Nos dois últimos encontros na nossa coluna Nintendo Chronicle, vimos como a Nintendo alcançou a supremacia mundial no mercado de portáteis, acertando em cheio com o Game Boy Color e o Game Boy Advance. Porém, o sucesso nos portáteis não se fazia realidade nos consoles de mesa. Seu último console, o Nintendo 64, comparado à concorrência, fora um completo fracasso e já era hora de tentar recuperar o mercado perdido para a Sony e o seu Playstation.
“Como vai o Game Boy?” – “Muito bem, obrigado”, respondia a Nintendo. “E aquele seu console lá, o Nintendo 64?” – “Hummm…”. Talvez essa fosse reação interna da Nintendo quando indagada sobre o seu console de mesa nos idos do final da década de 1990. Acostumada a ditar tendências, lançar moda e liderar o mercado desde o lançamento do seu primeiro console – o NES –, a Nintendo, pela primeira vez, se via numa situação complicada. A Sony dominava completamente o mercado de consoles com o seu Playstation e com a grande ideia de distribuir os seus jogos em CDs. Cada vez mais a Nintendo perdia participação no mercado. Algo precisava ser feito.
Durante a E3 de 1999, a Nintendo finalmente divulgava detalhes do seu novo projeto, o “Dolphin”. Para os que outrora se surpreenderam negativamente com os cartuchos do N64, dessa vez se surpreendiam com os 128-bits e a mídia óptica do novo console que estava para chegar. Não muito mais do que isso foi revelado, mas já foi o suficiente para se saber de uma coisa: os caríssimos cartuchos, finalmente, estavam sendo abandonados.
Na Space World 2000, o “Dolphin” foi apresentado pela última vez ao público – suas últimas especificações foram reveladas e seu nome foi mudado para GameCube. O GameCube usaria um sistema incrível de compressão de texturas, o S3 6-to-1, que as comprimia a até 1/6 do tamanho original sem perda de qualidade. O GC, como ficou conhecido, também permitiria que o Game Boy Advance fosse conectado a ele via cabo e fosse utilizado como controle ou dispositivo de transferência de dados, personagens ou mini-games. Entusiastas da Nintendo saltitavam de felicidade, a Nintendo acertara a mão finalmente! Será?
"Who Are You?”
O design do GC era arrojado. Como seu nome sugeria, o console parecia um cubo e seu aspecto o fazia parecer mais um brinquedo do que um console se comparado com o Playstation 2 da Sony e o Xbox da Microsoft – seus principais concorrentes à época. Como o controle do seu antecessor, o controle do GC fora desenhado para ser mais ergonômico ainda – alguns o consideram o melhor de todos os tempos. Já vinha com a função rumble embutida e, assim como o controle do PS2, possuia direcionais analógicos, além do famoso D-pad.
Para agradar a maior quantidade possível de consumidores, a Nintendo ainda lançou o GameCube em várias cores, sendo as principais a “Indigo” e a “Jet Black”. O marketing em cima do console também foi assustador, como há bastante tempo não se via. Buscando reatar os laços com antigos consumidores e fortalecer com os que ainda eram, a Nintendo lançou uma forte onda de campanhas em que o slogan “Who Are You” (“Quem É Você”, em português) foi utilizado em toda a linha de produtos do console.
A ideia principal por trás desse anúncio era estabelecer um laço meio que familiar entre a Big N e os gamers. Utilizando a frase “you are what you play” (“você é aquilo o que você joga”, em português), a campanha sugeria algo sobre a personalidade do gamer e, com isso, tentava remeter, de alguma forma, ao passado da companhia – se você jogou o NES, o SNES e o N64, vai encontrar no GC tudo aquilo que lhe agrada, que te faz sentir em casa.
A campanha era boa, não há dúvidas – tanto é que várias softhouses pagavam a Nintendo para promover os seus jogos com esse slogan. Mas o clima de “familiaridade” que a Nintendo tentara criar, acabou atingindo um público totalmente inesperado – o público com idade abaixo de 18 anos e com mais de 50 anos, minoria na época. O tiro, que visava o público entre 18 e 49 anos, saiu pela culatra. A consequência disso foi que a maioria dos jogos que tinham o público adulto como alvo passaram batido pelo GameCube.
Para piorar as coisas, na tentativa de dar uma guinada nas vendas, a Nintendo e as first-parties começaram a lançar vários jogos. Essa atitude geral um mal-estar tremendo entre as third-parties que vendiam cada vez menos no console da gigante de Kyoto. Não demorou muito e algumas delas, como Electronic Arts e Eidos, passaram a restringir os ports para a plataforma e, em alguns casos, deixaram de lançar para ela.
A carruagem começava a desandar e a Nintendo talvez se perguntasse “Who Am I?”.
Novo console, erros antigos
Lançado em 14 de setembro de 2001, o GC chegou às prateleiras nipônicas com 3 jogos: Luigi’s Mansion, Wave Race: Blue Storm e Super Monkey Ball e vendeu cerca de 300 mil unidades. Cerca de dois meses depois, foi lançado nos Estados Unidos com mais alguns títulos, porém sem muitos alardes. O motivo? Aquilo que mais empolgou os gamers e a imprensa especializada na E3 em 1999, na realidade se mostrou uma das maiores limitações do GC.
A mídia selecionada para distribuição dos jogos foi o Mini DVD. Desenvolvido pela Matsushita, ele foi escolhido pela Nintendo por ser uma forma conveniente de combater a pirataria. Isso realmente aconteceu – Mini DVD era mais complicado de piratear que os DVDs comuns utilizados pela concorrência e a Nintendo conseguiu, por algum tempo, combater o avanço da pirataria no seu novo console. Não apenas isso, o Mini DVD também representava uma nova era de desenvolvimento para a plataforma Nintendo.
Abandonando o formato caríssimo e super complicado dos cartuchos, com o Mini DVD o desenvolvimento de jogos para o GameCube se tornava algo mais rentável e mais fácil. Se antes as desenvolvedoras levavam meses a mais para desenvolver para o Nintendo 64 e tinham que esperar inúmeras semanas para que seus jogos fossem “transplantados” para um cartucho (e só a Nintendo podia executar esse processo), com o Mini DVD as coisas ficariam mais fáceis – as softhouses precisavam apenas submeter os jogos para avaliação da Big N. Uma vez aprovados, o “transplante”, que agora levava poucos dias, podia ser feito pelas próprias softhouses. Isso facilitou bastante o processo. Facilitaria mais ainda não fosse um pequeno empecilho.
Os Mini DVDs possuiam capacidade para apenas 1,5GB de armazenamento e isso foi um fator determinante à qualidade dos jogos desenvolvidos para o GC e para a concorrência. Apesar do sistema S3 6-to-1 funcionar incrivelmente bem, a mágica acabava por aí. Por vezes os jogos do GC tinham CGs cortadas para que o conteúdo do jogo pudesse caber na mídia pequenina e outras pouquíssimas vezes os jogos vinham em dois discos para que não sofressem com os cortes.
O mais engraçado de tudo é que a Nintendo sempre teve um feeling a mais para lançar tendências, inventar e impor modas aos seus concorrentes, mas nessa época parece que ela encontrava-se totalmente perdida. Enquanto os consoles da Sony e Microsoft se tornavam verdadeiras plataformas de entretenimento, capazes de executar não só jogos, mas também ouvir músicas no CD, assistir filmes em DVD e navegar e jogar na internet, o GameCube nada disso possuia. Até houve uma tentativa em parceria com a Panasonic para lançar uma versão híbrida do GC (o Panasonic-Q) que rodasse DVD, CD, MP3 e afins, mas o preço exorbitante fez com que o aparelho fracassasse.
Com o GameCube os gamers tinham não tinham nada além de um console que só rodava jogos. Por qual motivo eu deveria comprar um GameCube se não fosse pela paixão pela Nintendo, sabendo que a concorrência oferecia muito mais?
A situação ficou crítica quando, em 2003, a Nintendo teve que suspender a produção do GameCube por um determinado período para que as unidades excedentes fossem escoadas.
No inferno existe um pedacinho do céu
Uma das poucas saídas encontradas pela Nintendo foi a redução do preço do console, que custava U$199. Em setembro de 2003 o console voltou a ser fabricado e vendido pelo valor de U$99 – uma redução considerável e que fez com que as vendas nem caíssem, nem subissem, mas se mantivessem estáveis. Dois bundles também foram bolados para o console – um com The Legend of Zelda: Collector’s Edition e outro com um disco de demos, o GameCube Preview Disc.
Mesmo com os inúmeros esforços da Nintendo em lançar jogos, acessórios e inclusive dois adaptadores para jogatina online (GameCube Broadband Adapter e o Modem Adapter), o GameCube teve que amargar o 3º lugar na corrida dos consoles, ficando atrás do Playstation 2 (+144 milhões de unidades) e Xbox (+22 milhões de unidades) com pouco mais de 21 milhões de unidades vendidas – atrás inclusive do seu antecessor, o Nintendo 64 com aproximadamente 33 milhões de unidades.
Mesmo com tamanho fracasso, o GameCube foi um verdadeiro parque de diversões para os verdadeiros fãs da Big N que puderam deleitar, tavelz, os melhores títulos da Nintendo em um console. Pela falta de apoio das third-parties, a Big N praticamente carregou o GameCube sozinha em suas costas, lutando bravamente contra a concorrência e não deixando seus fãs na mão. O resultado disso tudo é que os 10 jogos mais vendidos do GC são todos da Nintendo!
Muitos podem achar que o GameCube foi um total desastre – e não estão errados em pensar isso. Mas também é preciso ver o outro lado da moeda. A campanha “Who Are You?” que saiu pela culatra, na verdade fez com que a Nintendo percebesse que poderia agradar sim todos os públicos – ou você acha que o Nintendo Wii é sucesso à toa? Com certeza você já deve ter ouvido a expressão “você só vai aprender quando der de cara com a vida” da sua mãe e foi isso que aconteceu com a Nintendo.
Não se podia mais negar a existência de uma concorrência muito forte. Era preciso ouvir os gritos dos fãs, se render às tendências do mercado para poder voltar a inovar. A ideia do Mini DVD para combater a pirataria seria excelente se não fosse tão limitador para o console, que tinha um potencial incrível. Pior, a atitude de se trancar na própria bolha e ainda ficar de picuinha com as third-parties fez com que muita gente a considerasse infantil e a associasse ao design do console, que foi bastante criticado também.
O console que outrora fora a esperança de reaver gerações passadas e a liderança dos consoles de mesa, na realidade se saiu como um grande laboratório de muita aprendizagem às custas de derrotas e muitas quedas. Fracassado? Talvez. Inesquecível? Para os verdadeiros fãs da Nintendo, com certeza!
E assim, meus caros amigos, encerramos a coluna Nintendo Chronicle. Por um ano e oito meses trouxemos a todos os nossos leitores um pouco da história gigante do entretenimento que começou fabricando cartas de baralho artesanalmente. Entre muitas histórias, eu e o Gustavo Assumpção sempre tetamos trazer as curiosidades que envolveram a fundação da Big N, sua transição para o ramo do entretenimento eletrônico e sua consolidação. Durante esse período nós falamos das gerações de consoles da empresa, contamos suas glórias e seus tropeços. Com o artigo de hoje, chegamos ao final da última era de consoles da Nintendo. O Nintendo Wii está aí, eu sei. Mas ainda há muita água para correr por debaixo da ponte dele e quando seu reinado for encerrado, voltaremos a nos encontrar para contar mais um capítulo dessa fascinante e surpreendente história de uma das companhias mais adoradas por seus clientes, a Nintendo. Até lá!!! =)