Não, esta edição da coluna Fail não trata sobre o 64º episódio da série Final Fantasy. Não duvido que um dia o mundo ainda veja o lançamento de Final Fantasy LXIV, mas ainda estamos longe disso. O jogo a que me refiro é um que muitos fãs imaginaram que um dia jogariam no Nintendo 64 e que marcaria a estréia da série não só no então novo console da Nintendo como também no mundo dos gráficos tridimensionais. Um jogo que, apesar de muitos rumores e especulações, nunca chegou a existir além de um breve demonstrativo. Demonstrativo este que serviria, de fato, como base para o primeiro Final Fantasy 3D, mas não para o Nintendo 64 como todos pensavam…
Nintendo e Final Fantasy na atualidade
Sem dúvidas, a série Final Fantasy é uma das mais influentes no mundo dos games, atualmente. É bem provável que muitas pessoas decidam qual console de última geração comprar simplesmente pensando qual o possibilitará de jogar os episódios mais novos da série. Hoje em dia, este pensamento certamente não o levará a decidir pelo Wii. Sim, é verdade que o console da Nintendo não tem ficado completamente de fora do mundo de Final Fantasy, com o lançamento de alguns spin-offs, que ora trazem uma experiência consideravelmente divertida, como Chocobo’s Dungeon (se é que controlar uma galinha gigante por inúmeros e enormes calabouços randomicamente gerados é a sua praia) e ora nos trazem grandes expectativas, apenas para nos causar decepções proporcionalmente grandes, como Crystal Baerers.
O DS tem tido mais sorte nesse aspecto, recebendo desde excelentes remakes, como o de Final Fantasy IV, até títulos originais muito bons, como Revenant Wings, Tactics A2 e Four Heroes of Light. Entretanto, mesmo com tudo isto, não foi nenhuma surpresa o fato de Final Fantasy XIII - o último grande episódio da linha “tradicional” da série – ter ficado completamente de fora dos consoles da Nintendo, assim como o já anunciado 15º episódio.
Os anos de ouro
Houve um tempo, entretanto, em que a situação era bem diferente. Um tempo em que Nintendo e Square - a empresa responsável pela série Final Fantasy - andavam de mãos dadas, tão inseparáveis quanto um encanador e seu cogumelo. O NES deu origem à primeira fantasia, que estaria longe de ser a final. Com o SNES, a série ganhou fama mundial com Final Fantasy II e III (ou IV e VI no Japão, já que alguns dos jogos não foram lançados fora das terras nipônicas, por terem sido considerados complexos demais para a inteligência limitada dos americanos). Além, é claro, de muitos outros excelentes jogos fornecidos pela Square, como Secret of Mana e Chrono Trigger. Sim, o SNES era o console obrigatório para fãs de RPG.
No meio da década de 90, grandes expectativas rodavam em torno do novo console da Nintendo, que até então era chamado de Ultra 64. Todos os fãs estavam ansiosos por verem seus jogos favoritos receberem versões no Ultra 64, com direito aos impressionantes gráficos tridimensionais que o console possibilitaria. E, é claro, entre as maiores expectativas, estava o próximo episódio da mais famosa série de RPG, Final Fantasy VII.
Então, em Outubro de 1995, o que era apenas esperança começou a se tornar realidade: uma revista chamada GameFan Magazine mostrou cenas de um jogo que, supostamente, já estava sendo desenvolvido para o Ultra 64. A revista foi além, não só afirmando que se tratava de Final Fantasy VII, como também prevendo seu lançamento para Dezembro de 1996. Pouco depois, outras revistas também começaram a falar sobre o jogo. Para muitos, então, jogar Final Fantasy VII no novo console da Nintendo era apenas uma questão de tempo.
A traição
Em Janeiro de 1996, após um tempo sem nenhuma nova notícia sobre o tão aguardado jogo, a Square fez seu pronunciamento oficial sobre o lançamento de Final Fantasy VII: ele seria lançado apenas para o Sony PlayStation, deixando o Nintendo 64 completamente de fora. Obviamente, fãs da Nintendo e o próprio presidente, Hiroshi Yamauchi, ficaram furiosos, acusando a Square de traição, por ter se aliado à concorrência. Yamauchi jurou em público que o nome Final Fantasy não apareceria nunca mais em um console da Nintendo (esperto ele, não?) e todos os acordos entre as duas empresas foram destruídos. Para piorar a situação, a Sony decidiu se garantir e fez a Square assinar um contrato de exclusividade.
Mas, porque aconteceu esta mudança tão brusca por parte da Square, gerando tantas consequências? A resposta é simples. Final Fantasy VII era um projeto muito ambicioso. Além dos gráficos tridimensionais, uma grande novidade que a Square almejava era o uso extensivo de vídeos pré-renderizados. Eles seriam utilizados não apenas nas animações, mas também nos cenários durante o jogo. Usando estes vídeos como plano de fundo e colocando os personagens por cima, seria possível exibir cenários extremamente realistas, sem a necessidade de processar milhares de polígonos em tempo real, coisa que na época era inviável. Pois bem, esta enorme quantidade de animações pré-renderizadas, tornava necessário o uso de uma mídia que tivesse capacidade para tal armazenamento. O CD era perfeito para isso e a Square estava perfeitamente satisfeita com o Ultra 64 enquanto dizia-se que este rodaria jogos em CD. Mas quando a Nintendo anunciou que o novo console ainda usaria cartuchos, a Square se deparou com sérios problemas. Era verdade que o Nintendo 64 permitiria o melhor processamento gráfico entre os demais consoles, mas o cartucho apresentava um espaço de armazenamento extremamente limitado (64MB contra 640MB de um CD) e comprometeria o projeto de Final Fantasy VII. E não há dúvidas quanto a isso, já que o jogo ficou tão grande que acabou sendo dividido em um total de 3 CDs (seriam necessários 30 cartuchos de N64 para armazenar todo o jogo!).
Nos dias de hoje, sabemos que a Square tomou a decisão certa na escolha entre o Nintendo 64 e o PlayStation, já que Final Fantasy VII se tornou não apenas no que muitos considerem ser o melhor jogo da série, como também em um dos melhores jogos já criados.
Final Fantasy SGI Demo
Agora que já vimos como a série Final Fantasy migrou dos consoles da Nintendo para os da Sony, analisemos um pouco o jogo demonstrativo que iniciou toda a confusão. Afinal, o que era ele exatamente? Era realmente uma primeira versão de Final Fantasy VII para o Nintendo 64? Na verdade, não. O tal protótipo foi mostrado no evento SIGGRAPH do ano 1995 e havia sido desenvolvido com o uso do processador gráfico Silicon Graphics. Este processador é o mesmo utilizado pelo Nintendo 64 e por isso o surgimento das especulações que se tratava de um jogo para o console. Entretanto, de acordo com a própria Square, nunca houve intenção de transformar aquele protótipo em um jogo, era simplesmente uma demonstração do que poderia ser feito com os recursos gráficos do processador e para mostrar a direção que o gênero RPG deveria começar a tomar. Os gráficos eram muito bons para a época e dá para ver que muita coisa foi aproveitada em Final Fantasy VII.
O breve demonstrativo (que ficou conhecido posteriormente como Final Fantasy SGI Demo, por rodar no processador SGI) consistia em uma batalha em ambiente 3D figurando os personagens Locke, Terra e Shadow, de Final Fantasy III (ou VI, seguindo a numeração Japonesa). Isso era outro sinal de que dificilmente aquilo se transformaria em Final Fantasy VII, já que o costume é que cada episódio da série seja protagonizado por personagens diferentes. Os heróis lutavam contra um golem de pedra usando diferentes tipos de ataques, magias e até um summon de um dragão (provavelmente Bahamut). Um fato curioso é que o controle era feito através de um mouse. Para fazer o personagem executar certas ações, era necessário desenhar determinadas formas com o mouse, como uma estrela, por exemplo.
Se você ficou curioso para ver como era este suposto “Final Fantasy 64”, confira o vídeo abaixo: