Saudações, Gamers! Aqui é o Arjan, em mais uma edição da coluna Analógico, falando de comportamento gamer, desenvolvimento de personagens e roteiros! Então vamos à terceira e última parte sobre a Jornada do Herói, tendo como base a obra O Herói de Mil Faces, de Joseph Campbell e Jornada do Escritor, de Christopher Vogler (feita baseada na obra de Campbell).
Como explicado antes, a Jornada do Herói, ou Monomito, é o mito mais importante em todas as culturas. As fases dessa jornada são representações de etapas, ciclos e ritos de passagem que acontecem em nossas vidas reais, o que torna tal mito tão poderoso. Por isso que a gigantesca maioria de livros, filmes e histórias de jogos, seguem esse padrão. No jogo, tal identificação é mais forte por vivermos essa jornada através da experiência de interatividade proporcionada.
A jornada do Herói está dividida em doze etapas principais, sendo que já expliquei sete delas anteriormente: O Mundo Comum, o Chamado à Aventura, Recusa do Chamado, Encontro com Mentor, Travessia do Primeiro Limiar, o Ventre da Baleia (ou Testes, Aliados e Inimigos), Aproximação da Caverna Oculta. Agora explicarei as últimas cinco etapas, aplicando-as (com mais ênfase) aos games. É importante observar como nos jogos se costuma fundir algumas destas etapas no enredo. Vamos lá:
A Provação Suprema
Após aproximar-se da “caverna oculta”, o herói chega à parte da provação suprema. Não quer dizer que seja necessariamente o confronto final. Esta é a parte em que o herói chega próximo da morte, passando por uma provação suprema. Tal provação está acima das anteriores em seu nível de dificuldade.
Nos games, esta etapa costuma ser mesmo a pré-batalha-final, onde nós, na categoria de heróis, somos postos à prova com todos os recursos e habilidades adquiridos anteriormente. Enfrentamos um big-boss ou passamos por um dungeon complicado, repleto de desafios. A questão da ameaça da morte não é tão impactante quanto em filmes, pois nos games morremos o tempo todo. Na provação, a possibilidade de morte é maior.
Enfrentamos o Bowser, nos jogos do Mário, o Meta Ridley em Metroid Prime . Jack enfrenta o rank nº1 da DeathWatch em Madworld (não vou dar spoilers). A provação suprema é uma coisa esperada, nos jogos. Estivemos nos preparando por ela por boa parte do tempo de jogatina, porque ela precede a Recompensa.
Em jogos mais “simples” esta é a batalha final em si, fundindo-se com as etapas da jornada que explicarei a seguir.
Recompensa
Após a quase-morte, o desafio, o herói obtém um prêmio, uma recompensa. Podia ser seu objetivo inicial ou um adquirido no meio da jornada. De qualquer modo, isto opera como uma compensação pela sua árdua tarefa. Pode ser a princesa, ouro, glória, símbolo de poder, ou simplesmente mais sabedoria e conhecimento.
Nos games, a recompensa costuma ser um Upgrade final de sua arma/armadura, o resgate da princesa, riqueza ou desejo de vingança saciada. Como nos jogos geralmente funde-se a etapa da Provação Suprema com a Ressurreição, várias histórias acabam por aí, deixando as etapas seguintes nos créditos finais, como no Super Mario World.
Sem dúvidas este é o momento de celebração pela realização principal. Mas isso não quer dizer que a jornada esteja completa.
O Caminho de Volta
Trata-se da jornada de volta do herói ao mudo comum. Ele ainda está no mundo especial, atravessado no primeiro limiar, do qual falei antes. Nos games costuma-se fundir esta parte com o Retorno com o Elixir, deixando tudo ocorrer nos créditos. Ela é mais notável em filmes e livros. Em StarWars, é quando Luke, Han e Leia escapam da estrela da morte.
Nos games costuma ser quando você pensa que “finalmente está tudo bem”, após ter atingido seu objetivo final. Após derrotar o Ganondorf e resgatar a princesa Zelda, há um certo alívio antes de ele mostrar sua verdadeira forma. Inclusive, esta fórmula da “forma final” é bastante comum em jogos de luta ou RPGs. O herói pode inclusive já ter começado a voltar ao mundo comum, antes de o vilão aparecer novamente.
Em Metal Gear Solid, após derotar Liquid no mano-a-mano (literalmente), Snake escapa da base em Shadow Moses Island com outro personagem (que depende de certa ação feita durante o jogo), metralhando os soldados restantes e tal. Há o final épico de Call of Duty Modern Warfare após “salvarmos o mundo” e perseguirmos Zakhaev (por sinal, a versão Reflex do Wii é sensacional). Ou seja, o Caminho de Volta pode também ser uma fuga da base secreta, ou perseguição a mais um objetivo final, após obter a Recompensa.
Ressurreição
Enquanto na Provação Suprema o herói quase morreu, aqui ele morre literalmente ou metaforicamente, para renascer mudado. Ele volta como outra pessoa, mais completa: o verdadeiro herói. No cinema, Neo morre e renasce literalmente no final de Matrix, mas essa etapa geralmente é uma representação, uma morte mais simbólica, uma passagem por uma situação extremamente dramática. Nos games costuma ser quando você pensa ter derrotado o vilão e ele volta em sua verdadeira forma. Ou um último desafio aparece, quando você presume finalmente ter resolvido a situação, também tendo de ser enfrentado. Ou é uma cena de efeito mais cinematográfico, como nos já citados: Metal Gear Solid e Call of Duty Modern Warfare: Reflex, que você pensa “agora, já era de vez” e há uma mudança de última hora, algo praticamente milagroso, que lhe salva da morte certa. Um paralelo que podemos fazer com as nossas vidas pessoais, seria quando sobrevivemos a um acidente, uma situação de perigo e depois nos sentimos aliviados, de certo modo transformados.
Um exemplo nítido das últimas quatro etapas da Jornada do Herói é o final de Ocarina of Time. No castelo passamos por vários desafios, mini-bosses e finalmente enfrentamos Ganondorf. Isso é a Provação Suprema. Depois reencontramos a princesa Zelda, que é a Recompensa. Então começamos a fugir da torre, O Caminho de Volta. E em seguida Ganon pega-nos de surpresa e temos de enfrentá-lo: Ressurreição.
O Retorno com o Elixir
Nos mitos, o Herói, após completar sua jornada, volta com a recompensa ao seu povo ou apenas para si mesmo: a riqueza, conhecimento, elixir mágico, princesa resgatada, um amor conquistado, ou mesmo a esperança. Esse retorno com algo, nem que seja psicológico ou simbólico, é o que fecha o propósito de toda a jornada, amarrando o final do ciclo. Nos jogos isso fica subentendido ou é simplesmente mostrado nos créditos.
Então, de maneira resumida, esta é a Jornada do Herói. Lembro-lhes que as histórias não precisam seguir rigidamente este padrão, podendo fundir ou pular etapas. O efeito é esta identificação e inspiração pelo poder mitológico nela contida. Não é à toa que histórias que fogem completamente à Jornada do Herói, ou causam estranhamento, desagradando ao público, ou tornam-se um sucesso “alternativo”.
E também, não é porque a história segue a Jornada do Herói que ela vá ser boa. O que mais há são histórias clichês e enjoativas por aí, incluindo as “desculpas esfarrapadas” para justificar a ação em jogos, empobrecendo-os.
Continuem pensando e jogando. Até a próxima, heróis!