Análise: Bravely Default (3DS) viaja no tempo e traz para a era moderna a experiência dos clássicos

O mais novo JRPG do 3DS mostra que moldes dos primórdios do gênero ainda podem ser muito eficazes hoje em dia, principalmente se souber dar um toque de novidade.

em 24/02/2014
A mais nova empreitada da Square Enix no Nintendo 3DS é provavelmente um dos tiros mais certeiros que já deram nos últimos anos. Considerado um sucessor espiritual do remake do primeiro jogo da série, Final Fantasy: The 4 Heroes of Light (DS), Bravely Default mostra que um JRPG ainda pode fazer muito sucesso nos dias de hoje. Com uma trama clássica, jogabilidade curiosa e uma abordagem renovada de velhos temas, eu digo nesta análise porque este deve ser o próximo jogo de qualquer amante do gênero.

A mesma música, um verso diferente

Começamos a perceber que Bravely Default tem forte inspiração em Final Fantasy quando vemos que sua temática gira em torno de cristais. Na trama, as terras de Luxendarc se veem ameaçadas pelo fato de seus quatro cristais elementais estarem perdendo seu brilho e força. É aí que Agnès Oblige entra em cena, como a sacerdotisa do Cristal do Vento que tem como objetivo trazer de volta a luz dos quatro elementais. Clichê, repetido, pode usar as palavras que quiser. Mas as semelhanças acabam aí.

A forma que o jogo desenvolve os personagens, suas personalidades e interações supera as expectativas de alguém que espere apenas uma revisitada em uma era de RPGs clássicos. O cenário no qual os quatro personagens são colocados se torna até coadjuvante para o verdadeiro desenvolvimento da trama, assistindo o crescimento de cada um deles conforme superam suas dificuldades. É disso que um RPG se trata.

Vale também ressaltar que o público alvo de Bravely Default (e de suas eventuais sequências) é um público mais velho, adulto, que tiveram suas primeiras experiências em JRPGs com clássicos como Dragon Quest e Final Fantasy. Isso não quer dizer que os mais jovens não podem aproveitar, mas se você viveu para ver essa era e sentir como era o velho padrão, provavelmente terá um sentimento especial ao ver como ele pode ser recriado de uma forma completamente nova e madura.

Saiba o momento de ser calmo e ser bravo

A jogabilidade tem como enfoque o combate por turnos, como já era esperado. Contudo, existe algo que torna Bravely Default muito mais imersivo e atraente para o jogador do que a grande maioria dos outros títulos do gênero: aqui o controle é totalmente seu, e não estou falando de botões e direcionais.

De White Mage para Knight
em segundos!
Para começar, o seu personagem pode trocar de classe quando você quiser. A qualquer momento é possível transformar o seu cavaleiro em mago, sua ninja em clériga e sua espadachim em ladino. As muitas classes do jogo possuem enfoques diferentes e o jogo lhe permite testar cada uma delas para saber qual é mais o seu estilo. Ainda além, a aventura estimula o jogador a testar todas as classes, as desenvolvendo e aprendendo suas técnicas para poder customizar suas habilidades com estilos híbridos de combate.

É perfeitamente possível um cavaleiro ter acesso a magias de cura, ou um ladino usar técnicas de um espadachim, pois há sempre duas barras de habilidade para se usar. Uma é a da sua classe, que é imutável e está associada às técnicas que você aprendeu ao treiná-la. A outra pode ser selecionada de qualquer outra classe do jogo, dando-lhe assim a oportunidade de criar seu próprio estilo de luta de maneira que apenas você saiba usar!

Ainda nisso de controle total, até os turnos do combate estão ao seu favor. A cada turno, os personagens recebem 1 BP (Brave Point), ponto que permite uma ação em uma determinada rodada. Através dos comandos Brave e Default, contudo, a quantidade de movimentos – e BPs – podem ser alteradas a qualquer momento com um mínimo de tática e planejamento. Basta saber a hora certa de agir!
Atacando e recuando: Brave e Default serão determinantes durante o jogo para poder vencer combates importantes e perigosos. Se cada ação consome 1 BP, é possível fazer mais de uma ação por turno controlando seus BPs. O comando Default aumenta a defesa do seu personagem e não consome o BP adquirido naquele turno, podendo fazer mais de um movimento no seguinte. É isso que o comando Brave faz: consumir BPs para agir mais de uma vez num único turno. É ainda possível ficar “devendo” BPs para o jogo, fazendo ações até o contador ficar em -4, mas tenha cuidado: se isso acontecer, seu personagem ficará inerte pelos quatro turnos seguintes, sem poder fazer nada. Saiba a hora de usar os comandos e vença todos seus inimigos!
Se acha que o jogo já lhe deu controle o suficiente, e se eu disser que você pode definir até as chances de encontrar oponentes? Num esquema de encontrar inimigos remanscentes de clássicos do gênero, onde adversários surgem sem prévio aviso ao caminhar em áreas “selvagens”, é possível determinar a chance de encontrar os oponentes através de uma barra localizada nas opções do jogo.

Através desta barra, o jogador pode definir se quer aumentar as chances de inimigos aparecerem (o que é uma boa para fazer o famoso "grinding") ou nulificar completamente essas chances. Isso permite que a pessoa no controle esteja realmente no controle, podendo manipular o fluxo do jogo e decidir se aproveita a história ou explora os vastos territórios de Luxendarc.

E por "vastos" entenda "vastos mesmo".

Do outro lado do véu de clássico

Embora aparente que o jogo é apenas uma versão repaginada de um jogo clássico com algumas poucas mudanças, Bravely Default surpreende por seu uso eficaz das funções do 3DS e com muitas inovações para sua proposta simples e padrão. Para começar, temos o comando Bravely Second (homônimo à sequência já em produção), que permite parar o tempo no combate e dá a chance do jogador virar uma batalha aparentemente perdida enquanto ataca sem retaliação. Mas como usar esse poder? Sleep Points.

E não pense que usar isso
tornará a vitória fácil!
Os "pontos de sono" são adquiridos quando o 3DS fica em Sleep Mode (fechado com o jogo funcionando) por oito horas, podendo acumular até o teto de três pontos. Estes são usados para acionar o Bravely Second e consomem um ponto por ação enquanto o tempo está parado. Outra forma de conseguir os itens é através de um "SP Drink", que pode ser obtido através de uma compra dentro do jogo em dinheiro real. Apesar de parecer mercenário, o jogo não exige isso e é uma mecânica feita para auxiliar quem realmente precisa de ajuda para passar aquele chefe mais difícil.

O StreetPass e SpotPass também estão presentes, tanto em combate como fora dele. Ao encontrar inimigos, é possível invocar os personagens de seus amigos para desferir um único ataque contra o oponente, o que pode vir bem a calhar se seu amigo estiver mais avançado na história que você. Além disso, é possível usar todos que encontramos por aí como mão-de-obra para a restauração da vila Norende, um vilarejo destruído pela guerra dos cristais.

Nesta vila, você precisa incumbir pessoas de restaurar as lojas da região e limpar os destroços da ferocidade que acometeu o local e, como recompensa, ganha acesso a lojas que vendem itens extremamente eficazes, tanto no começo do jogo como nas fases mais avançadas. Além disso, diversos minigames e a possibilidade de enfrentar personagens de outros jogadores fazem esta função extra ser um dos pontos altos do título.
Um trabalho para mais que um: Quando estiver cuidando de Norende, vai reparar que existem durações para cada ação executada pelos seus residentes. Contudo, ao adquirir mais residentes para a vila através do StreetPass, o trabalho pode ser reduzido através da cooperação! Uma reforma que levaria quatro horas com uma pessoa irá levar duas com duas, uma com quatro, e assim por diante.
E compreendendo que nem todo mundo tem a oportunidade de encontrar outros jogadores diariamente, é possível fazer um "StreetPass online" através do SpotPass: ao falar com um determinado NPC, ele oferece a chance de mandar os seus dados para o mundo e recolher o de algumas pessoas para o seu jogo! Elas não podem ser invocadas em combate, mas decerto ajudam – e muito – na hora de reconstruir Norende. Um máximo de 20 residentes são permitidos no vilarejo.

Para concluir, o jogo ainda inclui um sistema de movimentos especiais, ataques com cenas próprias que os personagens podem executar ao atingir determinados requisitos no uso de cada armamento. Os golpes podem ser inteiramente customizados – como tudo no jogo –, desde seus efeitos até combinações com os golpes especiais de outros personagens. Assim como o voo da fada, neste jogo a sua criatividade é o limite!

E desnecessário falar da beleza dos golpes especiais!

Uma corajosa quebra de padrões 

O que está esperando para
se unir ao grupo?
Com seu visual incrível, história envolvente e com personagens carismáticos, Bravely Default conseguiu fazer uma proeza ao quebrar os padrões atuais da indústria usando um velho padrão que já permeou o mercado duas décadas atrás. A proposta bem executada atinge em cheio na nostalgia mas sem deixar o amargo da falta de modernidade, achando um perfeito equilíbrio que encanta novos e velhos amantes dos JRPGs.

Com uma história que deve levar, no mínimo, 30 horas para ser apreciada, esteja certo de que ao iniciar sua aventura pelas terras de Luxendarc e sentir na pele mais uma vez o que é a lendária busca pelos cristais elementares, alguns de seus outros jogos terão de ficar descansando na prateleira, pois não vai ser fácil sair desta trama uma vez que esteja dentro dela.

Prós

  • Jogabilidade herdada de clássicos do JRPG;
  • Funções que aproveitam ao máximo o 3DS;
  • Total controle do jogador sobre o fluxo do jogo;
  • Visual belíssimo e com músicas bem ambientadas;
  • Viciante, deixando um gostinho de "quero mais".

Contras

  • Se não gosta de RPGs, principalmente os baseados em turnos, dificilmente mudará de ideia nesse jogo;
  • A história clichê pode desagradar alguns.
Bravely Default - Nintendo 3DS - Nota: 9.5

Revisão: José Carlos Alves
Capa: Doug Fernandes
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