Volta e meia alguém aparece dizendo que a Nintendo deveria abrir mão da exclusividade de suas franquias nos seus consoles, liberando Mario e companhia para outras plataformas. Às vezes discutem mais, às vezes menos, mas sempre tem algum analista, redator, acionista ou produtor comentando o assunto. Mas será que a companhia deveria mesmo tomar uma atitude tão drástica?
O que a Nintendo ganharia?
Vamos começar tentando entender os motivos pelos quais algumas pessoas acham que seria melhor para a empresa desenvolver para outras plataformas. O primeiro é a velha história de que os consoles morrerão. Nesta indústria parece que sempre há alguém em estágio terminal, uma hora são os computadores, ou os portáteis, ou então as mídias físicas.
Agora que os serviços de distribuição online, tais como Steam e OnLive, estão em alta e a popularidade de smartphones e tablets chegou a níveis estratosféricos, é comum ouvirmos que dispositivos dedicados a jogos estão condenados. Já havia quem decretasse a morte desses aparelhos assim que o 3DS foi lançado, mas já sabemos que não era a hora ainda. Enfim, como ao contrário da Sony e Microsoft, a receita da Nintendo em sua maioria vem de consoles e jogos, ela seria a mais afetada, e por isso, supostamente, deveria abandonar de uma vez esse negócio em decadência.
Não deixa de ser um argumento, mas daí entramos em outra discussão, que é se os consoles realmente estão condenados. Eu acredito que não, mas este é um assunto que merece um texto próprio. Fato é que, desde a saída da SEGA, parece que restou uma cicatriz, um trauma, um medo que de uma hora para outras empresas tradicionais deixem de produzir seus aparelhos.
Mas voltando ao tema, outro argumento é que a Nintendo venderia muito mais se seus jogos estivessem na AppStore da Apple, por exemplo. Considerando o sucesso de Angry Birds e outros similares, realmente um Mario ou Pokémon rodando num iPhone parece ser um negócio milionário, mas as coisas nem sempre são tão simples.
Lucro sobre hardware
Um dos fatores que precisa ser levado em conta é que a Nintendo lucra a cada Wii, DS ou 3DS que ela vende. Abrir mão de comercializá-los seria abdicar de boa parte de sua receita. Às vezes eles não vendem o esperado, é claro, exemplos disso são o GameCube e, mais ainda, o Virtual Boy, mas esse é o risco que se assume para chegar em uma geração e fazer sucesso.
Nesses anos que passaram, cerca de 95 milhões de Wiis foram vendidos, outros 150 milhões de DSs, e todas as unidades geraram lucro, desde o começo. Talvez a Nintendo vendesse jogos a mais se eles fossem lançados para mais plataformas, mas perderia todo o ganho em cima do hardware. Além disso, sucessos como Wii Sports, Wii Fit e Brain Age provavelmente nunca teriam sido criados.
Mas então por que não manter os consoles e ampliar o software para outros canais? - Leitor que terá sua pergunta respondida na próxima seção do texto
A exclusividade vende o console
Os aparelhos da Nintendo são legais, sem dúvida. Contudo, mais significante é que ela possui total controle sobre algumas das maiores e mais queridas séries de videogames existentes. Diversidade é essencial, mas para um grande número de jogadores, Mario, Zelda, Metroid, Pokémon, Mario Kart (a lista é longa, paro por aqui) já são motivos de sobra para adquirir um console. Essas franquias possuem um apelo enorme junto ao público, tanto o que acompanha a Nintendo há tempos quanto as crianças que estão ingressando agora no mundo mágico dos jogos.
Imagine agora se os consoles da Nintendo não tivesse exclusividade sobre as próprias franquias da empresa. As pessoas continuariam comprando, provavelmente, mas eles perderiam um ponto fundamental. Quando se compra um aparelho da companhia, de certa forma, se compra junto todos esses jogos, pois não há como jogá-los (legalmente) de outra forma. Se Zeldas fossem lançados também em outros equipamentos, eles sairiam desse “pacote emocional”. A relação “Wii + Skyward Sword”, por exemplo, seria quebrada, pois, diferentemente de como é hoje, estes dois produtos não precisariam estar vinculados um ao outro.
Resumindo, o fim da exclusividade afetaria diretamente as vendas de hardware. O que a Nintendo poderia fazer, e na verdade já começou, seria criar aplicativos que expandiriam a presença e popularidade da companhia. Um exemplo é o “Pokémon Say Tap?”, gratuito para iPhone e Android, no qual é necessário tocar em cartas com imagens dos monstrinhos acompanhando o ritmo da música. Não é nada que ameace o DS ou 3DS, mas mantém as pessoas em contato com os personagens mesmo quando estão longe dos portáteis.
Cada plataforma com seu jogo
Outro aspecto importante é a diferença entre os estilos de jogos entre equipamentos. Cada aparelho possui suas próprias particularidades, por isso nem sempre faz sentido querer trazer um game de uma plataforma para outra. É preciso lembrar que os jogos da Nintendo são feitos para plataformas Nintendo e vice-versa. Por ter total controle e conhecimento tanto de seu hardware quanto de seu software, a empresa consegue entregar produtos que, geralmente, conciliam perfeitamente os controles e outros atributos técnicos com a jogabilidade, num nível que talvez não fosse atingido desenvolvendo para aparelhos de terceiros.
Também é necessário levar em consideração os diferentes modelos de negócios. O comentário mais “comum” é o de que a Nintendo deveria trazer algumas de suas franquias para smartphones e tablets. Pois bem, isto poderia ser feito com alguns jogos, mas se analisarmos a maioria dos games de grande sucesso nessas plataformas, tais como Angry Birds e Cut the Rope, veremos que são jogos simples, rápidos e, principalmente baratos, tanto em termos de produção quanto em compra, chegando até mesmo a serem gratuitos.
Embora a Nintendo tenha seus jogos menores, e nos últimos tempos tenha experimentado um pouco distribuindo alguns de graça, o modelo da companhia ainda é bem diferente do encontrado nos outros portáteis. Um lançamento de 3DS custa algo em torno de $40 e, mesmo se descontássemos o custo da mídia física, não chegaríamos no $1 cobrado por grande parte dos jogos de lojas de aplicativos. Além disso, como já foi citado, a Nintendo desenvolve os jogos baseada nos seus consoles e isso ela faz bem. Os smartphones e tablets são descentralizados, a maioria absoluta não possui analógicos e os botões são escassos, logo adaptar franquias mais tradicionais poderia ser um problema.
As plataformas Nintendo são importantes
Por fim, também podemos considerar o impacto negativo que a saída da Nintendo do ramo de hardware causaria. Há quem goste de dizer que a empresa é a única responsável pela inovação. Na minha opinião, uma indústria bilionária e diversa em que uma única companhia fosse responsável por todas as inovações só poderia estar condenada ao fracasso, o que, felizmente, não é o caso.
Não podemos negar, contudo, que a Nintendo é uma das principais responsáveis pela introdução de novas ideias no mundo dos games. Não foi ela quem criou controles por movimento ou touchscreen, nem a primeira a utilizá-los em jogos, mas foi a principal responsável pela transformação que essas tecnologias trouxeram. Talvez o mais correto seria vermos a Nintendo como responsável pela aceleração da adoção de novas ideias, o que em grande parte se perderia caso ela abandonasse o negócio.
Empresas como a Atari e a SEGA já deixaram de produzir seus próprios consoles. Hoje, considerando que a Sony é uma empresa de eletrônicos e a Microsoft de informática, a Nintendo resta como única das “grandes first parties” que é, essencialmente, um negócio exclusivo de games. E perder este símbolo não seria pouca coisa.
Revisão: Alex Sandro