Conhecido como "musiquinha de videogame", o chiptune evoluiu ao ponto de ganhar prêmios no Grammy junto de mídias visuais como o cinema. Infelizmente, ainda há muitos que não veem videogames como arte, muito menos suas músicas. Mas e quando óperas e orquestras estão envolvidas no desenvolvimento da trilha sonora de jogos? Ou quando o esforço para trabalhar naquelas músicas envolvem dezenas de profissionais do cenário musical? Vamos entender melhor a história da longa batalha que os games tiveram de enfrentar para merecer o reconhecimento que tem hoje dentre grandes compositores.
Arte, cultura e talento
Organizar sons e silêncio é uma arte. Arte essa que está enraizada em diversas culturas, mesmo que não intencionalmente. De certo modo, nós somos música, como exemplo, nós podemos parar para ouvir o ritmo de nosso coração, lá nós encontramos um andamento, um compasso e uma musicalidade. Podemos não dar tanta importância para a música em nosso dia a dia, mas é inegável que ela está em todo lugar.E nos games isso não muda. Seja o som de confirmação ao selecionar uma opção, a música de fundo de uma fase, ou o som de termos acertado um golpe em um oponente, está tudo lá. E é essa sinergia entre o áudio e o visual que resulta na imersão. Ou vocês pensam que apenas o cenário claustrofóbico de "Resident Evil" (PlayStation, 1996) é suficiente para fazer xixi nas calças? A harmonia da música com outros elementos do game é essencial para que possamos tirar maior proveito da proposta apresentada pelo desenvolvedor.
Combinando as peças
Não é incomum ter músicas antigas de games que jogamos em nossa infância ainda fixadas em nossas mentes, e eventualmente lembrarmos delas em momentos que aparentemente não tragam relação alguma à elas. E como isso acontece? Grosso modo, música é basicamente uma combinação de notas, regendo o som e o silêncio. Dessa maneira, é comum que nosso cérebro reconheça uma nota e "complete" a sinfonia com nossa memória auditiva. Estruturas mais simples como podemos encontrar em Space Invaders ou Pac-man, até as mais complexas que encontramos em Shadow of the Colossus ou Xenogears.Koji Kondo |
"Há três pontos fundamentais para o áudio de um jogo: ritmo, equilíbrio e interatividade", afirmou Kondo, durante sua palestra. O ritmo trabalha em harmonia com a jogabilidade, caso o contrário, é apenas um enfeite sem propósito nem mesmo de enfeitar. Nesse ponto podemos encontrar pequenos detalhes como o ritmo acelerado quando estamos correndo (a trilha sonora de F-Zero X do Nintendo 64 flertando com a temática do game) ou reação de efeitos musicais (tensos ou suaves) dada em momentos mais pesados ou mais leves. No que concerne o equilíbrio, temos músicas de fundo adequadas para cada situação. A luta contra o campeão da liga pokémon em Pokémon Gold & Silver, o momento em que Aeris é morta por Sephiroth em Final Fantasy VII, o momento em que Link torna-se adulto em The Legend of Zelda: Ocarina of Time. Vocês podem não ter dado tanta importância, mas acreditem, a música teve um papel fundamental nestas ocasiões. A interatividade é o mais importante dos três. Como o título já indica, é a ideia de fazer a música ambiente interagir com as ações do jogador. Nesse aspecto temos a música ficando acelerada em Sonic: The Hedgehog quando estamos ficando sem oxigênio. Temos também as notas tocadas ao pegar um cogumelo nos games do Mario.
O início do cenário que conhecemos hoje
A ousadia de Kondo aguçou a criatividade de Koichi Sugiyama (Dragon Quest) e Nobuo Uematsu (Final Fantasy) anos depois. E nesse cenário temos Ghost 'n Goblins, Fire Emblem, Mega Man e o divino Chrono Trigger. Diferente do processador do NES, no SNES nós tínhamos o Sony SPC700 que, além de ser capaz que reproduzir som estéreo (pode parecer ridículo para crianças de hoje, mas isso era o futuro naquela época) tinha oito canais de áudio, o dobro do NES. Sendo que dos quatro canais de áudio do NES, apenas três desses podiam reproduzir música, sendo um dedicado apenas para breves efeitos sonoros.Com a chegada do PlayStation e sua nova mídia, muitos limites foram quebrados. A capacidade de armazenamento do CD era imensamente superior ao cartucho. Tanto que Final Fantasy VII, inicialmente projetado para o Nintendo 64, mudou o curso para o PlayStation no meio do caminho. É aqui que temos a música sútil induzindo aos medos de Silent Hill e temas memoráveis como Scars of Time de Chrono Cross.
Há dúvidas de que videogame é arte? Se você ainda não prestou atenção na trilha sonora dos games que joga, essa é uma ótima hora para investir um pouco mais de atenção nesse aspecto do game e ter a oportunidade de desfrutar melhor a sua experiência. Esses são apenas alguns breves motivos. Mesmo que não tenha sido citado o trabalho de Yuzo Koshiro em Streets of Rage, a trilha sonora de Mother, ou grandes mestres como Hirokazu Tanaka e Yasunori Mitsuda, dentre tantas outras coisas que podemos abordar, um fato é evidente: Game Music é muito além do que aquele toque de celular que sua amiga usa.
Revisão: Leonardo Nazareth