Talvez este não seja exatamente o jogo que a maioria dos fãs de Zelda estivesse esperando por um remake, mas com certeza, além de inovar a série, ele foi um game memorável. No Iwata Asks de hoje, o presidente da Nintendo conversa com os desenvolvedores de The Legend of Zelda: The Wind Waker HD. Inicialmente eles começam falando sobre o game original para GameCube, sobre sua recepção e também sobre o surgimento de um “novo” Link.
Como nasceu o Toon Link?
Iwata: Hoje, conversaremos sobre The Legend of Zelda: The Wind Waker HD. Antes de discutirmos sobre a versão de Wii U, eu gostaria de fazer algumas perguntas sobre o original The Legend of Zelda: The Wind Waker para o GameCube. Primeiramente, gostaria que vocês se apresentassem e falassem em que já trabalharam anteriormente. Vamos começar com você, Aonuma.Aonuma: Eu trabalhei como diretor no jogo original e desta vez trabalhei como produtor, aproveitando a oportunidade para corrigir o que não ficou bom anteriormente. Lembro de ter dito a mesma coisa para The Legend of Zelda: Ocarina of Time 3D.
Iwata: Certo! (risos) E você, Iwamoto? Nós também já discutimos sobre The Legend of Zelda: Skyward Sword.
Iwamoto: Eu não fiz parte da equipe original do jogo, mas trabalhei como diretor em The Legend of Zelda: Four Swords Adventures e The Legend of Zelda: Phantom Hourglass.
Iwata: Você não estava envolvido na versão original de The Legend of Zelda: The Wind Waker, mas esteve profundamente envolvido com o “Toon Link”.
Iwamoto: Pois é. Eu e o Toon Link temos história. Essa foi minha primeira vez como desenvolvedor do The Wind Waker, então joguei novamente o original e trabalhei nas partes que poderiam ser melhoradas.
Iwata: Ok. E você, Takizawa?
Takizawa: Na versão original, eu tinha a ocupação de diretor de design. Mas para ser específico, como membro da equipe central de design, eu estava envolvido desde o começo, quando conversamos sobre coisas como o estilo de visual que usaríamos. Também estava principalmente encarregado dos inimigos e efeitos. Agora, hum... o que eu fui? Diretor de arte de aperfeiçoamento HD?
Iwata: Isso é bem longo! (risos)
Tazikawa: De qualquer maneira, eu tinha que pensar em como aperfeiçoar todos os gráficos para HD, enquanto fazia muitas outras coisas.
Iwata: Em outras palavras, você foi um diretor visual. Bom, e você, Dotha?
Dotha: O original surgiu antes de eu entrar na empresa, portanto, apenas joguei o game.
Iwata: Ah, você foi um jogador!
Dotha: Exato. Fui como qualquer outro jogador. Agora, eu estive em parceria com o Takizawa e minha ocupação foi diretor de programação de aperfeiçoamento HD. Eu guiei o aperfeiçoamento considerando os aspectos tecnológicos da transferência dos visuais do original de GameCube para a versão do Wii U.
Iwata: E por último, Arimoto.
Arimoto: Eu participei do original como designer, tentando ver como poderíamos criar completamente um mundo baseado no visual dos personagens de Takizawa e Yoshiki Haruhana. Agora, no trabalho de aperfeiçoamento, minha responsabilidade era pegar os dados do original e de alguma maneira fazê-los funcionar.
Iwata: Foi seu trabalho fazer o jogo funcionar.
Arimoto: Foi sim. Eu e o Takizawa conferimos os dados do original e começamos a juntá-los.
Iwata: Bom, vamos seguir em frente. A versão original de The Legend of Zelda: The Wind Waker foi lançada em 2002, porém, na Nintendo Space World um ano antes, nós revelamos qual seria o visual do futuro jogo da série Zelda.
Aonuma: É verdade.
Iwata: Aquele anuncio foi chocante para os fãs de Zelda. Muitos ficaram surpresos e intrigados. Como surgiu aquele visual e como vocês criaram aquele mundo? Em outras palavras, primeiramente, gostaria de saber como nasceu o Toon Link?
Aonuma: Bom... Aquele visual não foi a primeira coisa que sugeri.
Takizawa: Nessa época, eu e o Haruhana éramos parte da equipe central desde o começo, e estávamos tentado descobrir qual direção gráfica tomar para o próximo Zelda. Pensamos se continuar no caminho do Ocarina of Time e evoluí-lo, adicionando mais detalhes, seria a coisa certa.
Iwata: Vocês estavam procurando uma direção a ser tomada para descobrir como evoluir a série.
Takizawa: Exato. Embora possa ser um exagero dizer que questionamos se era o “caminho certo”.
Aonuma: É claro que simplesmente continuar naquele caminho era uma opção, então prosseguimos com um protótipo. Porém, ele estava tão incrivelmente normal que não excedeu nenhuma expectativa.
Iwata: O visual melhorou, como esperado. Na Nintendo Space World de 2000, quando anunciamos o GameCube, mostramos um vídeo de demonstração com uma forma evoluída do Link de Ocarina of Time, então várias pessoas estavam esperando algo nesse caminho.
Aonuma: É verdade. Mas foi difícil nos imaginar criando facilmente novas ideias e expandindo aquele mundo se tivéssemos escolhido esse caminho. É claro, embora um jogo seja mais do que gráficos, ele seria feito praticamente pelas mesmas pessoas, e as ideias que tínhamos com a mesma equipe eram limitadas.
Takizawa: Todos na equipe central que estava fazendo o jogo nessa época sentiam que seguir nessa direção não parecia a coisa certa. Até que um dia, completamente do nada, Haruhana nos surpreendeu com o novo Link.
Iwata: Assim do nada?
Aonuma: Exatamente.
Takizawa: No momento que vi aquele desenho, meu espírito de designer surgiu e eu pensei: “Com um personagem como esse, poderemos criar ações para ele que irão parecer naturais sem importar como ele se mova!”
Aonuma: Assim que você viu aquilo, você desenhou a imagem de um Moblin.
Takizawa: Desenhei. Eu imediatamente peguei a inspiração do esboço do Haruhana e rabisquei um Moblin, pensando: “Então, o inimigo deve parecer assim!”
Aonuma: Depois, pensamos em como poderíamos fazê-los batalhar, e de repente ficou interessante, com ideias surgindo rapidamente. Então, eu pensei: “Isso vai dar certo!”
Iwata: O esboço do Haruhana foi o estopim para que a equipe central tivesse várias ideias.
Takizawa: As animações surgiram bem rápido também. Quando tivemos as primeiras imagens, Aonuma estava todo tipo: “Ah, é isso que vocês estão pensando... Hum...”. Porém, quando ele viu a demo, eles estava mais para: “Uau! Eles estão tão bonitos que comecei a gostar”.
Todos: (risos)
Aonuma: Se olharmos para a história da série Zelda, isso acontece bastante. Foi a mesma coisa no Ocarina of Time, assim que tivemos o Link e um certo tipo de inimigo, a jogabilidade começou a se desenvolver rapidamente.
Iwata: Fazer a estrutura de ações e os elementos de interação se tornaram o ponto inicial de tudo. Assim que isso está pronto, as coisas rapidamente começam a se desenvolver.
Aonuma: No caso de The Wind Waker, o visual do Link e dos Moblins que foi o começo de tudo. As coisas começaram a rapidamente se moldar em torno da maneira que eles lutariam.
Takizawa: Outro benefício desse visual foi a maneira como poderíamos representar os mecanismos e objetos nos quebra-cabeças de uma forma mais fácil de entender. Quando os visuais são mais realistas, há o efeito adverso que torna a informação mais difícil de ser representada no game.
Iwata: Em termos de gráficos de jogo, às vezes aparecem mais problemas quanto mais realistas eles forem.
Takizawa: Exatamente. Não dá para dizer com precisão o que se move e o que você deve tocar. Mas se mudar o estilo visual das partes que se movem, elas irão facilmente se destacar.
Aonuma: Nós solucionamos aqueles problemas relacionados à jogabilidade e, acima de tudo, sentimos que atingimos uma nova forma de lutar contra novos inimigos graças às ações estilizadas executadas pelos personagens em cel-shading. Nós decidimos bem no início que definitivamente queríamos seguir nessa direção.
O ciclo de Zelda
Iwata: Após o Toon Link ser revelado com tanto alvoroço, tive a impressão de que um debate sobre seus prós e contras continuou entre os fãs até o seu lançamento. Como desenvolvedores, quais foram as impressões de vocês sobre as reações após o jogo ter sido lançado?Aonuma: Naquela época, nós não conseguíamos ver diretamente as reações online da maneira que podemos agora. Já havia uma divisão entre aqueles que gostavam do novo visual e aqueles que não gostavam. Eu tive a impressão, após o lançamento, que não conseguimos quebrar essa barreira e entregar o Zelda que gostaríamos. Essa foi minha vaga ideia após falar com algumas pessoas.
Iwata: Então, você acha que as opiniões dos jogadores foram primeiramente divididas apenas por gostarem do visual ou não?
Aonuma: Exato. Isso já faz alguns anos, mas um dia minha esposa disse que um amigo contou que o visual de The Wind Waker para o GameCube era muito bonito. Então ela disse que se tivéssemos o game em casa, ela gostaria de jogar.
Iwata: Hum, isso não parece bom demais para ser verdade? (risos) Ela sabia que você tinha trabalhado no jogo?
Aonuma: Ela sabia, mas não pareceu se interessar muito quando ele foi lançado.
Iwata: Ela costuma jogar videogames?
Aonuma: Na época do The Legend of Zelda: Twilight Princess, ela começou a jogar os games que eu produzia. Mas antes disso ela não jogava muito, parcialmente porque nosso filho era muito pequeno.
Iwata: Qual foi sua impressão, Takizawa?
Takizawa: Bom, eu tenho uma história parecida com a do Aonuma. Minha esposa nunca jogou videogames. Mas quando viu o comercial da TV naquela época, ela disse que parecia interessante. Essa foi a primeira vez que escutei ela expressar algum descontentamento por não ser boa em videogames.
Iwata: Ah, alguma coisa aconteceu graças ao visual.
Takizawa: Acho que sim. Nós conseguimos criar um visual com o qual pudemos atrair pessoas que não costumam jogar videogames. Isso me deixou muito contente.
Aonuma: Nessa época, provavelmente, os videogames ainda tinham a imagem de serem difíceis. Por exemplo, os controles tinham cada vez mais e mais botões.
Iwata: Talvez essa imagem estivesse no seu auge. Era uma época em que fazer jogos mais realistas e esbanjadores empolgava muitas pessoas. The Wind Waker foi lançado em uma época na qual a indústria dos games não era capaz de oferecer uma ideia que tornasse os games mais acessíveis a uma base maior de pessoas.
Aonuma e Takizawa: Exatamente.
Iwata: Se pensarmos nisso, as pessoas estavam claramente divididas em dois grupos. Havia um feliz que dizia: “Os personagens são tão expressivos que é como se eu estivesse controlando um anime.” E outro, mais resistente, que dizia: “É como se fosse um jogo para criancinhas, com esses personagens bonitinhos.”
Aonuma: Exato. Essa divisão era clara.
Iwata: Mas conforme o tempo passou, as vozes que diziam que o Toon Link era infantil começaram a desaparecer e aquelas que diziam que gostavam dele ganharam mais espaço. Ou estou exagerando? (risos)
Aonuma: Não, isso realmente aconteceu.
Iwata: Na verdade, se você observar atentamente o mundo de The Wind Waker, há um próprio senso de realidade que se aproveita do visual de anime. É tão inovador, com tantas ideias brilhantes, que você pensa: “Uau! Quantos detalhes!” Mas eu acho que percebi essas coisas como presidente da Nintendo pois eu tento ver o seu charme! (risos)
Aonuma: Bom, há até uma divisão clara entre aqueles que são relutantes até para experimentar o jogo.
Iwata: Mas acho que isso tem mudado recentemente.
Aonuma: É um “ciclo de Zelda”.
Iwata: Exato. Bill Trinen da Nintendo of America — que sempre tem um papel importante em preparar as versões ocidentais da série The Legend of Zelda — sempre fala sobre o ciclo de Zelda.
Aonuma: Basicamente, conforme o tempo passa, as opiniões negativas sobre The Legend of Zelda se tornam positivas. A princípio, eu não tinha certeza sobre isso, mas após ver as reações ao The Wind Waker HD, acho que ele pode estar certo.
Iwata: E não é só restrito ao The Wind Waker. Sempre que um novo Zelda é lançado, não faltam opiniões negativas, mas um ou dois anos depois, as pessoas reveem suas opiniões e a reputação do jogo aumenta.
Aonuma: As reações dos fãs da América do Norte foi bem assim para o The Wind Waker. Quando anunciamos pela primeira vez a versão original em 2001, a maioria das opiniões que ouvimos era contra. Porém, as reações para o Nintendo Direct que foi ao ar em Janeiro deste ano foram incrivelmente favoráveis. Além disso, no evento Nintendo Experience, que fizemos nas lojas Best Buy ao mesmo tempo que acontecia a E3, várias pessoas fizeram fila em frente à única estação de demonstração do The Wind Waker HD que havia em cada loja, e todos diziam que queriam muito jogá-lo.
Iwata: Isso pode ser má sorte, mas não conseguimos expandir ao máximo o alcance do hardware do GameCube. Embora as pessoas achassem que ele parecia legal, várias não compraram o aparelho e decidiram esperar que ele acabasse.
Aonuma: Outra coisa que posso dizer é que nós viramos de ponta-cabeça várias coisas com The Wind Waker, e continuamos a fazer isso após ele. Em The Legend of Zelda: Twilight Princess havia um visual sério e realista, depois em The Legend of Zelda: Skyward Sword, havia um visual parecido com uma pintura e com uma animação metade em cel-shading. A série vive mudando a cada novo lançamento.
Iwata: Nesse ponto, acho que parte do motivo do sentimento pelo The Wind Waker estar crescendo é que agora as pessoas já viram o Twilight Princess e o Skyward Sword, e perceberam que o The Wind Waker teve seu charme próprio.
Aonuma: Acredito que sim.
Iwata: Além disso, o Toon Link se estabeleceu nos jogos portáteis, então o número de pessoas que gosta dele vem gradualmente aumentando.
Iwamoto: Quando trabalhei em The Legend of Zelda: Phantom Hourglass, parecia que algumas pessoas ainda pensavam: “O quê? O Toon Link?!” Mas em The Legend of Zelda: Spirit Tracks, parecia que opiniões como essa haviam desaparecido completamente.
Aonuma: Conforme fizemos os jogos para o NDS, acho que conseguimos finalmente mostrar para essas pessoas que, apesar do visual ter mudado, ainda estávamos criando, de fato, um jogo da série Zelda.
Iwata: E onze anos é mais que o suficiente para que as pessoas tenham um novo sentimento em relação a ele. Eu duvido que muitas pessoas gostariam de jogar um remake de um jogo completo que tenha sido lançado há dois anos, não importa quão legal ele tenha sido, ao menos que ele tivesse algo realmente revolucionário. Mas quando onze anos se passam, pode ser que não comece do zero, mas você consegue aproveitá-lo com um sentimento novo.
Aonuma: Exatamente. Quando se joga o game novamente, até nós que o criamos esquecemos de muita coisa sobre ele. Nos sentimos como jogadores normais e conforme jogamos dizemos coisas do tipo: “Hã? Isso era realmente assim?”.
Iwata: Você fica preso nos quebra-cabeças, embora você mesmo tenha criado o jogo! (risos)
Takizawa: Exato! Então mantemos sempre um detonado à mão. Imagine um desenvolvedor usando um detonado para jogar o próprio game!
Todos: (risos)
Não solte a âncora ainda! Tem muito mais por vir na segunda parte da entrevista!
Fonte: Iwata Asks - Nintendo
Revisão: Samuel Coelho
Capa: Daniel Machado