Vamos combinar: a Nintendo já gastou todas as suas fichas
com a série New Super Mario Bros. A estreia da série completou sete anos no
último mês de maio e já conta com quatro títulos, sendo um para cada console da
Big N que passou por nossas mãos até então. Contudo, a empresa parece não
desejar sair, de maneira nenhuma, de sua zona de conforto, e continua não
querendo arriscar muito. É claro que os jogos são de qualidade, mas ainda assim
não conseguem chegar nem perto do legado que a franquia do encanador bigodudo
construiu nos tempos de Nintendinho e Super Nintendo.
Por outro lado, a Ubisoft, desenvolvedora que vem se
mostrando uma das mais importantes do mundo a cada ano que passa, presenteou a
comunidade gamer com um retorno às origens de seu principal mascote, Rayman, há
quase dois anos com Rayman Origins e agora retorna com uma sequência,
Legends, para a sua nova velha franquia.
Origins e Legends são jogos de plataforma bidimensionais, assim como New Super
Mario Bros., mas ao contrário da série da Nintendo, a criação de Michel Ancel
parece estar pronta para abraçar o novo e ensinar a empresa que um dia
popularizou o gênero plataforma, a receita de como recriar a roda.
Legends chega para mostrar como se faz um jogo de plataforma para os dias atuais |
Inovar é preciso
Em primeiro lugar, não venham me dizer que desafiar os
jogadores a coletar milhões de moedas é algo muito inovador. Isso pode ser
divertido, mas não inovador. A série New Super Mario Bros. sempre tentou
recriar o sentimento original de se jogar Super Mario Bros. (NES), Super Mario World (SNES) ou qualquer outro
título que tenha sido lançado entre os dois citados. O problema é que, quando
tais jogos foram lançados, não havia nada parecido até então, e os consoles da
época não eram capazes de fazer muito mais do que aquilo, já que a Nintendo
tirava leite de pedra de seus consoles, coisa que faz até hoje com seus grandes
títulos AAA.
A nova franquia da Nintendo não consegue reproduzir o
sentimento daqueles jogos, pois além de não deixar nenhum jogador boquiaberto com
o mundo de novas possibilidades diante de seu console (já que além do
multiplayer para quatro ou cinco pessoas nada apresentado foi realmente novo),
ainda falha em tentar reproduzir o mesmo nível de qualidade e excelente level
design de seus antecessores.
Sinto muito, Mario. Sua inovação está em outro castelo... |
A reimaginação da série Rayman já choca por seu visual
belíssimo, que parece ter sido pintado à mão, e seu humor fora de série, capaz
de arrancar sorrisos de qualquer um imediatamente. Legends é um show à parte e
já chega na voadora para ensinar como criar um jogo de plataforma para os dias
atuais. E não pense que estou defendendo Legends por seu visual. Esse é o ponto
menos importante do jogo, que cria uma infinidade de elementos de jogabilidade
que conseguem mantê-lo novo e surpreendente até o final. A grande diferença
está no fato de que a Ubisoft decidiu pegar uma de suas mais icônicas franquias
e trazê-la para a nova geração utilizando-se das capacidades dos consoles para oferecer
algo novo, enquanto que NSMB tenta apenas emular um sentimento do passado.
Legends apresenta fases intensas, desafiadoras e divertidas |
Mundos temáticos sob um novo prisma
Um dos pontos mais legais de toda a franquia da Nintendo é o
fato dos mundos possuírem temas distintos com fases que seguem seu estilo.
Vejamos Super Mario World: apesar dos mundos temáticos, as fases se
diferenciavam muito entre si, trazendo um ar de novidade para cada novo
desafio. Isso tornava o jogo mais encantador e fazia com que os jogadores se
lembrassem de cada uma das fases que passava, já que a grande maioria delas era
memorável ou pelo menos diferentes. New Super Mario Bros., por outro lado,
utiliza-se de mundos temáticos, mas as fases são sempre muito parecidas entre
si, de forma que o jogador não se lembra dela, mas sim do mundo que acabou de
completar. Isso, caro leitor, faz com que o jogo se torne mais genérico e repetitivo.
Alguma fase do Accorn Plains... |
Rayman Legends também abusa do conceito de mundos temáticos,
porém os estágios não são diferentes entre si apenas pelo visual, mas também
pela forma como deverá ser jogado. Cada fase possui situações e objetivos
únicos, que abusam da criatividade dos desenvolvedores e fazem com que os
jogadores sejam pegos de surpresa a todo momento. Uma das coisas que mais
diverte em Legends é justamente compreender como jogar cada um dos mais de
oitenta níveis do título, que abusam de novos conceitos a todo o momento. Em uma
fase, Rayman está correndo desesperadamente por sua vida enquanto construções
inteiras desabam e são sugadas por areia; na próxima, o personagem precisa voar
por paredes de vento enfrentando inimigos com projéteis e, cinco minutos
depois, estamos correndo e saltando desenfreadamente para conseguir completar a
fase no ritmo de alguma música famosa. E dessa forma surpreendente e divertida,
Legends segue firmemente até o final.
Por que não adicionar um pouco de culinária ao mundo do deserto? |
Linearidade excessiva para quê?
Em Rayman Legends as fases podem ser jogadas na ordem em que
o jogador desejar, desde que ele tenha coletado Teensies o suficiente durante a
jornada, fazendo com que o HUB funcione mais ou menos como em Super Mario 64, mas para um jogo 2D. Essa
liberdade faz com que o jogador tenha o controle sob a ação e decida se é ou
não a hora de conhecer um novo mundo. Há aqueles que gostam de fazer 100% de um
mundo antes de avançar e outros que não conseguem se segurar ao saber que
poderão conhecer uma nova fase com tema completamente distinto das que estavam
jogando, e Rayman permite que os dois tipos de jogadores façam o que acharem
melhor para avançarem na aventura.
Em Legends, as fases podem ser jogadas em qualquer ordem |
Apesar dos Marios antigos não permitirem essa liberdade, não
é isso que destruiria o sentimento nostálgico de jogar um jogo bidimensional do
encanador. A mecânica só tornaria o jogo mais agradável a muitos jogadores que
não gostam de seguir exatamente o que lhes é imposto pelos desenvolvedores. O
melhor dos mundos é um design em que a aventura possua um objetivo bem
definido, mas que possa ser completado de várias formas que vão de acordo com o
estilo de jogo de cada jogador.
O jogo da Nintendo força os jogadores a seguirem um caminho pré-definido |
Nintendo, o GamePad é mais do que você imagina
New Super Mario Bros. U faz um uso bastante
limitado do GamePad. Com a possibilidade de se jogar o título completamente
pelo controle e a inclusão de um quinto jogador que pode ficar criando blocos
para ajudar ou atrapalhar os outros participantes. Muito legal, mas... por que
só isso? A Nintendo sempre foi conhecida por utilizar suas tecnologias como
nenhuma outra desenvolvedora é capaz, mas dessa vez a empresa nipônica tomou um
banho de inovação de sua parceira francesa.
Nintendo, sinto muito. Esses bloquinhos não me convencem... |
Legends utiliza todos os recursos disponíveis no novo
controle da Nintendo, desde a tela de toque, passando pelo microfone e os
sensores de movimento. O conceito de jogabilidade assimétrica, tão alardeado
pela Big N durante as primeiras campanhas de marketing do Wii U, se prova algo
único e extremamente divertido no jogo da Ubisoft. No controle de Murfy, o que
segundo nossa análise é um mosquito que mais parece um “sapo fada”, o jogador
pode comer bolo, girar plataformas, fazer cócegas em inimigos, cortar cordas,
abrir caminhos, operar catapultas e tudo mais que as mentes por trás do
desenvolvimento do jogo pensaram durante o tempo que tiveram para criar o jogo.
Além de tudo isso, ainda é possível aproveitar o título inteiramente pelo
GamePad... E agora Nintendo?
Catapultar personagens é apenas um dos excelentes usos do GamePad em Legends |
Remodelando um clássico
Mario possui, certamente, um legado muito
mais poderoso que Rayman, e talvez este seja um dos motivos pelos quais a Big N
não tem a mesma coragem da Ubisoft para reinventar sua franquia de maior
sucesso de todos os tempos. Contudo, a saturação da série New Super Mario Bros.
e o contraste desta com a reimaginação de Rayman (que antes não fazia nem
cócegas no dedinho do pé da franquia da Nintendo) faz com que pensemos se a Big
N está tomando a direção correta para os jogos bidimensionais de seu mais icônico
personagem. Legados de lado, nos dias de hoje tenho uma certeza: mesmo sem
braços ou pernas, Rayman está dando uma surra no Mario.
Revisão: Alex Sandro de Mattos
Capa: Stefano Genachi