Analógico: A jornada do herói e os jogos – Parte 2

em 20/03/2010

Saudações, gamers! Aqui é o Arjan, em mais uma edição do Analógico ! Nesta semana continuarei o assunto anterior, que é a Jornada do Herói,... (por Arjan Goes Tinoco em 20/03/2010, via Nintendo Blast)

analogicologo Saudações, gamers! Aqui é o Arjan, em mais uma edição do Analógico! Nesta semana continuarei o assunto anterior, que é a Jornada do Herói, ou Monomito, nos games.

Relembrando a coluna anterior, expliquei como o pesquisador Joseph Campbell, ao analisar as mitologias de povos do mundo todo, constatou que havia vários mitos que se repetiam, possuindo características constantes apesar das diferenças culturais e temporais destes povos. A Jornada do Herói seria o mito principal, o mais poderoso em praticamente todas as culturas, com o qual as pessoas mais se inspiram e identificam.

perseus E que gera essa identificação é o fato de o herói ser – a grosso modo – uma analogia à nossa vida. Isso se dá, sobretudo, pelos arquétipos, que seriam modelos universais identificados por nosso inconsciente. Isso tudo que falei ainda é bem superficialmente, ok? O importante aqui é nos atermos a este fato de as histórias ficcionais, em sua maioria, seguirem o Monomito, atingindo o espectador através desses processos psicológicos de identificação. Nos games há um fator extra que vai além da identificação com a Jornada do Herói, é a vivência desta jornada. Os jogos nos tornam literalmente os heróis.

Para entendermos melhor esta Jornada do Herói, precisamos dissecá-la em seus estágios, que são 12, de acordo com Campbell. Nas histórias, eles não necessariamente precisam estar bem definidos, alguns podendo inclusive se misturar.

Na coluna anterior falei sobre a primeira etapa, que é a apresentação do Mundo Comum, e da segunda, que é o Chamado da Aventura. Vejamos agora as etapas seguintes, nas quais a história – e o jogo – se desenvolve de fato:

A Recusa do Chamado

Sim, porque o herói, assim como nós, pode ter medos. A jornada bate em sua porta e o chama para mudança de sua rotina, às vezes forçadamente ou apenas lhe convidando (na etapa do Chamado da Aventura). E nem todos querem ou estão aptos psicologicamente a sair do estado “normal” de suas vidas, por pior que esteja a situação.

20a28e848e406cdd44d62523532d3097 Essencialmente, essa etapa é uma recusa a renunciar àquilo que a pessoa considera de interesse próprio. Quando isso acontece, é necessário que uma força externa – geralmente o mentor – o incentive a adquirir coragem. Lembrando que Isso tudo pode acontecer não apenas no início da jornada, mas durante ela. Nos cinema ou literatura, por exemplo, é o UM anel tentando Frodo a desistir (em Senhor dos Anéis), enquanto nos jogos é a súbita vontade de desistir e desligar o console ou de usar um cheat. Na opinião deste que vos escreve, esse exemplo deixa claro como o “eu” real e o “eu no jogo” se misturam.

Tanto na mitologia quanto nos games essa etapa não é comum. Ela acontece mais na vida real. Os heróis costumam aceitar a aventura sem pensar duas vezes, levados por motivos mais poderosos. E, se ela acontece, dura pouco tempo, afinal, a história deve andar.

Encontro com o mentor ou Ajuda Sobrenatural

Pra quem não recusou a aventura, ocorre o primeiro encontro com uma figura protetora e/ou sobrenatural, que o auxilia para sua jornada. Isto é o que o inspira e estabelece sua ligação com algo maior. Na realidade este encontro já pode ter ocorrido antes, mas é neste ponto em que se prof_oakintensifica.

No cinema podemos citar o exemplo de Guerra nas Estrelas, onde o mentor Obi-Wan Kenobi exerce esse papel com Luke Skywalker ao longo do primeiro filme lançado (episódio IV) mesmo após ter morrido. Talvez de maneira menos fantástica, porém exercendo a mesma função, na vida real há a crença religiosa ou a inspiração que encontramos em pessoas que admiramos e mestres. Ou seja, tanto para os heróis, como para nós, pode haver mais de um mestre ao mesmo tempo.

Nos games essa força sobrenatural pode ser bem nítida, no caso de um jogo com história, ou ficar fundida ao universo no qual o personagem está. Por exemplo, no Mario Galaxy há a Rosalina que, apesar de não ser nenhum velho sábio, é quem guia o Mário nesta nova aventura, diferente dos jogos clássicos do mesmo personagem, nos quais o mais próximo que há de elemento sobrenatural são os itens que pegamos – ou melhor, a força invisível que há por trás destes.rosalina

Este elemento-guia não precisa necessariamente ser um velho sábio, ou um professor de óculos e jaleco, como o Prof. Oak. Um exemplo que já citei é a Rosalina no Mario Galaxy. Há também a Sylvia no No More Heroes que mais nos confunde que ajuda, porém é o mais próximo que temos de uma força auxiliadora no jogo. Phoenix Wright tem sua mentora Mia. Link pode contar com a Navi gritando “Hey! Listen!” no seu ouvido o tempo todo. Samus tem os antigos Chozo que eventualmente compartilham um pouco de sua sabedoria e a guiam em Metroid Prime.

Cruzamento do primeiro limiar

É aí que o Herói atravessa o primeiro portal do universo que compõe sua jornada de fato. Até agora apareceram pessoas e mudanças que o instigaram, o levaram – ou mesmo o forçaram – a chegar nesse ponto. Este é o primeiro passo no reino do desconhecido, selando seu compromisso com a jornada. E por isso torna-se moralmente mais complicado parar que ir em frente.Chrono Trigger

Uma boa representação histórica disso é as caravelas de Colombo navegando para além das fronteiras da concepção medieval do mundo. Em nossa vida real, o cruzamento do limiar se dá sempre que iniciamos um novo empreendimento, algo que nunca fizemos antes, ou que simplesmente é novo: começar um curso, sair de casa para fazer algo diferente.

Nos jogos, os heróis costumam ser empreendedores natos, enxergando seu objetivo final como muito mais importante que qualquer risco assumido ao entrar no desconhecido. Nosso amigo Mário não pensa duas vezes antes de sair pulando em tudo para resgatar a princesa. Chrono também, ao entrar na acidental máquina do tempo da Lucca, em Chrono Trigger.

Esta é uma etapa esperada no mundo dos jogos – afinal, o estamos jogando para viver essa jornada – enquanto na vida real a tendência é que muitos tenham ficado na Recusa do Chamado ou, se acovardado logo antes de cruzar o portal – metaforicamente falando.

O Ventre da Baleia

Dentro do limiar mágico, o Herói se vê em uma esfera de renascimento, simbolizadatwilight_link pelo ventre da baleia – uma forma de dizer “útero”, psicanaliticamente. Aqui estamos falando de boa parte da jornada e si,  sobretudo nos jogos. Aqui é o passar-de-fases no qual a história se desenvolve, com o herói – nós – superando obstáculos constantemente dentro do reino do desconhecido, do limiar ultrapassado. Nisso ele muda a pessoa que é. Enquanto na vida real nós aprendemos novas coisas, nos jogos adquirimos Upgrades, Power Ups ou simplesmente uma pontuação maior. Por isso é uma fase de renascimento, por esse caráter de evolução.

É aqui que conhecemos e enfrentamos os vilões, inimigos e mini-chefes em geral, e onde a coragem do  herói é testada – no caso dos games, a nossa habilidade. snes_super_mario_world_1Adquirimos novas informações que nos levam a seguir adiante, dominamos cada ver melhor as regras do jogo. Os personagens se desenvolvem com maior complexidade, bem como a história.

São várias quests, diálogos, cutscenes e muita, mas muita ação. Por isso, é onde grande parte dos jogos ocorre de fato. Alguns jogos – os casuais, em sua maioria (praticamente sem história) – são focados nessa etapa.

A Aproximação

À medida que o herói obtém êxito em suas provações, sua etapa final fica cada vez mais próxima. No horizonte, o castelo de seu inimigo torna-se mais bowser castle nítido. A caverna oculta onde está seu destino final fica cada vez mais tangível e ele finalmente vê-se às portas da última etapa de sua jornada. Tudo que o motivou a chegar até este momento, a recompensa, está finalmente próxima.

É aqui que ele chega e atravessa o segundo limiar, entrando no lugar mais assustador ou proibido de todos. Falamos aqui da base inimiga, do mundo final, do castelo do Bowser, da Estrela da Morte, do mundo subterrâneo, enfim, da (geralmente) última fase. Essa etapa é crucial nos jogos e histórias em geral, pois indica a aproximação do clímax.

E é no clímax que encerro essa coluna para continuarmos na próxima com as últimas etapas da Jornada do Herói nos games. Parece que a coisa está pra acabar, mas não está! Espero que esteja sendo possível para você sentir como essas características são universais tanto nas histórias em geral quanto nos games, apesar de não serem uma regra absoluta para o andamento de uma história, muito menos um indicativo de que a mesma terá sucesso.

 

Continuem pensando e jogando. Até a próxima, heróis!


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