Videogames são compostos por diversos elementos, temos toda a parte sonora e gráfica, questões artísticas, mecânicas de jogabilidade e por aí vai. Um ponto em especial, que nos jogos aparece de diferentes maneiras, é o enredo. Cada jogo conta a sua história de uma maneira única, mas algumas características das narrativas continuam presentes, especialmente em RPGs e com a tendência de criar jogos “cinematográficos”, com várias animações e diálogos. Dentre essas características, uma se destaca negativamente: Deus Ex Machina.
Deus Ex O Quê?
Deus Ex Machina é um recurso de construção de narrativas tão antigo quanto a própria ficção. Para compreendermos o que ele é, vamos voltar alguns séculos no passado, até a antiga Grécia, para sabermos um pouco mais sobre o teatro grego. Nessas peças, era comum que a trama fosse ficando cada vez mais enrolada, até que, chegando nos minutos finais, um ator interpretando um deus literalmente era abaixado no palco através de uma espécie de guindaste e, com seus poderes e sabedoria divina, solucionava todos os problemas.A expressão latina Deus ex machina vem do grego e significa “Deus surgindo da máquina”, uma referência a essa prática das peças gregas.
Valeu pela aula de etimologia e história, mas eu ainda não entendi o que é isso tudo. - Leitor frustrado com a explicaçãoVamos à definição atual então:
Deus Ex Machina é uma força externa que resolve um problema aparentemente insolúvel de um modo extremamente improvável (e, geralmente, anticlímax). - tvtropesPara facilitar, vamos ver um exemplo. Imagine estar quase numa batalha contra um chefão. Ele é extremamente forte, e você está sem as suas armas e sozinho. Quando ele está prestes a te jogar de um abismo, um enorme dragão te salva e entrega uma espada especial para a batalha. Você destrói o inimigo e continua sua jornada, mas depois percebe: o que aquele dragão estava fazendo ali? Na verdade, nem havia sido mencionado que existiam dragões. E por que um dragão estaria carregando uma espada?
E assim temos um Deus ex machina, quando seu personagem estava prestes a ser derrotado um elemento externo apareceu abruptamente e o salvou. O mesmo vale para o caso de, em vez de um dragão, você tropeçar na espada que convenientemente estava largada por ali ou se começasse a chover e o chefão derretesse.
É importante observar, entretanto, que para confirmar o Deus ex machina é necessário olhar a obra como um todo, e não a cena isolada. Se a batalha fosse em um local onde a presença de dragões fosse conhecida, ou se mais tarde na história você descobrisse que seu mestre havia planejado tudo e escondido a espada para você encontrá-la, não teríamos mais esse recurso, pelo menos não em sua totalidade.
Níveis de Deus Ex Machina
- Total: um elemento do enredo que não existia e não possui nenhuma explicação lógica. No nosso exemplo inicial, seria o dragão aparecer sem nem ao menos ter sido mencionado previamente.
- Tempo e localização ilógicos: quando o elemento existia, mas aparece em um local sem explicação. Imagine que na nossa história haviam nos dito que dragões existiam, mas um aparecer para nos salvar não tem sentido.
- Cortar e colar: o autor, tentando disfarçar o Deus Ex Machina, “volta” na história e acrescenta alguma informação, mas ainda assim fica forçado. É como se no começo da nossa história disséssemos que havia um dragão patrulhando aquela área e depois não tocássemos mais no assunto até ele aparecer.
- Fridge Brilliance: parece Deus Ex Machina, mas não é. Em um primeiro momento o acontecimento parece forçado e sem sentido, mas depois você lembra de algo que o torna totalmente possível. E se fosse destacado na nossa história que o medalhão do herói atrai dragões?
Por que isso é tão ruim?
Basicamente porque estraga toda a lógica e estrutura da história. De que adianta criar todo um universo, personagens, conflitos, dilemas, problemas e depois jogar tudo isso fora com um acontecimento totalmente desconexo? Usar Deus Ex Machina evidencia a falta de criatividade e de controle sobre a própria história do autor. Claro que a “gravidade” varia, pode ser que não seja algo tão importante e então possamos relevar, mas uma única utilização desse recurso é capaz de comprometer totalmente um enredo.Um exemplo nos videogames
Para não ficarmos apenas na teoria, vou trazer um exemplo bem simples e que a maioria de vocês já devem conhecer. Em todo caso, o texto abaixo pode conter spoilers para quem não jogou Super Smash Bros. Brawl, leia por sua conta e risco.Quem jogou o modo Subspace Emissary em Super Smash Bros. Brawl pôde presenciar um Deus Ex Machina. Quando todos os personagens unem-se para enfrentar o chefe final, Tabuu, ele transforma todos em troféus com o Off Waves e está prestes a concluir seu plano, quando Sonic surge repentinamente e quebra as suas duas asas, enfraquecendo o Off Waves e liberando todos para a batalha final.
Como a história do Subspace Emissary é simples, não chega a ser um problema tão grande. O fato de Sonic, um dos personagens mais aguardados do game, não ter aparecido antes também deixou óbvio para os jogadores que ele surgiria nesses momentos finais. Não deixa, entretanto, de ser Deus Ex Machina.
Nota: Sonic foi adicionado tardiamente no jogo, portanto é possível que a história do Subspace Emissary já estivesse adiantada e o final foi o melhor lugar para adicionar o ouriço azul.Para conferir mais exemplos de Deus Ex Machina nos games (e em outras obras), clique aqui.
Agora que você já sabe o que é um Deus Ex Machina, compreender obras de ficção ficará um pouco mais claro. Entender esse conceito também é importante para que possamos evitar a sua utilização em nossos próprios trabalhos e para termos um senso crítico mais apurado. Poderia continuar, mas alienígenas invadiram a cidade e obrigaram o encerramento desse texto.