Aproveitando a mesma mecânica FPS de Turok (N64), a Iguana Entertainment dá vida a um novo jogo de tiro. Ao invés de controlar um homem musculoso numa constante caça a dinossauros, somos colocados na pele de 4 crianças que deveriam lavar a boca com muito sabão. South Park é a versão para videogames de um desenho animado homólogo. Tudo bem que não é o melhor FPS do N64, mas é a melhor adaptação até agora das aventuras vividas por Stan, Kyle, Cartman e Kenny e seus temas sempre loucos e imprevisíveis. Desculpe o spoiler, mas aqui vai: Kenny morre no final. Ops…
Para quem não conhece a série “South Park”, trata-se de um desenho animado feito pelos americanos Trey Parker e Matt Stone que narra a vida de 4 crianças e sua incrível habilidade de se meter em problemas – que vão de invasões da criatura das trevas Cthullu a encontros com fezes que ainda preservam o espírito natalino. Em suas atuais 15 temporadas, o seriado ganhou diversos prêmios em suas contantes críticas aos hábitos americanos, mas seu diferencial talvez seja o fato de não censurar qualquer tipo de palavrão ou temas adultos, como sexo, drogas, violência exagerada e coisas nojentas.
O jogo South Park é de 1998, quando as duas primeiras temporadas da série tinham sido as únicas lançadas. A trama segue o nível de esquisitice e grandiosidade dos capítulos da versão animada: um gigante cometa cai sobre a cidade South Park, no Colorado, causando sérias consequências, tais como vacas assassinas, robôs, aliens e brinquedos animados homicidas, mas principalmente perus mutantes. Prepare-se para pulverizar cada uma dessas criaturas no controle de uma das quatro crianças da 3ª série: Stan, Kyle, Kenny ou Cartman.
“I’m going down to South Park, I’m gonna have myself a time”
Como já dito, South Park faz uso da mecânica FPS de Turok e Turok II: Seeds of Evil (N64). Nesse quesito, o jogo funciona muito bem e é muito interessante ver que uma adpatação de desenho animado não virou um mero jogo de plataforma ou aventura genérico. Em sua missão de destruir perus e outras ameaças esquisitas, você dispõe de uma série de armas. Inicialmente, você tem apenas bolas de neve para lançar, as quais são infinitas, uma vez que a cidade de South Park é repleta de neve. Com o tempo, novas armas vão sendo adquiridas, essas com munição limitada. O arsenal conta com bolas de queimada, bonecos dos astros canadenses do universo de South Park Terrance e Phillip e até um lança-vacas-explosivas.
Os inimigos também são bem estranhos. Na maioria das vezes, você enfrentará hordas e mais hordas de perus incrivelmente irritantes. Se o “gu-glu-glu” não fosse importante para prever um ataque inimigo, tenho certeza de que você colocaria a televisão no mudo. Em outros estágios, há outros inimigos, como clones e brinquedos assassinos, passando por vacas homicidas e aliens. Apesar dessa variedade, o jogo é extremamente repetitivo e, depois que sensação cômica de mergulhar no mundo de South Park passar, você estará jogando um game monótono. Embora Chef seja seu guia, não há qualquer complexidade nas missões dadas aos garotos, simplesmente vá e destrua tudo o que vir pela frente. Não há nenhuma diferença na escolha do personagem principal. Embora cada um traga suas particularidades na série, como a grosseria de Cartman e o senso de justiça de Stan, todos trazem o mesmo gameplay, fazendo a opção de personagem ser meramente uma escolha de gosto.
Animação péssima, game razoável
Por mais que esse seja o charme da série animada, não há como dizer que o estilo artístico de South Park é simples e, por vezes, tosco. Estranhamente, a Iguana Entertainment optou por um visual poligonal na adaptação para N64 ao invés de reciclar o estilo 2D do desenho animado. Ainda mais surpreendente foi ver que funcionou muito bem e South Park trouxe gráficos 3D muito bons para a época e que conseguiram reproduzir significantemente bem o estilo adulto do seriado. Já na introdução do game, somos apresentados a uma cena em que o mascote da desenvolvedora - obviamente uma iguana - devora a cabeça de Kenny, fazendo salpicar sangue na neve branca de South Park. Poucos outros games foram tão despreocupados com censura no N64, com destaque para Conker’s Bad Fur Day.
Na parte sonora, talvez tenhamos uma certa repetição exagerada da música tema, que, embora beire um tom psicodélico, é bem interessante, mas cansa depois de alguns minutos de jogatina. O que realmente merece nossos aplausos é a quantidade de dublagens que o jogo traz. Se você gosta da série South Park, vai adorar explodir perus e vacas aos som das vozes originais dos personagens. É bom ouvir os palavrões de Cartman e até a voz abafada de Kenny. Efeitos sonoros também são bem legais, com destaque para os sons de “pum” ao escolher uma opção nos menus do game.
4 amigos ou inimigos?
Quem vê uma imagem de South Park pode pensar que os quatro personagens principais são grandes amigos que vivem divertidas aventuras juntas. No entanto, acredite: não é. Eles quase nunca se entendem, tratando uns aos outros com pesados palavrões e raramente aceitam voluntariamente uma aventura. Na verdade, seria mais correto dizer que eles se metem em “problemas”, e não “aventuras”. Para piorar, um deles sempre morre no fim. Nesse quesito, o game South Park traz à tona a rivalidade entre os quatro, para não iludir quem pensava que eles matavam perus juntos no modo single player por que são amigos (com exceção da amizade entre Stan e Kyle).
O modo multiplayer de South Park funciona da mesma forma que outros do N64: escolha um personagem, selecione uma fase e mate seus amigos antes de ser morto por eles. Há muitos personagens para serem escolhidos além dos quatro protagonistas, como um alien, Ike, Chef, Mr.Garrison, Big Gay Al e muitos outros. É bem divertido ver personagens que nunca mostraram disposição para batalhas - como a mãe de Cartman - lutarem até a morte contra outros jogadores. As armas assumem um papel importante nas disputas entre os mais variados estágios da campanha single-player adaptados para o multiplayer. Estourar os miolos de seu amigo com o lançador de vacas pode ser divertido, mas é ainda mais hilário transformá-lo em um animal ou fazê-lo dançar a ridícula música de Cartman.
Apesar de retratar bem a esquisitice da série, o modo multiplayer sofre com slowdowns, quedas na taxa de quadros por segundo e outros problemas que farão você trocá-lo por GoldenEye 007 logo depois de testar todas as armas e personagens. Talvez seja melhor jogar a versão para PC, que traz partidas online.
Potencial desperdiçado
Embora agrade razoavelmente aos fãs de South Park, a adaptação para videogames não chega perto dos melhores games para o N64. Se não fosse pelo fator fan-service (aqueles elementos de jogo sem tanta importância para o game em si, mas que agradam os mais fanáticos) e pelos visuais e dublagens, cairia fácil na nossa coluna Blast from the Trash, que já nos apresentou lixos do N64, como Super Man 64 e Carmageddon 64. Um detalhe intrigante é que a Gradient (representante da Nintendo na época) trouxe o game South Park para o Brasil completamente traduzido. Embora tivessem muitos adoradores da série animada por aqui, é algo raríssimo de acontecer mesmo hoje, que jogos já são mais aceitos no país.
South Park foi um dos poucos jogos lançados baseados no desenho animado e, embora não tenha sido bem aceito pela crítica e pelos próprios criadores da série, divertiu por algum tempo quem o jogou e conseguiu ultrapassar 1 milhão de cópias vendidas. A impressão que temos é de que houve fortes intenções de se criar um bom jogo, mas os esforços ficaram focados mais na tentativa de recriar o mundo de South Park em um cartucho de N64, mas desviou-se do caminho certo: fazer um jogo que realmente funcione bem.
Mas os fãs de South Park não devem se desanimar, pois há outro jogo da série sendo produzido atualmente. Desta vez um RPG com acompanhamento dos criadores da série no desenvolvimento. Infelizmente, nenhuma plataforma Nintendo está entre as anunciadas para o lançamento de South Park: The Game, mas quem sabe não role uma versão para Wii U ou 3DS, não é?
Revisão: Alberto Canen