudou a criar e hospedar um site inteiramente dedicado às histórias de Matthew envolvendo os personagens da Nintendo.As primeiras tirinhas, lá em 2008, eram de conceitos e artes bem simples |
Mostrando como se funda um projeto!
Poucos sabem o quão custoso e complexo é produzir um livro em grande escala. Além de correr atrás de editora, organizar toda a arte, tipo de papel e detalhes do gênero, ainda é necessário uma boa soma de dinheiro, então tornou-se popular lançar campanha no Kickstarter para financiar projetos de livros, e Brawl in the Family: Volume I foi um deles. O que seu criador não esperava é que ele atingisse a meta inicial de dez mil dólares em 24 horas. Até o fim da capitalização da empreitada, o autor conseguiu mais de 56 mil obamas, possibilitando assim um livro bem mais recheado e de melhor qualidade do que ele originalmente imaginou.
Aliás, personalidade é o que não faltam em seus personagens. Matthew pegou o conceito base dos heróis e vilões da Nintendo e os intensificou e construiu em cima deles, para poder gerar esse universo coeso, hilário e super interessante de suas tirinhas. Kirby, por exemplo, que nos jogos já liberou o vilão Nightmare enquanto só tentava fazer o bem, as vezes causa diversas confusões simplesmente por querer ajudar os outros ou então em decorrência de seu apetite insaciável. Dedede tem toda essa marra de vilão e nunca dá o braço a torcer, mas por baixo de toda a arrogância, adora a bolota rosada. O quê dizer então de Falcon apaixonado por Samus, e o pobre Blue Bomber, Mega Man, que se decepcionou ao descobrir que ela não era uma robô de verdade? Quando Matthew coloca personagens de universos diferentes para interagir, a risada é garantida.
Um experimento que deu certo
Uma das novidades do webcomic e seu livro são as tirinhas experimentais. Desde contos baseados em histórias infantis norte americanas, como “ a centópeia muito faminta” estrelando Kirby no lugar do artrópode, até uma sobre “como jogar um Metroid”, ocasionalmente o site brinca com formatos não muito costumeiros. Dentre todos, um estilo especial e icônico de Brawl in the Family teve seu início no primeiro especial de Natal do site. Inspirado na história de Grinch, revemos o conto sobre a ótica de como seria a históra de “Como o Rei [Dedede] Roubou o Natal”.Com estilo de arte inspirado no livro original e embalado a excelente rimas, o conto, dividido em quatro partes e com um lindo final metalinguístico, teve um de seus melhores momentos na segunda parte que trouxe o que seria marca registrada de boa parte dos especiais de natal e milestones (tirinhas de numero memorável, como 250, 500 e etc): as histórias musicais. Acompanhando a usual tirinha, os leitores foram presenteados com uma música baseada no clássico da animação de Dr. Seuss. Enquanto Dedede roubava os mais diversos presentes do elenco de Smash Bros., é possível escutar a paródia de “You’re a Mean one, Mr. Grinch”, intitulada de “ You’re a Mean King, Dedede!”.
Não pode-se esquecer do empreendedorismoO site seguiu com suas histórias em quadrinho, majoritariamente em preto e branco (ou melhor, azul e branco) e, a partir da octagésima tirinha, Matthew decidiu praticar mais cores então, a cada cinco, uma passou a ser colorida. Contando com um elenco crescente, várias referências à séries e jogos da Nintendo e third parties, o universo de Brawl in the Family foi se expandindo até que simples tirinhas não eram mais o suficiente, o que deu origem a arcos de várias partes, como o crossover de Kirby com Phoenix Wright, o episódio da pegajosa Gooey Bomb e até mesmo o encontro de Samus e Falcon arruinado por Snake. Isso, sem contar com os momentos em que dá a louca no Waluigi, geralmente no primeiro de abril, e ele toma conta do site, criando diversas tirinhas forçadas ou tão sem graça que você ri — todas elas, obviamente, centradas nele.
O site contém poquissimos anúncios então, numa tentativa de monetizar o conteúdo criado, Matthew e Chris abriram uma loja online de produtos relativos à Brawl in the Family. A loja conta com camisetas inspiradas nas histórias em quadrinho, baralho com artes feitas por Chris, o simpático Dededoll (um boneco estilizado de Dedede recorrente nos quadrinhos), MP3 em alta qualidade de suas músicas originais e, como não poderia deixar de ser, o livro, tanto tradicional quanto versão em capa dura.
De quadrinista a desenvolvedor de jogos
Matthew Taranto e seu irmão Micheal Taranto se reuniram para juntar as suas principais paixões: musica, videogames e arte. Como já é evidente pelos eventuais quadrinhos musicais de Brawl in the Family, a família já havia botado em prática o conceito, mas só com a fundação de Bitfinity, a empresa de criação de jogos dos dois. Com ela, finalmente puderam concretizar o sonho de unir esses três aspectos utilizando somente conteúdo completamente original, através de Tadpole Treble, o segundo projeto no Kickstarter bem sucedido de Matthew.
O jogo conta a história de um pobre girino que deve nadar através de uma partitura enquanto evita perigos em um misto de jogo de plataforma de progressão lateral automática com jogo rítmico. Toda a arte está sendo feita por Matthew enquanto Micheal cuida do level design. Embora ele não tenha alcançado a sua meta adicional para poder ganhar uma versão de Wii U, Matthew foi até a E3 para conversar com os executivos da Big N e tentar fazer com que esse jogo alcance seu público alvo. Sem dar uma resposta exata, Matthew pareceu bastante otimista em relação ao assunto. Se você gostou de HarmoKnight ou das fases musicais de Rayman Legends, pode ficar de olho nesse título previsto para o final desse ano de 2014.
Uma ode ao próprio site
No livro, infelizmente, não cabe todo o acervo do site. Graças aos vários upgrades proporcionados pelas metas secundárias alcançadas no Kickstarter, a publicação conseguiu alcançar até o ducentésimo quadrinho, que é para muitos (incluindo o que vos fala), o favorito. Eu me refiro ao “Ode to the Minions” (a Ode aos Lacaios/Subordinados). A primeira música completamente original de Matthew Taranto nos faz dar um passo para trás e repensar nossas atitudes para com as criaturas as quais matamos aos montes nos jogos da Big N. Dos Goombas esmagados e Piranha Plants queimadas até às esquisitas naves poligonais do primeiro Star Fox explodidas por nossas bombas “sabiamente utilizadas” e os Metroids quase extintos por nossas mãos. A canção, com bela melodia, letra e arte, fecha com qualidade o livro e deixa um buraquinho de dó no coração dos leitores, principalmente quando descobrimos quem estava cantando.O primeiro volume com as tirinhas do site não deixa a desejar, quer você conheça ou não o webcomic previamente. Arrancando risadas de qualquer um que conheça o mundo dos games (embora algumas tirinhas foquem em referências obscuras ou muito contextuais), o livro ainda conta com diversos extras não encontrados no site para justificar a compra. Matthew ainda nos confidenciou, durante nosso encontro na E3, que espera continuar a publicação. “É muito estranho ter na sua estante somente o volume um de alguma coisa, entende?”, brinca o criador. E que venham vários. Que todos nós possamos ler sobre quando Mario esqueceu da mágica do natal, quando Luigi foi pasar férias em Hyrule, quando nossos heróis e vilões se conheceram pela primeira vez, numa escola de jovens super dotados… Tudo isso, com um bom chocolate quente, sentado perto da lareira, para revivermos de uma forma mais natural e aconchegante tudo aquilo que já vimos na fria tela do computador.
E o melhor de tudo é poder realizar esta resenha usando como base um livro cedido e assinado pelo próprio autor. |
Revisão: José Carlos Alves:
Capa: Hugo H. Pereira