O Wii U não vai bem das pernas. Diariamente, portais de
notícias de todo o mundo publicam notas desanimadoras referentes ao console:
sendo deixado de lado por diversas produtoras e com as vendas desabando cada
vez mais, a má situação do console vem tirando o sono de nintendistas
espalhados pelo globo. Mas será que isso realmente é o grande apocalipse que
Michael Pachter e seus seguidores profetizam desde que a Nintendo produzia
baralhos ou a gigante nipônica ainda tem diversas cartas na manga? Uma provável
resposta pode ser encontrada em um passado não muito distante da empresa.
Mudança de rumos
A Nintendo sempre foi conhecida por ser uma empresa
extremamente conservadora e tradicional, principalmente durante a gestão de
Hiroshi Yamaushi, até o ano de 2002. Apesar de inovar com acessórios jamais
imaginados e gráficos de ponta, a empresa dificilmente tentava fugir de sua
tradicional cartilha: um hardware de qualidade acompanhado das principais
franquias da empresa. Entretanto, tudo começou a mudar quando Satoru Iwata
assumiu a presidência da empresa. Com novas ideias e a missão de trazer a
Nintendo de volta ao topo após sucessivas derrotas para a Sony, o executivo
decidiu adotar uma estratégia diferente, para assim reconquistar os jogadores.
GameCube: o melhor console que quase ninguém liga |
Deste movimento, nasceram o Nintendo DS e o Wii, dois
consoles que apresentavam conceitos jamais vistos e que se distanciavam completamente
do que era apresentado pela concorrência, que se limitava a evoluir o poderio
de seus consoles e manter a mesma estrutura de negócio. O resultado é bem
conhecido por todos: grandes fenômenos de vendas, os DS e o Wii não só
trouxeram a Nintendo de volta ao topo, como também criaram tendências
completamente novas à indústria. Presenciamos uma era em que os videogames
deixaram de ser uma forma de entretenimento de nicho e passaram a integrar as
salas das famílias de todo o mundo.
O DS simboliza uma mudança radical na estratégia da Nintendo |
Dado o fenômeno de vendas dos dois consoles, a expectativa sobre os próximos passos da Nintendo eram enormes, já que ela novamente ditava os rumos e tendências da indústria. Finalmente, em 2010, a empresa deu seus primeiros passos em seus novos produtos. O primeiro deles foi o 3DS, portátil que sucederia o reinado do DS, apresentando gráficos incríveis e a capacidade de gerar imagens tridimensionais sem a necessidade de óculos especiais. Com a promessa de uma line up incrível, o console foi extremamente bem recebido por toda a comunidade gamer, mas algo de errado aconteceu.
O Wii foi o responsável por trazer a Nintendo de volta ao topo |
Lançamento difícil
Lançado em 2011 por 250 dólares, o 3DS foi considerado por
muitos um console muito caro para o que oferecia. A line up de lançamento não
possuía nem um terço dos títulos anunciados em 2010 e o efeito 3D causava
estranheza para muitos jogadores, o que acabava minando todo o marketing criado
para o console. Como se não bastasse, diversas notícias afirmavam que o efeito
tridimensional poderia fazer mal para crianças menores de sete anos (o que
forçou a Nintendo a colocar um aviso na capa de todos os seus jogos).
Orgulhoso, Iwata mostra o sucessor do DS pela primeira vez |
Para piorar ainda mais a situação, os jogos prometidos para
a janela de lançamento do console estavam sendo adiados ou cancelados e a loja
virtual prometida para o lançamento do portátil não havia sido lançada, mesmo
depois de um mês de seu lançamento. Com tantos problemas, a Sony aproveitou o
momento para dar algumas informações quanto ao lançamento do PSVita, sucessor
do PSP. Com um hardware muito mais robusto, uma line up aterradora e
funcionalidades incríveis, a empresa deu o que pareceu ser o golpe de
misericórdia no portátil natimorto da Big N com o anúncio do preço do aparelho,
que seria o mesmo do 3DS.
Mega Man Legends 3 era umas das promessas do 3DS que nunca foram lançadas |
O resultado não poderia ser diferente: as vendas do 3DS
despencaram ainda mais e a onda de cancelamentos de jogos se intensificou
absurdamente. Todos os dias nos deparávamos com notícias negativas do portátil,
por sua falta de jogos, jogabilidade ruim graças à falta de um segundo
analógico e o preço altíssimo por um produto teoricamente muito inferior a seu
concorrente. Analistas catastrofistas começaram a prever o fim do reinado da
empresa no ramo dos portáteis e, outros, até profetizavam que a Nintendo cedo
ou tarde teria que ceder e deixar a indústria. Como eles se enganaram.
Kid Icarus Uprising sofreu inúmero adiamentos |
A monstruosa recuperação
O primeiro passo para se resolver um grande problema é ter
humildade para admitir sua existência. Aparentemente, no caso do 3DS, a
Nintendo pegou essa máxima e levou ao pé da letra. Claramente abalado com a
situação, Iwata começou a confabular formas de trazer o portátil novamente aos
holofotes da indústria, e a estratégia foi pesada. Primeiramente, os serviços
online do console começaram a ser lançados. O eShop chegou com força total,
contando com toda a biblioteca do DSiWare e a estreia do Virtual Console em um
portátil. Os constantes lançamentos faziam com que os jogadores sempre
retornassem em busca de novos e excelentes títulos para sua coleção. Mas isso
foi só a ponta do iceberg: para a supresa de todos, o console sofreu um corte
de 30% em seu preço, algo jamais visto em toda a história da empresa. Para
compensar os jogadores que haviam comprado o console antes do corte, a Big N
tornou-os embaixadores e os presenteou com nada menos do que 20 títulos que
incluíam Metroid, Zelda e todas as principais franquias da empresa em seus
títulos para NES e GBA.
Os primeiros compradores do 3DS ganharam um presentão! |
Com a queda de preço, as vendas começaram a crescer, mesmo
que não da forma esperada. Isso por que a E3 ainda não havia chegado: para
fechar sua estratégia com chave de ouro, a empresa anunciou uma quantidade
arrasadora de títulos de altíssima qualidade para o console. Os jogos seriam
lançados em um curtíssimo período de tempo com periodicidade praticamente
mensal. Em menos de seis meses o console recebeu títulos como The Legend of
Zelda: Ocarina of Time 3D, Star Fox 64 3D, Pushmo, Metal Gear Solid 3: Snake
Eater 3D, Resident Evil: The Mercenaries 3D e ainda fechou o ano de 2011 com
chave de ouro com o lançamento de Super Mario 3D Land e Mario Kart 7. A
avalanche de títulos não parava por aí: para 2012, o portátil contava com
diversos jogos anunciados já para os primeiros meses do ano, e a frequência de
lançamentos de peso vem se mantendo até hoje, dois anos depois do início do
movimento. Hoje, o 3DS é um portátil com vendas excelentes e uma biblioteca de
jogos invejável e capaz de agradar a qualquer tipo de jogador. O conteúdo
disponível para compra no eShop também é monstruoso e toda semana títulos de
qualidade são incluídos ao incrível catálogo disponível. E agora eu pergunto a
vocês, caros leitores: o Wii U não parece estar seguindo passos próximos ao de
seu irmão portátil?
Super Mario 3D Land é um símbolo da recuperação do portátil |
Wii U: o incompreendido
Assim como o 3DS, o Wii U foi lançado sob a sombra de seu
antecessor, que foi um dos mais bem-sucedidos projetos da Big N. A expectativa
sobre o console era imensa, e o controle, que conta com uma tela sensível ao
toque, um atrativo que empolgava jogadores de todo o mundo. O anúncio do Wii U
foi barulhento e contou com a presença de grandes nomes da indústria
demonstrando apoio incondicional ao console. A Nintendo, mais uma vez, parecia
ter aprendido com seus erros e finalmente teria um console que contaria com um
apoio massivo de third parties. Mas não foi bem o que aconteceu.
O Wii U chegou com a difícil missão de assumir o trono do Wii |
Quando o console foi lançado, no final do ano passado, ele
contava com diversos títulos produzidos por third parties mas, além de ZombiU,
nada era novidade, já que os jogos já haviam sido lançados há algum tempo para
o PlayStation 3 e Xbox 360. Além disso, Nintendo Land, o suposto carro-chefe do
console, não conseguiu, nem de longe, o mesmo nível de aceitação de Wii Sports,
título de lançamento do Wii que servia como tutorial do novo estilo de
jogabilidade proposto pelo console. Como se não bastasse, as análises dos jogos
afirmavam que os títulos eram inferiores às versões para consoles concorrentes
e que o uso do GamePad, principal
atrativo do hardware, não passava de mera perfumaria que, em certos momentos,
mais atrapalhava do que ajudava.
ZombiU foi a única grande novidade da line up de lançamento do console |
Não demorou muito e o interesse pelo console diminuiu. A Big
N, que prometera vários títulos para a janela de lançamento do console, mais
uma vez não cumpriu sua promessa e adiou alguns de seus grandes trunfos por
tempo indeterminado. O fracasso de vendas de títulos de third parties no
lançamento do console também acarretou o abandono do apoio delas ao sucessor do
Wii. A Electronic Arts foi a grande protagonista deste movimento, cancelando
até mesmo o lançamento de seus jogos de esportes que, cá entre nós, costumam
sair até para fornos micro-ondas. Logo, as mesmas notícias do período sombrio
do 3DS começaram a surgir. Sucessivos cancelamentos de jogos, profecias de
falência da Nintendo e vendas risíveis são as principais notícias atuais do
console. Mas até quando?
A EA abandonou completamente o Wii U |
Com uma estratégia muito parecida com a adotada no portátil,
a empresa foi à E3 armada até os dentes. Com uma line up de exclusivos
arrasadora, a empresa novamente anunciou uma enorme quantidade de títulos a
serem lançados em um curto período de tempo com intervalo de menos de um mês
entre cada grande título. Começando por Pikmin 3, lançado há menos de uma
semana, o console receberá até o final do ano títulos como The Wonderful 101,
The Legend of Zelda: The Wind Waker HD, Sonic: The Lost Worlds, Wii Party U,
Donkey Kong Country: Tropical Freeze e finalmente Super Mario 3D World. Isso só
para este ano. Para o ano que vem, promessas como Bayonetta 2, Mario Kart 8, X
e Super Smash Bros. for Wii U, além de jogos em produção que ainda não foram
anunciados, devem assegurar o bom ritmo de lançamentos de qualidade para o
console.
Tropical Freeze é apenas um dos diversos títulos que saem ainda esse ano! |
Coincidências?
Para os que ainda não notaram, a estratégia da Big N é muito
parecida com a adotada no 3DS, e conta até com algumas coincidências (ou não)
bizarras, como o lançamento do remake de um grande jogo da franquia Zelda e com
o ano sendo fechado com o lançamento do segundo título da série 3D Land,
iniciada no portátil. Além disso, a Nintendo vem intensificando a quantidade de
Nintendo Directs para promover seus jogos, que têm seus lançamentos chegando
cada vez mais perto.
Assim como o 3DS, o Wii U receberá um remake de um grande clássico da série Zelda! |
Outro indício da repetição da situação encarada pelo 3DS são
as promessas para o Wii U no ano que vem, que já são muitas e tendem a aumentar
ainda mais no decorrer dos próximos meses. Até mesmo a Sony fez a sua parte
para que a situação se torne ainda mais parecida, com o excelente anúncio do
PlayStation 4 e sua line up arrasadora com um preço moderado. Brincadeiras à
parte, a totalidade dessa situação remete bastante ao que presenciamos há dois
anos.
Para fechar com chave de ouro, a sequência de Super Mario 3D Land será lançada ainda este ano no Wii U! |
Futuro promissor?
Ainda é cedo para dizer que o Wii U conseguirá protagonizar
a mesma reviravolta vivida pelo 3DS, mas os indícios para que isso aconteça não
param de aumentar. Com os lançamentos previstos até o final deste ano, a
tendência é que as vendas aumentem bastante, de maneira que as desenvolvedoras
voltarão a dar a devida atenção ao console. No momento, a Nintendo deve se
focar apenas em trazer experiências únicas que justifiquem a compra de seu novo
produto. Conseguindo realizar o objetivo, assim como ocorreu com o 3DS, a
empresa pode voltar a investir na relação com as third parties, que só voltarão
quando sentirem que o console é uma aposta sólida que pode render bons frutos.
E a resposta quanto ao sucesso desta estratégia só será dada daqui a alguns
meses, os que provavelmente serão os mais importantes de toda a vida do novo
console da Nintendo. Aguardemos...
Revisão: Vitor Tibério
Capa: Daniel Machado