Então chegamos à sétima geração de videogames, e se existia uma razão para determinar a hora de trocar de console, grande parte dela devia-se à evolução dos gráficos. Uns cinco anos após seu lançamento, a tecnologia já havia avançado e era necessário dar um update. Nessa geração, entretanto, dois certos aparelhos de videogame de uma certa empresa não seguiram exatamente esse caminho, e isso foi ótimo. Calma, não vou defender aqui se tal console é melhor que o outro ou se essa decisão foi certa ou não.
O motivo pelo qual Wii e DS não possuírem gráficos HD ser ótimo é outro: a discussão que isso causou. Independente de brigas na internet e trolls, todos os membros da indústria e jogadores pararam para pensar em algo que já havia tornado-se norma: afinal, o quão importante são os gráficos?
O que são gráficos?
Os gráficos nada mais são que dados e informações representando imagens. São a parte técnica do visual dos jogos. Quanto mais avançado o hardware, melhores eles serão, possibilitando a criação de mais polígonos, melhores texturas, maior fluidez nos movimentos, capacidade de exibir um número maior de elementos na tela, físicas mais avançadas, etc.
Os gráficos são os responsáveis por tornar os jogos mais realísticos, mais semelhantes ao que aconteceria se a ação da tela ocorresse na vida real, e também por aumentar a qualidade da imagem.
O que é estética?
- Estudo acerca da beleza. Quais qualidades dos objetos os tornam belos e como a cognição humana reconhece isto.
- Noções de beleza de um certo grupo ou pessoa.
- Princípios de beleza aplicados a uma obra. - Wikicionário
A estética em um videogame é o que define a utilização dos gráficos, por assim dizer. Mais que isso, ela é o estilo artístico adotado pelos game designers, a ambientação, a arquitetura das construções virtuais, o desenho das armas, dos objetos, os cenários, as cores, o figurino dos personagens, os personagens em si.
A estética é reguladora de todos os elementos audiovisuais de um game.
Dois conceitos inseparáveis
A estética e os gráficos, em videogames, são interdependentes. Não há como criar um templo perdido no meio de uma selva se você não dispõem das técnicas para representá-lo, e da mesma forma não existe utilidade para um console superpoderoso sem que haja algo interessante para ele exibir.
A situação que temos, portanto, é que ambos são igualmente importantes. Precisamos dos gráficos bem desenvolvidos para que não tenhamos limites impostos à criatividade. Afinal, o conceito de um jogo pode muito bem variar de um cenário de 8-bits até um universo inteiro tridimensional livre para ser explorado. Tudo depende da vontade e da mensagem que o criador do game deseja passar.
Portanto, considerando que a estética pode se manifestar de inúmeras formas, os gráficos devem ser poderosos para termos liberdade. Ao mesmo tempo, precisamos fazer bom uso dessa liberdade, explorando ela de forma atraente, criativa, interessante, original. De nada serve criar uma lâmina de espada virtual capaz de refletir nitidamente a luz da lua num campo coberto de vegetação ondulando com o vento se não conseguimos transformar isso em algo mais. Se tudo que o dono da espada fizer for andar por aí decepando monstros genéricos em lugares genéricos por motivos genéricos, então temos poder gráfico desperdiçado.
Gráficos são os meios, não os fins
Se é para fazer mais um desses textos dizendo que gráficos não são importantes e mimimi me avise que não quero gastar meu tempo. - Leitor que fica irritado por ler novamente sobre esse assunto
Antes de você que comprou uma nova TV Led e tem uma coleção de blurays na gaveta acender tochas e rumar à minha casa, saiba que concordo. A qualidade visual é sim muito importante. Ninguém quer ser incomodado com objetos serrilhados e imagens de baixa resolução durante uma agradável partida. Mais que isso, o poder de processamento, como disse acima, é fundamental, afinal ele permite que novos elementos sejam explorados e novos conceitos colocados em prática. Nada nos impede de imaginarmos um jogo com mil explosões simultâneas na tela, então é bom que possamos passar a ideia para um projeto concreto.
E era praticamente isso que acontecia quando a indústria dos videogames surgiu. Com recursos técnicos limitados os profissionais precisavam buscar alternativas criativas e bem elaboradas para que os jogos fossem atraentes. E como era uma mídia recém surgida, podiam ser mais ousados, tinham mais liberdade. Eventualmente, as possibilidades se esgotavam e era necessário evoluir o hardware para que os novos projetos fossem realizados.
Podemos colocar dessa forma: os gráficos são o material de um artista, o pincel, as tintas, a tela, e a estética a obra em si, o que foi pintado. Esse é o caminho natural, usamos a nossa tecnologia para produzir resultados interessantes.
Subvertendo a fórmula
Continuando a nossa pequena história, a indústria de games se desenvolveu, cresceu e, como toda indústria onde isso ocorre, estratificou-se. Depois que se tem alguns milhões nos bolsos não se pode arriscá-los em qualquer aposta, e as empresas precisavam de um porto seguro, algo no que elas pudessem investir e melhorar, mas ao mesmo tempo não ameaçasse a enorme base de fãs. E ela fez uma escolha: os gráficos.
Parando para pensar, essa era uma possibilidade extremamente óbvia. Investir principalmente em gráficos garante que as pessoas notarão diferenças, mesmo que não exista exatamente algo de muito diferente para ser notado. Na prática, isso significa que podemos pegar um jogo de corrida de algum tempo atrás, melhorar a qualidade do carro e lançar um novo game, em vez de desenhar um novo veículo propriamente.
Todo esse investimento seria ótimo, não tivéssemos nos acomodado. O visual dos jogos foi se aproximando, convergindo para um ponto comum. De repente, a aparência daquele shooter lembrava muito a daquele outro shooter, e o mundo fantástico daquele RPG não era tão mais fantástico que o daquele outro. E por que parecia que mesmo com todo esse poderio gráfico uns jogos estavam economizando na paleta de cores?
Ah tá, falando assim até parece que jogos criativos e originais desapareceram... - Leitor que sabe o que diz
Realmente, os jogos com estética diferente nunca deixaram de existir, mas no meio dessa bagunça toda acabaram ficando um pouco fora de foco. Não eram mais o comum, eram assim por serem indies (e aparentemente jogos indies possuem liberdades que os outros não tem...), ou então eram alguma experiência do estúdio. Se era colorido e simplista, então só podia ser jogo de criança. Muitos jogos desse jeito foram lançados e conquistaram extremo sucesso, justamente por serem assim. E o interessante é que os jogadores ficavam surpresos com esses jogos, por fugirem à regra, quando o normal seria ser esse o “padrão”.
A estética ainda é o principal
Na E3 de 2010, o site Gametrailers realizou, como de costume, diversos “tops” com os jogos da feira e selecionou um vencedor. Na categoria melhores gráficos, competiam Crysis 2 (PC, PS3, Xbox 360), Gears of War 3 (Xbox 360), Killzone 3 (PS3), Rage (PC, PS3, Xbox 360) e Kirby's Epic Yarn (Wii). Algumas considerações interessantes:
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A maioria dos jogos eram sequências;
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A maioria dos jogos eram FPSs;
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A maioria dos jogos eram para consoles de alta definição.
Deu zebra e Kirby's Epic Yarn levou o prêmio, para surpresa de muitos. Mas como pode um jogo todo colorido e projetado para parecer feito de tecido, para um console que todos sabem ser tecnicamente inferior à concorrência, ter gráficos melhores que alguns dos games mais realistas que o HD pode proporcionar?
Não pode.
Kirby's Epic Yarn não possuía gráficos melhores que Crysis 2, por exemplo, e na verdade provar isso é uma questão de física. Mesmo assim, a estética de Epic Yarn, o design dos cenários que realmente pareciam se dobrar como um pedaço de pano, é algo diferente, é algo que as pessoas admiram. Kirby não ganhou pelos gráficos, ganhou por ser mais bonito e surpreendente que os seus adversários.
A mesma coisa acontece com quaisquer outros jogos. Okami, por exemplo. Foi lançado originalmente para PlayStation 2 e até hoje as pessoas o comparam com uma obra de arte, mesmo os gráficos já estando ultrapassados. Aí está uma pequena grande diferença. Jogos que apostam seu visual em gráficos são sensacionais no momento, mas passa o tempo e as pessoas começam a olhar com cara feia. Por outro lado, a beleza de um game como Okami não envelhece, porque ela está atrelada a princípios estéticos do ser humano.
Podemos aproveitar esse argumento para muitos outros jogos. Nessa geração tivemos vários games em 2D lindos que são ótimos exemplos. Muramasa: The Demon Blade (Wii), A Boy and His Blob (Wii), Braid (PC, X360) são apenas alguns nomes para reavivar a memória. Jogos bidimensionais, naturalmente, não possuem mais poderio gráfico que suas contrapartes em três dimensões, mas isso não impede a criação de obras valiosas. E já que os gráficos são mais simples, por que não os compensamos com sprites desenhados à mão ou um design totalmente inovador? É por aí...
Para cada jogo que apareceu nesse texto, existem muitos outros nas mesmas condições mundo afora. Um outro caso, o incrivelmente bem sucedido Minecraft (PC). Caso não conheça, o único objetivo que existe nele é editar, construir e destruir o cenário virtual. Acontece que, para os padrões atuais, os gráficos são extremamente toscos: tudo é formado por cubos, e as texturas não são das melhores. Mas analisando com mais profundidade, somos obrigados a questionar se a jogabilidade e proposta de Minecraft seriam atendidas por visuais de extrema qualidade. Aparentemente, a falta deles não fez os jogadores terem dificuldades em criar coisas incríveis.
Sair do lugar comum, entretanto, não é tarefa fácil, e isso vale para a nossa discussão aqui. Nos anos 2000, a Nintendo anunciou o que seria seu novo console, o GameCube, e com ele um vídeo de demonstração com Link e Ganondorf extremamente realísticos e muito bem feitos (para a época, é claro), numa intensa luta de espadas. Os fãs de The Legend of Zelda, que já haviam se aventurado em uma Hyrule tridimensional em Ocarina of Time e Majora's Mask, foram a loucura. Quando na E3 seguinte, a Nintendo revelou o verdadeiro Zelda para GameCube, a plateia ficou atônita, a maioria no mal sentido.
Como? Mas como os incríveis gráficos do vídeo do duelo de espadas transformaram-se num jogo cartunesco em cel shading? Como aquela seria a aparência de The Legend of Zelda: The Wind Waker? Pois é, a Nintendo preferiu “sacrificar” um pouco todo aquele realismo e potência e oferecer uma experiência diferenciada. Deu certo: The Wind Waker é considerado um dos melhores jogos da série, e, embora ainda existam críticos do Toon Link, o visual foi tão popular que Four Swords Adventures, The Minish Cap, Phantom Hourglass e Spirit Tracks seguiram o mesmo caminho.
Estamos novamente em um período crítico da indústria de jogos: mais uma vez novas plataformas estão chegando, sempre prometendo trazer consigo muitas novidades. O que podemos esperar para os gráficos e a estética na oitava geração de videogames?