A maioria dos nintendistas conhece muito bem o trabalho desenvolvido pela Camelot Software Planning. Quem já jogou algum game de golfe ou tênis do Mario lançado nos últimos 15 anos, ou um RPG da série Golden Sun, já teve a oportunidade de apreciar um dos muitos jogos criados por essa desenvolvedora. Mas nem sempre a Camelot teve essa vida fácil, com uma empresa como a Nintendo, que a valoriza e ajuda. Anos antes de desenvolver para a Big N, a Camelot já despontava no mundo dos games e vale a pena conferir como foi a sua dura jornada.
Sega Consumer Development Studio #4
A Camelot é conhecida hoje em dia por ser uma desenvolvedora que trabalha apenas para a Nintendo, mas antes disso, em 1990, ela foi fundada como uma divisão da Sega, então concorrente direta da Big N, não só em jogos como em consoles também.
O seu nome de batismo, Sega Consumer Development Studio #4, foi alterado em 1991 para um mais parecido com o que possui hoje, Sonic! Software Planning (SSP). Essa mudança teve um objetivo específico, o de criar um jogo para Mega Drive (MD) chamado Shining in the Darkness - que viria a se tornar uma série e marca registrada da SSP - juntamente com a Climax Entertainment.
O presidente da empresa, até hoje, é o Hiroyuki Takahashi, que trabalhara desenvolvendo jogos da série Dragon Quest, em especial o IV (não seria por falta de experiência que o jogo iria fracassar). Ele convidou o seu irmão mais novo, Shugo Takahashi, para fazer parte da equipe e ser vice-presidente. Trabalham juntos desde então.
Um brilho na escuridão
O desenvolvimento da série Shining Force coincidiu com grandes mudanças da própria Sega. Com muitas alterações na sua diretoria e na forma de pensar, a criadora de Sonic acabou por não valorizar a equipe de Hiroyuki como eles mereciam.
Shining in the Darkness foi um sucesso e o jogo seguinte, Shining Force (MD, 1992), foi ousado em seu desenvolvimento. O objetivo era criar um RPG diferente daqueles que existiam até então, valorizando o que os demais não faziam bem: as batalhas. Hiroyuki tinha em mente se basear na fórmula de lutas de Dragon Quest e deixá-la mais divertida. E foi com esse pensamento que o jogo foi criado.
O trabalho árduo da equipe foi recompensado com ótimas críticas e vendas excelentes. Até mesmo Hiroyuki ficou surpreso com a sua capacidade como desenvolvedor. Seria natural que a Sega resolvesse dar um maior apoio para um time vencedor como esse, mas não foi o que ocorreu. A Sega havia gradualmente se transformado em uma mega corporação, deixando de ser uma "empresa verdadeiramente orientada para softwares", como dissera Hiroyuki. E como os irmãos Takahashi sempre prezaram pela liberdade no desenvolvimento de seus jogos, acabaram por serem deixados de lado da linha principal.
Ao produzirem Shining Force II (MD, 1993), a equipe já estava completamente alterada, e os Takahashi se viram rodeados de desenvolvedores iniciantes que, apesar de terem um bom potencial, não tinham experiência em produzir jogos. Ainda assim, com a liderança de Hiroyuki, eles cresceram juntos como um time e, apesar dos pesares, conseguiram se virar muito bem. Essa situação de descaso da Sega continuou nas produção dos jogos seguintes da franquia, que passaram por diversos consoles (Game Gear e Mega-CD) até o seu último jogo para um console da Sega, em 1998, com Shining Force III, do Sega Saturn.
Rebatismo
A separação da Sega era inevitável, e em 1995 o esperado ocorreu, a empresa foi mais uma vez batizada, mas de forma definitiva, passando a se chamar como nós a conhecemos bem: Camelot Software Planning, e a ter o tradicional castelo como símbolo, deixando o Sonic para trás de vez.
Mesmo com o "divórcio", a Camelot concordou em continuar produzindo a série Shining Force para a Sega, honrando um compromisso de não criar jogos para consoles concorrentes que prejudicassem a franquia. Apesar de que hoje em dia podemos encontrar Shining Force até mesmo em consoles da Nintendo (pelo Virtual Console), maior concorrente da Sega na época. Mas se até o Sonic se rendeu à Big N, não há porque se falar mais em concorrência entre as empresas, os tempos são outros. A "guerra" acabou!
Em busca da Távola Redonda
Depois de se tornarem uma empresa completamente independente, a Camelot precisava de novos ares. Diante disso, os irmãos Takahashi, em 1997, resolveram criar jogos inspirados em uma de suas paixões, o golfe. O resultado foi Hot Shots Golf (Everybody's Golf, na Europa), para o PlayStation.
O jogo foi um sucesso, tanto que virou uma franquia com diversos outros títulos. Entretanto, apenas o primeiro foi desenvolvido pela Camelot. O time envolvido na produção do jogo, encabeçado por Masashi Muramori, separou-se para criar uma empresa independente, a Clap Hanz, que negociou com a Sony e criou os demais jogos da série.
Depois de mais uma decepção com uma empresa de consoles, a Camelot outra vez teve que procurar por uma nova casa. Para sorte de todos, principalmente dos jogadores, ela encontrou o lugar ideal, uma empresa que valoriza o seu trabalho, que não apenas produz hardware, como também é a maior produtora de games do mundo, finalmente os "cavaleiros" de Camelot chegaram à Nintendo.
Esportes de elite
A Camelot considera-se como uma empresa especializada em desenvolver RPGs, mas ao adentrar o mundo nintendista, os Takahashi resolveram primeiro criar um jogo de golfe para ganhar experiência de desenvolvimento no Nintendo 64 (N64).
O seu primeiro jogo na Nintendo foi Mario Golf (N64, 1999). Também podemos considerá-lo como o primeiro game da era moderna de jogos de esporte do Mario, tendência seguida por diversos outros títulos de variados esportes.
A ideia era usar os personagens da franquia Mario em um game simples, de jogabilidade fácil e viciante, do tipo que não precisa muito tempo para aprender. Com uma fórmula dessas o resultado não poderia ser outro que não fosse o sucesso - tanto de vendas como de crítica.
Juntamente com a versão para o N64, a Camelot criou o Mario Golf para o Game Boy Color (GBC), introduzindo uma das características mais marcantes da franquia: elementos de RPG. Mas ele aparece apenas nos portáteis. O motivo, segundo os Takahashi, é que os elementos de RPG são mais apropriados para uma experiência solo mais profunda, o que encaixa melhor no conceito dos jogos portáteis, enquanto os consoles de mesa prezam pela experiência multiplayer, possibilitando a reunião de toda a família em frente à TV.
No ano seguinte, a Camelot repetiu a fórmula de sucesso em um novo esporte de elite: o tênis. Usou a mesma política de simplicidade dos controles com visual típico de Mario e, da mesma forma que fez com o golfe, a sua versão para GBC trouxe elementos de RPG. A mesma política bem sucedida nos games de golfe e tênis do Mario continuou na geração seguinte, no GameCube (GC) e Game Boy Advance (GBA), com a versão para portátil com características de um RPG.
Na geração atual, a Camelot apenas fez um port de Mario Power Tennis (GC, 2003), para valer-se dos controles de movimento do Wii. Já para o Nintendo 3DS, ela caprichou em um jogo novo, Mario Tennis Open (3DS, 2012), mas, para surpresa de todos, sem o tradicional modo de RPG característico das versões portáteis.
A Camelot também se juntou à Capcom para fazer um jogo exclusivo, We Love Golf! (Wii, 2007) - um nome bem apropriado, considerando a paixão dos Takahashi pelo esporte. O plano inicial era criar um jogo estilo Mario Golf, usando personagens da Capcom, que por sua vez preferiu um jogo original da própria Camelot. Para não passar em branco, foram criadas algumas roupas de personagens da Capcom para desbloquear. O resultado foi um game divertido que fez um ótimo uso dos controles de movimento do Wii. Mais uma parceria que deu certo para a Camelot.
A chegada do Sol Dourado
A Camelot já havia acumulado bastante experiência de desenvolvimento em consoles Nintendo em 2001, quando fora lançado o novo portátil da Big N, o Game Boy Advance (GBA), e, apenas cinco meses depois, ela finalmente lançou o seu primeiro RPG para a empresa do Mario: Golden Sun.
Não apenas foi o primeiro RPG da Camelot em um console da Nintendo, como também o primeiro do GBA. Tratava-se de um jogo completamente original, em uma época em que a maioria dos jogos para o novo portátil eram ports do Super Nintendo. O game fez um excelente uso de toda a capacidade que o novo hardware tinha a oferecer, com visual 2D (pseudo 3D) semelhante a Donkey Kong Country, muito bonito.
A Camelot colocou toda a sua experiência com RPGs em Golden Sun e o resultado foi um completo sucesso, de venda e crítica, angariando uma legião de fãs. Como era de se esperar, o jogo tornou-se uma franquia e a sequência não demoraria muito a vir.
Dois anos depois, em 2003, novamente Golden Sun viria a ajudar um novo console da Nintendo em sua estreia, dessa vez era o Game Boy Advance SP. E não demorou muito, apenas dois meses após o lançamento do novo hardware e Golden Sun: The Lost Age já estava disponível para os jogadores. Tratava-se de uma sequência direta do seu antecessor, mas sem grandes inovações. A intenção era apenas de continuar a história, não alterando muito nos demais aspectos do jogo. Ainda assim, a crítica e os fãs adoraram.
Um longo período de oito anos se passou entre The Lost Age e o novo lançamento para o Nintendo DS, Golden Sun: Dark Dawn. Os Takahashi ficaram preocupados pelos fãs terem mudado de geração após tanto tempo. Mas apesar de os jogadores estarem mais velhos, continuam gostando e acompanhando as franquias antigas: podemos contar mais um sucesso para a Camelot. A história se passa 30 anos depois do final do jogo anterior, com os filhos dos personagens sendo os protagonistas dessa vez.
Mais jogos da franquia podem ser aguardados, já que a série não está nem perto de ser finalizada, pois os dois primeiros games são considerados apenas como prólogo da história pelos autores. O Sol ainda tem muito o que brilhar nos estúdios da Camelot.
Bravos guerreiros de Camelot
Os irmãos Takahashi passaram por maus bocados no início da empresa, mas eles provaram que para ter sucesso no mundo dos games, basta ter talento para criar jogos interessantes e divertidos, coragem de procurar por novas "terras" e uma Nintendo para dar cobertura (!). Finalmente a Camelot pode fixar o seu castelo e continuar a conquista de muitos outros territórios.
Curiosidades
- Waluigi foi criado por Fumihide Aoki, um funcionário da Camelot, e é dublado pelo próprio Charles Martinet. Sua primeira aparição foi em Mario Tennis (N64, 2000).
- Waluigi segura o símbolo da Camelot durante a abertura de Mario Golf: Toadstool Tour (GC, 2003).
- No logotipo de We Love Golf! (Wii, 2007) tem o castelo símbolo da Camelot.
- Os irmãos Takahashi jogam golfe pelo menos duas vezes ao mês. O handicap de Hiroyuki é 13 e o de Shugo, 8. Quanto menor o handicap, melhor o jogador.
- Um fã de Golden Sun inventou um boato em 2007 que o novo jogo da série estaria para ser lançado no Nintendo DS e se chamaria Golden Sun: The Solar Soothsayer. Até mesmo imagens do jogo em um DS Lite foram criadas. Muitos acreditaram, até que a farsa fosse desmentida por fontes oficiais. O autor da brincadeira, apenas conhecido como Opium, disse que a intenção era levantar uma discussão sobre o próximo jogo da série, que já estava em um hiato de cinco anos.
Jogos lançados pela Camelot
- Shining in the Darkness — 1991 (Mega Drive/Genesis)
- Shining Force — 1992 (Mega Drive/Genesis)
- Shining Force Gaiden — 1992 (Sega Game Gear)
- Shining Force Gaiden II: Sword of Hayja — 1993 (Sega Game Gear)
- Shining Force II — 1993 (Mega Drive/Genesis)
- Shining Force CD — 1994 (Mega CD)
- Shining Force Gaiden: Final Conflict — 1995 (Sega Game Gear)
- Shining Wisdom — 1995 (Sega Saturn)
- Beyond the Beyond — 1995 (PlayStation)
- Shining the Holy Ark — 1996 (Sega Saturn)
- Everybody's Golf (Hot Shots Golf) — 1997 (PlayStation)
- Shining Force III — 1997 (Sega Saturn)
- Shining Force III Scenario 2 — 1998 (Sega Saturn)
- Shining Force III Scenario 3 — 1998 (Sega Saturn)
- Shining Force III Premium Disc — 1998 (Sega Saturn)
- Everybody's Golf — 1998 (PlayStation)
- Mario Golf — 1999 (Nintendo 64, Game Boy Color)
- Mario Tennis — 2000 (Nintendo 64, Game Boy Color)
- Golden Sun — 2001 (Game Boy Advance)
- Mobile Golf - 2001 (Game Boy Color)
- Golden Sun: The Lost Age — 2003 (Game Boy Advance)
- Mario Golf: Toadstool Tour — 2003 (Nintendo GameCube)
- Mario Golf: Advance Tour — 2004 (Game Boy Advance)
- Mario Power Tennis — 2004 (Nintendo GameCube)
- Mario Tennis: Power Tour — 2005 (Game Boy Advance)
- We Love Golf! — 2007 (Wii)
- New Play Control! Mario Power Tennis - 2008 (Wii)
- Golden Sun: Dark Dawn - 2010 (DS)
- Mario Tennis Open - 2012 (3DS)
Revisão: Rafael Neves
*Essa matéria foi lançada originalmente na Revista Nintendo Blast #32.