Neste mês de outubro faz quinze anos desde que uma das mais brilhantes mentes da indústria dos videogames nos deixou. Estou falando do homem por trás de algumas das maiores revoluções da história da Nintendo, e que hoje é lembrado apenas como "o cara que criou o Virtual Boy". Oriundo da Doshisha University, no Japão, ele precisou trilhar seu caminho a partir do setor de faxina da Nintendo, para, só mais tarde, ocupar seu posto no topo da divisão de pesquisa e desenvolvimento da citada empresa. A coluna Developers de hoje apresenta a vida e a obra de Gunpei Yokoi, um artista simples, visionário, muito criativo e que merece bem mais do que a já citada frase infame em seu epitáfio.
Quem arrisca vence
Nascido em 10 de setembro de 1941 e morto em 04 de outubro de 1997, Gunpei Yokoi foi um verdadeiro gênio. Seu nome representava para a Nintendo o mesmo que nomes como Shigeru Miyamoto, e a razão disso era simples: Yokoi era um senhor audacioso. Como outros gênios, ele não se limitava a pensar dentro de um conjunto de normas preestabelecidas, ele criava as próprias regras. Essa característica é tão marcante em sua vida que, graças a ela, Yokoi foi do topo para o fundo do poço.
Antes de falarmos das tragédias que cercaram seus últimos dias, vamos lembrar os momentos de glória.
A sua relação com a Big N começou muito cedo, ainda na época "pré-Game & Watch". Falando em Game & Watch, você sabia que foi Yokoi quem inventou o famigerado D-Pad (o famoso direcional em forma de cruz) e, literalmente, mudou a direção de toda a indústria?
A sua relação com a Big N começou muito cedo, ainda na época "pré-Game & Watch". Falando em Game & Watch, você sabia que foi Yokoi quem inventou o famigerado D-Pad (o famoso direcional em forma de cruz) e, literalmente, mudou a direção de toda a indústria?
Tudo começou ainda nos primeiros anos da década de 1970, quando o então presidente da Nintendo, Hiroshi Yamauchi, descobriu o talento de Gunpei Yokoi em uma fábrica das antigas cartas Hanafuda, a principal fonte de renda da Nintendo na época. O talento em questão era referente à habilidade de Yokoi com alguns brinquedos que ele mesmo fabricava – vale lembrar que, na época, ele era apenas o "homem da faxina e da manutenção". Como grandes talentos logo se tornam notáveis, Yamauchi decidiu investir em Yokoi, e assim surgia o novo brinquedo da Nintendo, a Ultra Hand (imagem ao lado), uma espécie de braço mecânico que rapidamente se tornou uma febre no Japão. A partir de então, Yokoi passou a trabalhar na produção de novos brinquedos para a série Ultra, que ainda incluía uma Ultra Machine e uma Ultra Scope.
No entanto, os planos da Nintendo mudariam alguns anos mais tarde. Baseado no sucesso da versão caseira de PONG, Hiroshi Yamauchi decidiu que a Big N agora iria fabricar videogames, e que Gunpei Yokoi teria uma participação importante nessa nova história. A ele foi dada a liderança de um time de desenvolvimento e pesquisa conhecido como Nintendo R&D1, ou Nintendo Research & Development 1, que teria como missão desenvolver um dispositivo capaz de ditar os rumos da Nintendo dali em diante. Essa era a oportunidade para Yokoi se reinventar, e foi isso o que ele fez. Pegando a inspiração em uma calculadora LCD, surgia o Game & Watch, uma das linhas de videogames portáteis mais populares da história. A ideia era criar uma pequena máquina, semelhante a uma calculadora, que fosse capaz de rodar um único jogo pré-programado e que servisse como um bom passatempo. Por ser um aparelho muito pequeno, a inclusão de um joystick era quase impossível. Não se prendendo às limitações, Gunpei Yokoi arriscou e inventou o D-Pad, um dos maiores trunfos da Nintendo nos primeiros anos no segmento de videogames.
Mas nem só de hardware vivia Gunpei Yokoi. Com o respaldo adquirido ao longo dos anos, ele ganhou importância também na fabricação de softwares. A própria R&D1 era a casa dessas produções, que incluíam os "gêmeos" Metroid e Kid Icarus, dois clássicos produzidos por Yokoi que possuem mais semelhanças que diferenças. Além disso, antes mesmo do sucesso alcançado pelo NES, Yokoi já estava envolvido em grandes projetos, atuando como mentor de Shigeru Miyamoto (olha o nível do cara), auxiliando-o em projetos renomados como as versões para arcades de Donkey Kong e Mario Bros.
Game Boy e a consagração
Apesar de todos os feitos citados anteriormente, nada havia sido tão importante na consolidação da carreira de Gunpei Yokoi como o Game Boy. Pra quem não sabe, Yokoi é simplesmente o criador da maior linha de portáteis da história (me desculpe, Nintendo DS).
Lançado em 1989, o Game Boy é resultado da união dos esforços de Yokoi, Satoru Okada e mais 45 membros da Nintendo R&D1. O portátil pode até não ter sido o primeiro da história, mas é, sem dúvida, o mais importante deles. A linha Game Boy simplesmente dominou o mercado do primeiro ao último lançamento, sem que houvesse ao menos um concorrente à altura.
E graças ao sucesso do Game Boy, Gunpei Yokoi ganhava cada vez mais espaço na Nintendo, o que permitiu que ele e seu time desenvolvessem um projeto ainda maior: o Virtual Boy. A ideia era muito nobre. O Virtual Boy deveria ser um "portátil" capaz de uma revolução semelhante à do Game Boy, dessa vez envolvendo a realidade virtual e o 3D. Mas a realidade foi outra. Após três anos e meio desenvolvendo o maior projeto de sua vida, ao lado dos, agora, 60 membros da Nintendo R&D1, o Virtual Boy chegou às prateleiras, mas não agradou. A imprensa foi dura, com críticas que ultrapassaram a barreira do respeito, e a relação entre Gunpei e Nintendo tornou-se muito delicada. Tentando afastar a péssima imagem do Virtual Boy, a Big N decidiu focar no Nintendo 64. Com a falta de apoio, o "portátil" avermelhado acabou tendo uma das mortes mais prematuras da indústria, uma decepção enorme para o mestre Gunpei, que tomou todas as críticas como pessoais.
Virtual Boy e o trágico fim de uma carreira brilhante
Os anos finais da vida de Yokoi foram cercados de tragédia. O homem que já havia experimentado alguns fracassos na vida (como o inútil R.O.B.) precisou enfrentar uma série deles antes de se despedir.
O primeiro grande baque ocorreu com a sua saída da Nintendo, após 31 anos na empresa. Gunpei estaria sendo acusado de ser o responsável pelo fracasso do Virtual Boy e tinha outros planos para o futuro. Seu último grande projeto na Big N foi o bem sucedido Game Boy Pocket. Porém, nem isso foi suficiente para evitar que a reputação de Yokoi saísse abalada dessa história. O Virtual Boy tornou-se motivo de piada pelo mundo a fora e a Nintendo decidiu fingir que o produto nunca existiu, sem ao menos dar uma chance para ele lançando um jogo de alguma grande franquia.
Fora da Nintendo, Yokoi criou sua própria empresa, a Koto. Alguns dos empregados da nova empresa eram seus seguidores que também deixaram a Nintendo. Por lá, ele liderou o desenvolvimento de um portátil que viria a competir contra sua criação em tempos de Nintendo: o Bandai WonderSwarn.
No entanto, o destino foi cruel com o grande Gunpei Yokoi, que sonhava com sua empresa no topo do entretenimento infantil. O fim do sonho e de uma carreira memorável veio quando ele tinha apenas 56 anos. Foi na movimentada Hokuriku Expressway, no Japão, que um acidente de trânsito surreal tirou a vida de um revolucionário. Gunpei Yokoi morreu desacreditado, longe da casa que o consagrou e que ele ajudou a consagrar. Ao invés dos elogios que merecia, apenas piadas maldosas sobre seus últimos fracassos. Uma tragédia sem precedentes. Ele nem ao menos pôde ver sua última criação sendo concretizada.
O fim da história não podia deixar de ser triste. Gunpei Yokoi perdeu tudo aquilo que construiu na vida, nem o reconhecimento lhe foi dado. Da Nintendo, apenas algumas homenagens singelas, como a inclusão de suas criações nos jogos da série WarioWare, que, diga-se de passagem, é menosprezada.
Mesmo assim, Gunpei Yokoi recebeu diversos prêmios póstumos, como o Lifetime Achievement Award da International Game Developers Association de 2003 e a inclusão de seu nome em diversas listas de "Melhores desenvolvedores ou criadores".
O que nos resta é celebrar as inúmeras contribuições desse gênio, e agradecer a ele pelas maravilhosas lembranças de infância proporcionadas por essas contribuições. Muito obrigado, Gunpei Yokoi.
Revisão: Luigi Santana