Sim, eu sou jornalista. Recém-formado, diga-se de passagem, mas aprendi lá na universidade várias pequenas coisas que um bom jornalista precisa ter. Coisas tão óbvias, que não é necessário ter passado quatro anos em algum curso superior pra saber. Qualquer um que tenha um pouco de noção consegue perceber que certas atribuições são essenciais para exercer essa função.
Jornalista precisa ter ética, apurar os fatos, ser livre de preconceitos, evitar o sensacionalismo desmedido, não glamourizar as situações e, principalmente, ser responsável por aquilo que diz. Todo mundo sabe disso. Não dá pra ser jornalista achando que pode sair por aí afirmando qualquer coisa só porque você tem algum espaço pra isso, ou pior, porque na sua cabeça o sujeito acha que faz sentido essa ou aquela afirmação.
Todo esse devaneio tem um motivo: a reportagem publicada pelo O Globo (simplesmente um dos jornais de maior circulação do país) que tenta, de uma maneira completamente equivocada, relacionar o massacre cometido por Wellington Menezes de Oliveira na escola em Realengo no Rio de Janeiro com o fato dele ser um jogador de games como Grand Theft Auto e Counter-Strike. O texto do repórter (ou dos repórteres) mostra um completo desconhecimento sobre os objetos que foram vítimas da referência:
Confira o início da matéria:
Wellington tinha interlocutor, com quem falava sobre religião e jogos eletrônicos de guerra
RIO - A troca de e-mails de Wellington Menezes de Oliveira está sendo analisada pela equipe da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI). Além da quebra do sigilo do correio eletrônico do assassino, os investigadores conseguiram rastrear um blog feito por Wellington, que usava a página na Internet para disseminar mensagens desconexas sobre religião e jogos como GTA e Counter Strike (CS), onde o jogador municia a arma com auxílio de um Speed Loader, um carregador rápido para revólveres, usado por ele no massacre de alunos na Escola Municipal Tasso da Silveira. Nos dois jogos, acumula mais pontos quem matar mulheres, crianças e idosos. – Leia completa aqui.
Assinada por Antônio Werneck e Sérgio Ramalho, o texto é inaceitável. Como bem disse o Renato Bueno lá no Kotaku, “é muito fácil vender a ideia de “matar inocentes num jogo e ganhar pontos por isso”, distorcendo cerca de 20 anos da história dos games e insultando a inteligência do leitor, e passar ileso”. Não é a primeira vez que isso ocorre: sempre que algum crime de grande repercussão acontece, a imprensa corre para buscar conceber relações com coisas absurdas – e os games acabam sendo um bode expiatório perfeito e alarmante para uma sociedade que cada vez mais se organiza ao redor do medo. Medo que é propagado pela própria imprensa ao criar valorações sem qualquer tipo de responsabilidade.
Nós do Nintendo Blast repudiamos esse tipo de ataque gratuito. Num país onde Bolsonaros estão por aí como representantes do povo, não é fácil conseguir se livrar de preconceitos idiotas e de uma síndrome de tornar tudo e todos responsável pelo mal. É preciso criar vilões para vender notícia e isso, nós bem sabemos, a imprensa sabe fazer como poucos.
O que nós, jogadores, não podemos aceitar é que esse tipo de afirmação baseada num achismo irresponsável continue existindo sem qualquer contestação.
Deixamos aqui o nosso protesto.