No nosso último Nintendo Chronicle vimos como o Super Nintendo alcançou o sucesso no mercado de consoles domésticos, suas dificuldades e também o duro golpe que a Nintendo sofreu da até então parceira Sony, golpe esse que se refletiu nos sucessos e fracassos do seu terceiro console, o Nintendo 64.
Apenas com o seu segundo console doméstico, o Super Nintendo, a Big N já havia conquistado praticamente todo o mercado dos consoles. Sua hegemonia era incontestável. Ao fim do ciclo de vida do Super NES a empresa de Kyoto havia vendido mais de 49 milhões de unidades e faturado bilhões e bilhões (quem sabe trilhões) de dólares por todo o mundo.
Apesar de todo o sucesso, já era hora de trabalhar em um novo console. Em 1993 a Nintendo liberou as primeiras informações do seu novo console, até então conhecido por “Project Reality” – um console que seria capaz de criar gráficos tridimensionais com a tecnologia da Silicon Graphics, uma das pioneiras em computação gráfica tridimensional. Entretanto, por dois anos não houve mais nenhuma informação sobre a evolução e andamento do projeto.
Em 1995 a Big N começa a adiar o lançamento do seu novo console, agora já conhecido por Nintendo 64, repetindo o mesmo erro do seu antecessor, o Super Nintendo, ao chegar atrasado no mercado com relação aos seus concorrentes, nesse caso o Sony Playstation que fora lançado em 1994. Só isso já era motivo suficiente para a indústria e a mídia especular que o console não teria tantos jogos no seu lançamento, o que realmente aconteceu.
Finalmente em junho de 1996 o Nintendo 64 chega ao mercado, após inúmeros adiamentos, com Super Mario 64, Wave Race 64 e PilotWings 64. Em seguida o console foi lançado nos Estados Unidos, Europa, Austrália e Brasil. Com a promessa de trazer gráficos tridimensionais jamais vistos, o Nintendo 64 inovou em diversos aspectos, porém alguma coisa não estava certa.
Um console à frente do seu tempo, mas com cartucho
É inegável que o Nintendo 64 foi um console à frente do seu tempo – sua arquitetura de 64 bits era superior a todas as outras presentes no mercado na época (32 bits), possuia um processador gráfico dedicado capaz de produzir cores de até 32 bits e grande capacidade de processamento de aúdio. Para o usuário, o que era mais perceptível eram as 4 portas de entradas de controles (algo quase inédito, pois só havia sido explorado em 1977 pelo Bally Astrocade) e um direcional analógico no controle (também implementado uma única vez pelo Arcadia 2001).
Aliás o controle é algo que realmente chamava muita atenção no N64 – seu formato de tridente com dez botões e um gatilho na traseira, apesar de ser estranho, era extremamente confortável e funcional. Com a adição do direcional analógico o jogador agora tinha a possibilidade de apontar para 256 direções diferentes. O gatilho na traseira do controle, conhecido como Z Trigger, proporcionava realismo jamais alcançado principalmente nos shooters em 1ª pessoa. Entretanto nem tudo foi um mar de rosas.
O principal erro da Nintendo, que talvez tenha afetado todo o potencial do Nintendo 64, foi insistir na utilização dos cartuchos como mídia de distribuição de jogos. Enquanto a concorrência já distribuia jogos em mídia digital (CD-ROM), a Nintendo espantou produtores e limitou o potencial do console com a utilização dessa mídia.
Antes mesmo do lançamento oficial do console, a Nintendo perdeu a exclusividade sob a série Final Fantasy, que migrou para os consoles da Sony. Logo em seguida foi a série Dragon Quest e mais adiante toda a Squaresoft que migrou para o Playstation. O mais engraçado aqui é que Final Fantasy VII ainda chegou a ser demonstrado na plataforma da Big N.
A decisão da Squaresoft, e de tantas outras softhouses que migraram seus jogos para o Playstation, se deu aos custos de produção e às limitações dos cartuchos. Enquanto um lote de jogos para Playstation levava apenas alguns dias para ser produzido e custava relativamente pouco, a produção dos cartuchos para o Nintendo 64 levava semanas e só podiam ser produzidos pela Nintendo. Além disso os chips utilizados nos cartuchos tinham que ser reprogramados quando comprados, o que dificultava mais ainda o trabalho de manufatura dos cartuchos e aumentava o seu custo.
Com capacidade de armazenamento de 64Mb (10 vezes menos que os CDs da época), não era possível armazenar as famosas animações gráficas (CGs) que tanto ficaram conhecidas no Playstation da Sony. Pior, isso dificultava bastante o trabalho dos programadores para a renderização das texturas – muitas vezes imagens iguais eram utilizadas para diferentes propósitos. Apenas um único jogo conseguiu a façanha obtida nos CD-ROMs no Nintendo 64 – Resident Evil 2! Para isso a Capcom teve que desenvolver um novo sistema de compressão de dados para que tudo desse nos 64Mb dos cartuchos – trabalho e dinheiro que nem todos estavam dispostos a “perder”.
O resultado disso é que o preço de produção dos cartuchos tinham que ser repassados para o consumidor e cada cartucho chegava a custar algo em torno de US$80,00. Em contrapartida, os CDs que tinham um custo de produção extreamemente baixo, dando maior margem de lucro às softhouses, raramente custavam mais que US$50,00. O agravante de planejamento de produção dos cartuchos complicava ainda mais a situação – se os fabricantes pedissem mais cartuchos que a demanda, eram obrigados a arcar com os prejuizos; se pedissem de menos, perdiam a oportunidade de vender mais, já que haviam que esperar semanas para o novo lote chegar às lojas.
Bons jogos para todos
Apesar de todos os contratempos, o Nintendo 64 teve seus momentos de glória. Além do já falado controle com design inovador, a Nintendo conseguiu, mais uma vez, trazer inovações para o console. Periféricos como o Rumble Pak, que fazia o controle vibrar de acordo com ações no jogo, foram inéditos e copiados pelos concorrentes. Além dele tivemos o Expansion Pak, que em alguns jogos habilitava gráficos em alta resolução (640x480 pixels na época), Transfer Pak, que permitia a comunicação entre Nintendo 64 e Game Boy (especialmente em jogos dos Pokémons) e outros que não fizeram tanto sucesso e/ou foram lançados apenas no Japão, como o 64 Disk Drive.
Assim como os acessórios e periféricos que são uma marca registrada da Nintendo, os jogos não deixaram a desejar. A Nintendo conseguiu, mesmo com um console desfavorecido por suas próprias limitações, montar uma biblioteca de jogos respeitáveis, muitos deles clássicos até hoje. Super Mario 64 é um bom exemplo disso – primeiro jogo disponível para o console e que já utilizava boa parte de sua capacidade. Em Super Mario 64 os jogadores puderam sentir todo o poder gráfico do console em cenários mágicos, coloridos e totalmente tridimensionais. As funcionalidades do novo controle também foram exploradas ao máximo, em especial o direcional analógico.
Jogos como Star Fox 64, Mario Kart 64, Mario Party, Pokémon Stadium, Castlevania, Donkey Kong 64, The Legend of Zelda e Mickey’s Speedway 64 procuravam atrair a atenção do público infantil e os vindos da antiga plataforma da companhia, enquanto GoldenEye 007, Perfect Dark, Resident Evil 2, Carmageddon 64, Destruction Derby 64, Doom 64, e Duke Nukem 64 atraiam a atenção do público mais adulto, mostrando claramente a preocupação da Nintendo em atender todos os públicos.
Mesmo com a dificuldade de programar para o console, o Nintendo 64 teve algo em torno de 400 títulos lançados para ele, muitos deles inovadores como Star Wars: Battle for Naboo, que trazia efeitos de chuva, neve e fogo de uma maneira que só foi vista posteriormente no Playstation 2! Seu último jogo foi Tony Hawk’s Pro Skater 3 lançado em 2002.
Claramente a Nintendo dispunha de um console pronto para as mídias digitais: processadores distintos para funções específicas, arquitetura de 64 bits e um grande leque de produtoras prontas para a tridimensionalização de seus jogos. No entanto, o duro golpe aplicado pela Sony causou o atraso do lançamento do console e, possivelmente, uma adaptação da plataforma para a já defasada tecnologia de cartuchos.
Quem teve a oportunidade de ter um Nintendo 64 sabe que ele foi um console memorável, proporcionador de bons momentos de diversão com os amigos. A Nintendo vendeu algo em torno de 33 milhoes de unidades e de uma vez por todas percebeu que não poderia mais errar – acabou perdendo 2 gerações de liderança para a Sony, que com o seu primeiro console conquistou 52% do mercado. Era hora de aprender com seus próprios erros. Será mesmo? Esse já é um assunto para a nossa próxima coluna Nintendo Chronicle. Até lá!