Explorando os cinco estágios da dor de The Legend Zelda: Majora's Mask (N64)

em 29/09/2013

Um dos pedidos mais fervorosos dos fãs da série Zelda é poder novamente jogar The Legend of Zelda: Majora’s Mask , do Nintendo 64, em ... (por Anônimo em 29/09/2013, via Nintendo Blast)

Um dos pedidos mais fervorosos dos fãs da série Zelda é poder novamente jogar The Legend of Zelda: Majora’s Mask, do Nintendo 64, em uma versão remasterizada no Wii U ou tridimensional, como Ocarina of Time 3D nos permitiu em 2011. Boa parte dessa devoção se deve ao reconhecimento da fama que Majora’s Mask leva por ser uma das aventuras mais escuras e sombrias de Link, para alguns superando até a ambientação dramática de Twilight Princess.

Uma das teorias que reforçam que Majora’s Mask faz parte de um dos mais melancólicos títulos da série, também defendida por fãs e adoradores da série como visto no site Zelda Informer, baseia-se em que, fundamentalmente, todo o universo e personagens de Termina foram criados a partir de uma hipótese formulada pela psiquiatra suiça Elisabeth Kübler-Ross popularmente conhecida como Os Cinco Estágios da Dor. Em seu livro Sobre a Morte e o Morrer, a doutora registra um fenômeno psicológico que pode ser evidenciado em casos de grande perda emocional, de tragédias ou de luto, como na morte de entes queridos, divórcios matrimoniais e até mesmo doenças terminais. Analisando a atitude de seus paciente, Kübler-Ross pôde identificar cinco estágios emocionais distintos e geralmente ordenados que todo paciente demonstrava ao enfrentar seus problemas: Negação, Raiva, Barganha, Depressão e Aceitação. Esse sistema ficou conhecido como o Modelo de Kübler-Ross e hoje em dia é uma teoria amplamente divulgada e discutida no meio acadêmico.

Não por coincidência, o herói Link passa por uma situação parecida no início de Majora’s Mask e seus desafios subsequentes parecem reafirmar essa teoria ainda mais. Como se quisesse nos convencer do tema de reforma interior e emocional, o jogo traz como temática o uso de máscaras, talvez com o conceito de esconder a sua verdadeira identidade.

Confira como os estágios da teoria de Kübler-Ross se relacionam com as diferentes etapas de Majora’s Mask e o que isso tem a nos dizer sobre as personagens do universo de Termina.
Atenção: este texto possui revelações sobre o enredo (spoilers) de The Legend of Zelda: Majora’s Mask. Leia por sua conta e risco!

A Perda de Link

Logo que se inicia o prólogo de Majora’s Mask, somos introduzidos à história de um garoto que, apesar de salvar Hyrule da destruição e ser taxado como Herói do Tempo, perdeu uma grande amiga, sua companheira de aventuras Navi. Majora’s Mask nunca deixa exatamente claro qual foi o destino tomado pela fada que uma vez acompanhara Link, mas a amargurada busca pela colega leva o herói a um caminho sem rumo, talvez até literalmente: Lost Woods, o bosque de caminhos tortuosos e enganadores. É nesse estado desorientado que Link encontra pela primeira vez no jogo Skull Kid, uma figura misteriosa e enigmática que basicamente reflete seu próprio estado de espírito perdido e disforme no momento dessa jornada pessoal.

Apesar de estar em uma "jornada pessoal", Link aparenta muito mais estar perdido, remetendo à falta de direção emocional.
A partir desse ponto, muito pode ser especulado sobre o que realmente acontece com Link. Para alguns fãs, seu acidente com Epona o induziu a um coma no qual conhece seus próprios medos e incertezas; para outros, toda a aventura de Majora’s ilustra o sofrimento dos últimos momentos de Link diante da “morte” representada pela Máscara de Majora para posteriormente, de acordo com Hyrule Historia, ter seus arrependimentos imortalizados na forma do stalfos Hero’s Shade, como visto em Twilight Princess.

A Negação de Clock Town

Apesar de não impor uma ordem absolutamente verdadeira, o Modelo de Kübler-Ross sugere que a primeira fase que o indivíduo passa ao sofrer uma perda pessoal é a fase da negação. Essa fase se carateriza pela recusa da existência ou realidade da dor, e ocorre temporariamente como uma forma de defesa pessoal da psique. Também é conhecido que algumas pessoas podem se tornar dependentes desse sentimento, trancando-se nessa fase por um longo tempo.

Comparando esse estágio ao enredo do jogo, o primeiro lugar que Link se depara ao adentrar às terras de Termina é a cidade de Clock Town. A primeira personagem conhecida, nessa ocasião, é o Happy Mask Saleman, famoso por ter como citação a frase “You've met with a terrible fate, haven't you?” (“Você se deparou com um destino terrível, não?”), que também pode ser uma alusão à morte ou, no mínimo, a uma perda pessoal muito grande.

Fora da torre do relógio, a maior parte dos aldeões de Clock Town parece estar completamente desatenta ao fato de que a gigantesca lua se aproxima da superfície, como se negasse que corre um grande perigo. No coração da cidade, a sede da prefeitura, uma acalorada discussão entre as classes sociais da vila e o prefeito acontece para determinar o próximo passo da cidade, e ela nos dá uma pista de como o comitê de Carnaval, refletindo o primeiro estágio sofrido por Link, pensa: “Você sinceramente crê que a lua irá cair? Os cidadãos confusos estão causando uma tempestade em copo d’água acreditando nessa teoria ridícula!”.

A maioria da população de Clock Town parece negar que uma imensa lua cai sobre Termina, pelo menos nos primeiros momentos.
Mas assim como a natureza transitória da primeira fase, a população começa a repensar a importância dos fatos e a encarar a realidade com o passar dos três dias. Dias que, em primeira instância, devem ser obrigatoriamente atravessados por Link se ele quiser recuperar sua Ocarina do Tempo. Caso contrário, isso o colocaria num novo ciclo de 72 horas que pode ser uma analogia para a dependência e o “trancamento” que algumas pessoas podem sofrer durante a fase da negação.

Também é interessante notar como Link se encontra na rígida e incrustada forma de Deku durante esse período que representa a negação, o que pode reforçar ainda mais a ideia de distanciamento da realidade, já que todos os personagens, quando abordados nesse momento, o tratam como alguém que não pertence àquele lugar.

Como um símbolo de superação da negação após a recuperação da Ocarina, Link aprende a Song of Healing, que não só o liberta da encolhida e desconexa forma de Deku mas que também servirá de reconforto espiritual para todos os outros arrependimentos que Link virá a encontrar. Livre da primeira “máscara” e da primeira fase da dor, ele finalmente se vê livre para continuar em frente em sua aventura pessoal.

A Raiva de Woodfall

Quando o indivíduo percebe que é impossível negar os acontecimentos para sempre, compreende-se que começa a fase da raiva, na qual são expressados sentimentos negativos diante de tudo aquilo que está acontecendo. Revolta, ressentimento e inveja são sinais de uma pessoa que passa por essa fase, e Southern Swamp, a área que delimita Woods of Mystery, Deku Palace e o primeiro desafio do jogo, Woodfall, parece ser baseada fortemente nessas emoções.

Cegado pela ira, o Rei Deku não está disposto a conversar até que possa ver sua filha novamente.
A maioria das personagens dessa região parecem ser apoiadas nessa ideia. Desde quando encontramos Koume incapacitada na Woods of Mystery, furiosa com a audácia de Skull Kid, passando pela cólera cega de Deku King em culpar um inocente pelo rapto de sua filha sem ter nenhuma prova e chegando até mesmo à sutil mas presente prova das tóxicas águas do pântano que machucarão Link até que ele derrote o furioso e frenético Odolwa em Woodfall Temple, todos os elementos da região de Woodfall parecem reforçar a teoria da segunda fase da dor. Similarmente, ao invés de se acalmar, reavaliar seus juízos e enviar tropas de busca atrás da princesa desaparecida, o Rei Deku não deixa de ser rancoroso com a situação até que Link solucione o caso.

Até mesmo Odolwa, o chefe da região de Woodfall, carrega uma expressão furiosa com seus olhos avermelhados.
Ao derrotar a possível personificação da raiva, as águas do pântano se clareiam e se purificam, e o retorno da Princesa Deku ao palácio igualmente acalma os ânimos e reduz a irritabilidade da região. Alguns locais que contradizem a Raiva, como a Deku Shrine que abriga um Mordomo Deku sempre educado e paciente, são apenas acessíveis após da superação desses valores, com a conclusão de Woodfall Temple.

A Barganha de Snowhead

No terceiro estágio da dor, comumente nos vemos aflitos e desesperados, motivados  por uma esperança repentina de adiar ou reverter os efeitos da situação em que nos encontramos, por mais fútil que isso possa parecer de um ponto de vista externo. Esse estágio é conhecido como a fase da barganha ou da negociação.

Quando Link escala a gélida cordilheira de Snowhead, ele se depara com mais uma tragédia: a tribo dos Gorons encontra-se de luto pela morte do herói Goron Darmani. Um pouco de exploração permite que Link encontre, com a ajuda da Lens of Truth, o fantasma do arrependido líder, que, em inquietude, implora ajuda a Link e recorre a elementos fantasiosos como a “mágica” para voltar a vida e acudir seu povo.

Diferente de outras situações ao longo do jogo, a agonia de Darmani é carregada de dolorosas súplicas.
É possível vermos a barganha como uma segunda forma de negação, mas que, ao invés de ser impulsionada pela ignorância e pelo medo, é dirigida por uma esperança latente em pactos, acordos e promessas (muitas vezes religiosas). Nesse aspecto, similarmente como na forma Deku, a barganha pode ser representada pela rochosa e rígida “pele” que Link passa a ter na forma de Goron Link. Darmani, entretanto, só pôde conhecer sua paz que tanto buscava através da canção de ninar Goron’s Lullaby, que, de uma certa forma, representa a natureza mística que as devoções e esperanças da fase de barganha constantemente buscam.

No topo de Snowhead, Link tem a opção de enfrentar o touro mecânico Goht em sua nova forma de Goron. O modo com que lutamos com Goht, dando voltas constantes e intermináveis em busca de um final que não existe, pode representar uma analogia do esforço em vão em negociar e implorar para que as coisas voltem a ser como eram, o que pode ser evidenciado durante esse estado emocional.

A Depressão de Great Bay

O quarto estágio da dor se carateriza por um esgotamento das esperanças da terceira fase. A subsequente fase da depressão é onde o indivíduo começa, lentamente, a entender e aceitar a natureza imutável do seu destino ou do destino da situação que o envolve. Nessa fase, é muito comum passar por um isolamento e uma quebra de contato com o mundo externo, com um distanciamento e silêncio afetivo para todos a sua volta.

Continuando em sua aventura, Link encontra-se mais uma vez com a morte. Dessa vez, o guitarrista Zora Mikau, da banda The Indigo-Go’s, encontra-se gravemente debilitado por tentar resgatar os ovos de Zora de Lulu, a cantora da banda, com o intuito de fazê-la falar novamente a tempo da apresentação na noite do Carnaval.

A forte imagem que Lulu transmite com sua personagem é uma clara alusão à fase da depressão, já que, como uma mãe que perdeu seu filho, ela age com isolamento, distanciamento e silêncio diante das coisas que a rodeiam. O fato de os outros integrantes da banda nem notarem diferença quando Link assume a forma raquítica e anêmica de Zora Link e toma o lugar de Mikau parece redirecionar o foco dessa região ainda mais para o sofrimento e angústia silenciosas que Lulu enfrenta ao perder suas crias. Os tons azuis e frios da região de Zora Hall também auxiliam na ambientação depressiva e gélida dessa fase. No papel de Zora Link, imbuído no espírito de Mikau, Link deve, antes de rumar ao Great Bay Temple, retomar os esforços do falecido guitarrista em recuperar a voz — e possivelmente o ânimo — da cantora muda.

Até que seus ovos não sejam recuperados, Lulu permanecerá em um estado emocional distante e recluso.
A música que serve de salvação para Lulu, New Wave Bossa Nova, era uma canção tocada por sua própria mãe em tempos que ela era tão jovem que não se lembrava da melodia. A cantora então revela que os ovos foram postos a fim de recordá-la dessa música, numa representação de reconexão com o seu “eu” interior e fechamento aos eventos externos.

Os valores de reconexão e aprofundamento pessoal também podem ser evidenciados no sombrio templo de Great Bay Temple, onde todos os caminhos eventualmente levam para a profunda sala central, que é responsável pela ligação do resto da estrutura com a sala do chefe Gyorg. A escura, confusa e tenebrosa luta com o imenso peixe retoma outro sentimento característico e natural da fase da depressão: o medo.

A Aceitação de Ikana

Após encarar todos os outros estágios, o último passo da dor está em perceber, durante a fase da aceitação, que mais nada resta além de encarar a própria situação e aceitá-la como verdade ou, em outras palavras, aceitar-se como um indivíduo invariavelmente pertencente a esse destino.

Em Ikana Valley, temos a resposta que procuramos durante toda a jornada. Com a certeza de que Navi não poderá mais ser encontrada, e desprovido de qualquer outra distração que as outras regiões o impunha, resta a Link concentrar-se em si mesmo e em seu papel nessa busca interior. A terra dos mortos, vazia de vida e contando apenas com a presença de mortos-vivos, caveiras e sombras, reforça os esforços de realização pessoal interior do herói, que, dessa vez, também não se vê na necessidade de salvar alguma alma em desespero ou de vestir uma máscara: pela primeira vez, Link se vê livre para enfrentar seus próprios desafios internos, provido apenas com a experiência das fases que passou, na forma de máscaras.

Ikana nos traz uma região isolada e propõe que o foco seja redirecionado ao próprio protagonista.
Desde a batalha com os habilidosos Garo, oficialmente descritos como “o vazio coberto de sombras”, até o aprendizado da Elegy of Emptiness, que cria, nada mais, nada menos do que uma cópia vazia e sem vida de si mesmo, a maioria dos elementos de Ikana fazem alusão ao vazio que se passa a ter com a fase da aceitação. Quando usada durante uma transformação de uma das máscaras, a Elegy of Emptiness resulta em uma casca superficial das fases que Link enfrentou durante sua jornada, como a forma rígida e protegida de Deku ou depressiva e fria de Zora.

As réplicas de Elegy of Emptiness demonstram a experiência que Link obteve ao concluir todos os estágios.
Link precisa constantemente usar o recurso de “cópias” para enfrentar os desafios impostos pelo Stone Tower Temple, nos dando a noção de reavaliação interna e pessoal diante de si mesmo e de tudo que passou constantemente. A forma como o templo vira de ponta cabeça nos indica que, mesmo dos pontos de vista pessimistas das outras fases, a busca pessoal de Link eventualmente chegará à aceitação representada pela Giant’s Mask, que o torna imenso junto à sua vitória sobre sua própria mente.

O Sofrimento de Skull Kid

Aceitando a eterna perda de Navi e perdoando-se pelo seus erros, o que resta a Link é resolver o atual problema — a queda da lua — de sua própria maneira. Não por coincidência, ele só consegue realizar isso com sucesso ao passar pelos cinco estágios da dor e emergir vitorioso da fase da Aceitação.

Descobrimos, através das histórias da avó de Anju, que Skull Kid também passou por uma imensa perda com a ausência dos seus quatro colegas gigantes, e a Máscara de Majora parece canalizar esse sentimento de culpa ao transformar Termina em um palco vivo de todas as representações das fases da dor. É através desse sentimento que Majora também pode tomar uma forma física ao transportar ela mesma e Link para uma dimensão psicológica onde a aceitação do herói será provada.

O cenário mais belo e sereno do jogo só pode ser visitado justamente quando a aceitação é atingida.
As perguntas introspectivas das “crianças lunares” encontradas nessa dimensão, cada uma representando uma fase por suas máscaras, reafirmam as dúvidas que se têm durante cada uma delas. Goht, o símbolo da barganha, pergunta “What makes you happy… does it make… others happy, too? “ (“O que te faz feliz… também faz… os outros felizes?”) numa alusão à esperança de perdão alheio, enquanto Twinmold, o chefe de Stone Tower Temple que representa a aceitação, indaga “The face under the mask… Is that… your true face?” (“O rosto debaixo da máscara… é este… o seu verdadeiro rosto?”), retomando os valores de autoavaliação da fase de aceitação.

Ao serem finalmente confrontados por Link, tendo como prova de sua superação as máscaras que ele deve abdicar, esses seres concedem-no a Fierce Deity’s Mask, que tem por descrição ser fruto do “mérito de todas as outras máscaras”. Representando toda a maturidade e esclarecimento adquiridos em sua jornada até a superação da dor, a máscara de Fierce Deity concede uma imensa e sobrenatural força à Link diante da ameaça de Majora, representada como uma das crianças lunares, ainda cheia de arrependimento e de dúvidas.

Em contraste com a forma madura de Fierce Deity, a Máscara de Majora ainda "vive" sob uma figura infantil e inocente.

Passamos a compreender que, mesmo sendo introduzido como uma jornada em busca de Navi, Link nunca mais irá encontrá-la, apesar disso não importar mais, já que, nessa altura, ele passou a aceitar isso. Fora de sua própria amargura representada pela Majora’s Mask, também vemos Skull Kid em paz ao se reconciliar com seus velhos amigos.

As últimas palavras de Happy Mask Salesman também fazem referência à "perda" e a proporção que ela pode tomar.
Se a jornada de Link começou com uma desesperada busca de uma amizade perdida, no final temos Tatl nos esclarecendo: Well, both of us have gotten what we were after… (“Bem, ambos de nós encontramos o que procurávamos, afinal…”). De jeito enigmático, a fada simplesmente nos dá a dica de que, mesmo sem retomar sua grande amizade, Link já se encontra em paz consigo mesmo ao fazer, no lugar dela, um novo amigo: o próprio Skull Kid.


Revisão: Luigi Santana
Capa: Daniel Machado
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